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As amálgamas nas obturações são seguras?


- Artigo atualizado no dia 21 de janeiro de 2019 -

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        Amálgamas dentárias estão presentes como ferramentas odontológicas há cerca de 150 anos na nossa sociedade. Elas são caracterizadas por serem uma liga de mercúrio com prata, estanho e cobre, podendo existir também índio, zinco, platina e paládio, e com a composição variando de acordo com o fabricante, mas sempre tendo em torno de 50% de mercúrio. Devido ao baixo custo, facilidade de aplicação, resistência, durabilidade e efeito bacterioestático (1), essas amálgamas se tornam materiais de preenchimento dentário ideais nas obturações. Só nos EUA, 100 milhões de preenchimentos dentários com amálgamas são realizados todos os anos. Porém, nas últimas décadas, uma maior preocupação começou a emergir relativa ao uso de mercúrio nos consultórios odontológicos, tanto em relação aos pacientes quanto em relação aos dentistas e ao meio ambiente.

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   AMÁLGAMA E SAÚDE

         O mercúrio é um dos metais pesados tóxicos mais perigosos para a saúde humana e para o meio ambiente em geral. Encontrado na forma de vapor, compostos organometálicos e compostos inorgânicos, ele pode causar sérios danos ao organismo, especialmente no cérebro. O vapor de mercúrio é prontamente absorvido pelos pulmões (70-80% de absorção)  e alcança rapidamente a circulação sanguínea, onde boa parte é eventualmente oxidada no corpo (Hg2+), sendo o íon mercúrio provavelmente o principal agente de dano no organismo. Antigamente, pensava-se que as amálgamas, na forma de ligas, eram bem estáveis e completamente seguras para serem colocadas em obturações. Sabia-se, contudo, que o processo de implantação e retirada dessas amálgamas no dente liberavam substanciais quantidades de mercúrio na forma de vapor (forma bem tóxica, atingindo os pulmões) e outras formas (partículas metálicas e compostos inorgânicas) muito pouco absorvidas pelo trato digestivo. Mas como eram dois eventos isolados e distantes, eram tidos como desprezíveis.

          Porém, mais tarde, descobriu-se que mesmo depois da implantação, vapores de mercúrio e íons mercúrio (Hg2+) continuavam sendo liberados das obturações, aumentando em quantidade dependendo da ação sobre elas, como a mastigação, ingestão de líquidos quentes e escovação. Um estudo publicado em 2018 no periódico Radiology (Ref.23) mostrou, através de testes clínicos ex vivo em saliva artificial, que dentes preenchidos com amálgamas liberam 4 vezes mais mercúrio quando expostos à técnica de imagem por ressonância magnética a 7,0-T (unidade de campo magnético).

         No geral, 60% do mercúrio liberado das amálgamas na região bucal é na forma de vapor e 40% na forma de Hg2+ trasportados pela saliva. Testes em ovelhas, ratos e chimpanzés, usando isótopos radioativos de mercúrio nas amálgamas, mostraram que semanas depois da obturação nesses animais, quantidades significativas de mercúrio podiam ser detectados em todo o corpo, especialmente nos rins, mandíbulas e intestino. De fato, as concentrações de mercúrio no sangue de pessoas com as amálgamas eram definitivamente maiores do que nas outras pessoas, sendo ainda mais maiores à medida que a quantidade de obturações com amálgamas aumentavam. Isso fez com que a preocupação com esses materiais de preenchimento crescessem.

          A partir daí, estudos clínicos e de revisão da literatura científica começaram a ser realizados para avaliarem se o nível de exposição do mercúrio liberado pelas amálgamas na forma de vapor era perigoso à saúde. A maioria deles não encontrou real perigo, principalmente quando os limites diários seguros de exposição ao mercúrio, definidos pela OMS (Organização Mundial de Saúde), eram levados em conta. O FDA (Agência de Drogas e Alimentos dos EUA) também não encontrou riscos à saúde significativos impostos pelo uso de amálgamas em indivíduos com 6 anos de idade ou mais, considerando os níveis típicos de exposição, alertando apenas que pessoas com alergia ao mercúrio não usassem esses produtos (Ref.9). Além disso, o mercúrio na forma de vapor metálico, em pequeníssima quantidade, não dura muito tempo no organismo, ficando, no máximo, por dois meses no corpo, antes de ser excretado. Como não era acumulado no organismo a longo prazo, ao contrário dos compostos organometálicos (metilmercúrio e etilmercúrio, por exemplo), essas pequenas quantidades absorvidas pelo corpo não representariam riscos à saúde. E até o ano de 2012, esse consenso prevaleceu.

