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Epistaxe: Quais as causas do sangramento nasal?


          A epistaxe, ou sangramento nasal, é a emergência otorrinolaringológica mais comum e observada em 60% da população em algum ponto ao longo da vida (Ref.1). Pelo menos 80% desses casos têm origem na área de Little (plexo de Kiesselbach), região anterior do septo nasal, e são chamados de epistaxe anterior (Fig.1). São casos comumente vistos por otorrinolaringologistas, pediatras e médicos de pronto-socorro. Quando a epitaxe é posterior (10-20% dos casos), esta costuma ser mais grave, por ser proveniente de ramos da artéria esfenopalatina ou das etmoidais (Fig.1).

Figura 1. O sistema vascular do nariz é extensivo e compreende múltiplas anastomoses, oriundas das artérias carótidas interna (A) e externa. O plexo de Kiesselbach - ou área de Little (B) - é o local mais comum de sangramento anterior. É formado por vasos do septo nasal anterior, incluindo as artérias etmoidais anterior (C) e posterior (D), e a artéria maxilar interna, bem como as artérias esfenopalatina (E) e palatina maior (F). O sangramento posterior é comumente atribuído ao septo nasal posterior e à parede nasal lateral, que recebe sangue da artéria esfenopalatina e ramos da artéria maxilar.

          As causas da perda de sangue (epistaxe) podem ser:

- locais, incluindo trauma nasal, corpo estranho, alterações anatômicas, cirurgias, inflamação, umidificação insuficiente, medicamentos intranasais e tumores (ex.: carcinoma nasofaríngeo);

- ou sistêmicas, incluindo alterações vasculares (ex.: aterosclerose), discrasias sanguíneas (ex.: coagulopatias), uso de medicamentos, infecções, doenças sistêmicas graves (ex.: cânceres) e alergias.

           Quando a epistaxe é espontânea ou relacionada a fatores ambientais - maioria dos casos - ela é classificada como primária. Quando a epistaxe possui uma causa identificável como trauma e coagulopatia (adquirida ou farmacêutica) ela é classificada como secundária. A causa única mais comum de epistaxe são traumas causados pelos dedos (ex.: durante o hábito de cutucar o nariz).

          A epistaxe anterior que se origina da área de Little pode ser recorrente, desenvolver-se espontaneamente e ser interrompida facilmente pela pressão ou compressão digital nas laterais do nariz. O sangramento anterior é geralmente mais suscetível à hemostasia devido ao menor calibre dos vasos e à possibilidade de comprimir os vasos, bem como visualizá-los. A epistaxe posterior, por outro lado, pode ser mais difícil de identificar devido à sua localização posterior, prolongando o tratamento; existe também um risco aumentado de aspiração. 

           A epitaxe recorrente não apresenta risco de morte, mas causa grande ansiedade nos pacientes e seus parentes. A condição geralmente está associada à presença de crostas, vestibulite nasal, rinossinusite, trauma digital, mas geralmente uma causa direta não é encontrada. 

          Nesse sentido, pomadas tópicas que incluem óleo e descongestionantes e que hidratam as cavidades nasais têm sido usadas no tratamento das epitaxes recorrentes - apesar da inexistência de um tratamento padrão. A colonização nasal por Staphylococcus aureus também é uma possível causa, justificando em alguns casos tratamento com uma pomada antisséptica. Tratamento adequado dependerá do volume de sangue perdido, causa identificada e do local exato da hemorragia.

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> Intervenção inicial para quadros de epistaxe envolvem a compressão digital (com os dedos) do terço inferior do nariz durante 15 a 20 minutos (Fig.2). O sangramento anterior que não é possível de ser controlado com compressão digital geralmente pode ser controlado com vasoconstritores tópicos, ácido tranexâmico, cauterização ou tamponamento nasal anterior, ácido tranexâmico tópico e anestésicos locais (ex.: lidocaína). Ref.2-3

 

Figura 2. Compressão digital para conter a epistaxe. Apesar do sangramento nasal ser frequentemente autolimitado ou ser resolvido com compressão nasal externa, aproximadamente 6% dos episódios de epistaxe irão requerer intervenção invasiva para interromper a perda de sangue.

> Epitaxes são mais comuns em crianças com menos de 10 anos de idade e adultos com mais de 60 anos de idade. Indivíduos com mais de 50 anos de idade tendem a ter sangramentos nasais mais sérios e representam 40% daqueles requerendo atenção médica. No geral, a maioria dos casos não envolvem traumas e ocorrem mais comumente no inverno. Ref.4-5

> Apenas 10% das pessoas com epistaxe buscam atendimento hospitalar por que a maioria dos casos envolvem hemorragia da mucosa nasal, diferente de casos de epistaxe primária envolvendo ruptura de artérias nasais. Ref.6

> Episódios recorrentes de epistaxes sem uma causa precipitante identificada podem indicar uma etiologia sistêmica. 

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          Historicamente, pressão arterial elevada tem sido associada com um maior risco de epistaxe ou como um fator primário para epistaxes espontâneas, porém, as evidências científicas de suporte para uma relação causal são limitadas ou conflitantes. Alguns especialistas já sugeriram que o aumento significativo de pressão ligado a casos de epistaxe pode ser resultado do alarme estressante no paciente causado pelo próprio sangramento nasal. Um estudo retrospectivo de 2024 (Ref.5), analisando 102 pacientes com epistaxe - idade média de 67 anos e 2/3 do sexo masculino -, concluiu que os valores de pressão sanguínea não influenciaram de forma significativa na ocorrência do sangramento nasal. Por outro lado, um estudo prospectivo mais recente (Ref.7), analisando 250 casos de epistaxe, encontrou significativa associação entre epistaxe recorrente posterior e severidade da hipertensão no paciente. Danos vasculares crônicos são um potencial mecanismo ligando hipertensão e epistaxe (1).

           Um estudo epidemiológico recente conduzido em uma população rural da Dinamarca (Ref.8) encontrou vários fatores que estavam significativamente correlacionados com um maior risco para epistaxe em adultos com 50 anos ou mais de idade: sexo masculino, grupo de idade de 50-59 anos, alto IMC, alergia, diabetes, hipertensão, aterosclerose, angina e tratamento com anticoagulantes.


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           Uma causa patológica rara e notável de epitaxe recorrente é a Síndrome de Rendu-Osler-Weber ou Telangiectasia Hemorrágica Hereditária (Ref.9). A condição é uma displasia fibrovascular sistêmica, que tem como defeito básico uma alteração da lâmina elástica e camada muscular da parede dos vasos sangüíneos, o que os tornam mais vulneráveis a traumatismos e rupturas espontâneas. A doença apresenta transmissão autossômica dominante, embora, em cerca de 20% dos casos, não exista histórico familiar. A sua incidência na população é de 1-2 pessoas para cada 100 mil, sem preferência por sexo específico.

          As manifestações otorrinolaringológicas são as mais frequentes em quadros de telangiectasia hemorrágica hereditária, sendo a epistaxe recorrente a principal delas - ocorrendo em até 95% dos pacientes com severidade variável