          Em paralelo, outra preocupação também surgia : contaminação ambiental, dos dentistas e até dos estudantes de odontologia pelo mercúrio comercializado e produzido para a área odontológica, algo que não pode ser subestimado.

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     LIMITES DE EXPOSIÇÃO?

           Apesar do consenso de risco/benefício prevalente até 2012, nos últimos anos mesmo pequenas quantidades de exposição ao mercúrio começaram a ser consideradas um potencial perigo à saúde, de acordo com novos estudos sobre o assunto. Ou seja, hoje é recomendado reduzir o máximo possível a exposição diária ao mercúrio, o qual já se encontra circundando todo o nosso ambiente em mínimas quantidades. Evitar fontes extras seria a medida mais eficaz para reduzir os danos. Além disso, diversos casos de hipersensibilidade ao mercúrio e possíveis prejuízos à saúde de fetos em grávidas tornam as amálgamas ainda mais suspeitas. Efeitos epigenéticos também representam preocupações.

           Mesmo a forma inorgânica desse metal (íon Hg2+) não conseguindo passar a barreira da placenta, ou do sangue-cérebro (apesar de ainda fazer mal à saúde), o vapor de mercúrio (Hg metálico/Hg0) é bastante tóxico e acumula-se em várias partes do corpo, podendo inclusive atingir o feto. Alguns estudos isolados também mostram uma relação entre maior quantidade de mercúrio evaporado das amálgamas e radiação eletromagnética de dispositivos como celulares e equipamentos mais poderosos, como os usados em ressonância magnética. Outros também relacionam certas doenças (autismo) com esse aporte extra de mercúrio das amálgamas nos dentes. Isso sem contar estudos que sugerem uma associação entre o mercúrio absorvido das amálgamas com prejuízos à microbiota intestinal, problemas sanguíneos, esclerose múltipla e outras doenças mentais. Essas últimas especulações, contudo, são ainda baseadas em fracas evidências. Porém, não podemos ignorá-las.

          Diversas organizações de saúde e especialistas já orientam que grávidas, mulheres amamentando, crianças menores de 12 anos e pessoas com problemas nos rins não usem as ligas de mercúrio nas obturações. No caso das grávidas, é sugerido que elas também não retirem essas obturações durante a gravidez caso as tenham, porque o procedimento libera consideráveis quantidades de mercúrio na boca. Antes da gravidez, é sugerido trocá-las por outro material alternativo de preenchimento.

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    POLUIÇÃO  

            Mas o problema com as amálgamas vai além da boca do paciente. Como já mencionado, não é só com a saúde dos usuários de obturações que devemos nos preocupar. Nas preparações das amálgamas, grandes quantidades de mercúrio são manipuladas por estudantes e profissionais da área odontológica. Somando-se a isso, temos o descarte inadequado de mercúrio no meio ambiente vindo dos resíduos resultantes do processamento das amálgamas e posterior uso nas clínicas odontológicas. Bactéria diversas, especialmente em ambientes aquáticos, metabolizam o mercúrio disponível em metilmercúrio ou etilmercúrio, por exemplo, formas organometálicas muito tóxicas que se acumulam no corpo dos seres vivos (2). Em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento ambas a preocupações são agravadas devido à falta de fiscalização e escassa disseminação de boas práticas odontológicas. Na Ásia, por exemplo, estudos mostram que grande parte dos consultórios possuem limites acima da faixa "segura" imposta pelas organizações de saúde em relação à concentração de mercúrio no ar, impondo grande risco aos trabalhadores nesses locais.

          Um pequeno estudo de revisão publicado em 2018 na Clinical Pharmacology & Toxicology (Ref.28) revelou uma significativa ocorrência de sintomas neurológicos e sensoriais em profissionais odontológicos expostos a baixos níveis crônicos de mercúrio metálico. Em comparação com a população em geral, indivíduos trabalhando em clínicas odontológicas parecem possuir uma maior prevalência de distúrbios de memória, redução na flexibilidade cognitiva, redução na velocidade psicomotora,  déficit de atenção, fatiga e problemas de sono. Entre esses sintomas, perda de memória aparece em destaque.

          Nesse tópico, existe outro curioso problema: a cremação de corpos. Pessoas falecidas que possuem obturações baseadas em mercúrio, quando expostas à altas temperaturas, têm suas amálgamas dentárias transformadas quase totalmente em vapor, o qual contamina o ambiente.

           Portanto, mesmo existindo estudos passados e recentes que não encontram risco significativo direto à saúde associado ao uso das amálgamas dentárias, a contaminação ambiental por mercúrio acaba levando reais riscos indiretos para a população e diversos outros seres vivos.

          É estimado que, globalmente, 270-341 toneladas de mercúrio foram produzidas apenas em 2010 visando o uso odontológico (~21% da produção global desse metal), das quais 70-100 toneladas (20-30%) acabaram sendo descartadas de forma inadequada no meio ambiente.

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    AÇÕES INTERNACIONAIS

           Por causa de todos esses problemas, riscos, evidências e controvérsias, atualmente países como a Suécia, Noruega, Dinamarca, Alemanha, Bulgária, Vietnã, Tailândia e Japão já têm proibido ou fortemente restringido o uso de amálgamas odontológicas. O FDA (Administração de Drogas e Alimentos nos EUA) nos últimos anos vem tentando reduzir ao máximo o uso dessas amálgamas no território Norte-Americano.

          Na Noruega, já existe um processo de banimento total de produtos comerciais constituídos de mercúrio, incluindo as amálgamas dentárias, desde a década de 1990. Em 2008, um banimento geral e inédito nos produtos de mercúrio foi colocado em prática no território Norueguês.

          Na União Europeia, as amálgamas dentárias são o segundo maior uso de mercúrio. Desde 1 de julho de 2018, esses produtos foram proibidos de serem usados em crianças e adolescentes menores do que 15 anos de idade, mulheres grávidas e mães lactantes, exceto quando realmente necessário para o paciente. Na Dinamarca, na Finlândia, na Estônia e na Itália, o uso de amálgamas em restaurações dentárias já compreende menos do que 5% dos procedimentos de preenchimento. Na Suíça e no Japão, o uso de amálgamas dentárias está perto de ser banido.

          A Convenção de Minamata sobre o Mercúrio (2013), um tratado internacional que visa proteger a saúde humana e o meio ambiente das emissões antropogênicas de mercúrio, também propõe acabar de vez com o uso de amálgamas dentárias a nível mundial, através de políticas que promovam o uso de materiais alternativos e reforcem a importância na prevenção de problemas dentários.

           Aliás, a existência de outras opções de obturações é outro ponto importante, já que as amálgamas, apesar do menor custo, praticidade e outros benefícios, não são os únicos materiais de preenchimento, sendo que existem outros produtos disponíveis e que podem apresentar ainda outras vantagens. Entre eles podemos citar a porcelana, o ouro e resinas de cores variadas, os quais já são bem disseminados entre a população. E com as resinas, é possível deixá-las com a cor bem parecida com a dos dentes, ao contrário da cor metálica das amálgamas. Por que se expor a riscos de saúde e problemas estéticos desnecessários? De qualquer forma, essas outras alternativas também impõem certos riscos de contaminação ao meio ambiente - principalmente via liberação de micro-partículas -, mas são bem menos ecotóxicas do que o mercúrio. Outro grande problema é o custo.

          Muitos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o Brasil, países Africanos e grande parte da América Latina, e da Ásia, encontrariam muita dificuldade em implementar um banimento a curto-médio prazo nas amálgamas dentárias de forma a manter um bom balanço positivo dos custos e benefícios. As amálgamas possuem um custo de implantação muito reduzido em relação às outras alternativas, e retirá-las do mercado desses países de forma abrupta poderia acarretar em sérios danos à saúde pública. Algo que pode ser feito a curto-médio prazo na prática é promover uma maior preferência aos materiais de preenchimento dentário alternativos e campanhas de conscientização sobre prevenção aos problemas dentais, especialmente a cárie, e às práticas responsáveis de uso e descarte das amálgamas. A longo prazo, pesquisas para o desenvolvimento de alternativas às amálgamas dentárias mais baratas, mas de alta qualidade, podem solucionar de vez o problema.
       
          Aqui no Brasil, em 2015, um projeto de lei do deputado Luiz Nishimori (PR-PR) tinha sido proposto visando banir as amálgamas para uso odontológico sob a justificativa de “proteger a saúde dos profissionais da área odontológica e a dos pacientes, bem como o meio ambiente”, mas sofreu forte rejeição do Ministério da Saúde e de entidades nacionais da Odontologia (Ref.30). Por outro lado, uma medida mais realista entrou em vigor no final de 2018, onde a Anvisa proibiu por meio da RDC n°173, a fabricação, a importação, a comercialização e o uso, em serviços de saúde, dos elementos mercúrio e pó para liga de amálgama na forma não-encapsulada, esta a qual traz maior risco de contaminação acidental (Ref.31). O Ministério da Saúde vêm também promovendo nos últimos anos campanhas de conscientização sobre o uso responsável das amálgamas e o descarte adequado desses produtos pelos profissionais odontológicos.

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   CONCLUSÃO

         Apesar da controvérsia quanto aos reais riscos à saúde impostos pelas amálgamas dentárias, é um consenso internacional que o uso, comercialização e produção de mercúrio ao redor do mundo representa um sério risco ao meio ambiente e à população humana, direta ou indiretamente. A tendência mundial hoje é reduzir ao máximo a exposição das pessoas a esse metal, e substituir as amálgamas dentárias por produtos alternativos e menos ecotóxicos é um passo importante nessa direção.

         Antes de ter uma obturação feita, converse com o seu dentista sobre os riscos no uso das amálgamas, caso estas forem escolhidas como material de preenchimento. O mercúrio, em qualquer forma e lugar que esteja, representa sempre perigo, por menores que sejam os riscos. Não existem doses seguras de exposição, sendo preciso evitá-lo o máximo possível no nosso dia-a-dia.


(1) Efeito bacterioestático é quando um substrato (ou agente) impede a reprodução e consequente proliferação de bactérias em um local específico. A amálgama de mercúrio, por exemplo, é um agente bacterioestático, onde bactérias não conseguem se reproduzir em cima da mesma.

(2) A contaminação dos peixes por mercúrio vem dessa rota bioquímica de transformação de mercúrio em compostos organometálicos. E uma das principais vias de contaminação ambiental tem a produção e manejamento das amálgamas dentárias como representante.


Artigo relacionado: Proteja seu filho do chumbo!

Artigo complementar: Evite usar e ter em casa termômetros de mercúrio



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://www.fda.gov/downloads/Adviso...e/DentalProductsPanel/UCM236379.pdf
  2. http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=153043160001
  3. http://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-319-25325-1_7
  4. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/idj.12214/abstract
  5. http://europepmc.org/abstract/med/27024898
  6. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4481046/
  7. https://www.researchgate.net/profile/Emanuela_Testai/publication/277016818_Opinion_on_environmental_risks_and_indirect_health_effects_of_mercury_from_dental_amalgam/links/555f072d08ae9963a1145c29.pdf
  8. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2093791116300336
  9. https://www.fda.gov/downloads/MedicalDevices/ProductsandMedicalProcedures/DentalProducts/DentalAmalgam/UCM174024.pdf
  10. http://143.107.206.201/restauradora/lagro/guia_pratico.html
  11. http://health.gov/environment/amalgam2/National.html 
  12. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3388771/
  13. http://www.degruyter.com/view/j/reveh.2016.31.issue-1/reveh-2015-0058/reveh-2015-0058.xml
  14. https://www.pca.state.mn.us/sites/default/files/aq-ei2-07a.pdf
  15. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/cdoe.12208/pdf
  16. http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.3109/14767058.2016.1140737
  17. http://onlinelibrary.wiley.com/enhanced/doi/10.1111/cdoe.12233
  18. http://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-7091-1890-0_12
  19. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0304389415302314 
  20. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19830977
  21. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26544100
  22. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27026954 
  23. https://pubs.rsna.org/doi/abs/10.1148/radiol.2018172597
  24. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0013935118300847 
  25. https://www.nature.com/articles/sj.bdj.2018.229 
  26. https://europepmc.org/abstract/med/30466944
  27. https://link.springer.com/article/10.1007/s40199-018-0212-6
  28. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/bcpt.13199
  29. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/idj.12461
  30. http://www.cro-rj.org.br/ministerio-da-saude-condena-projeto-de-lei-contra-uso-de-amalgama/
  31. http://dab.saude.gov.br/portaldab/noticias.php?conteudo=_&cod=4954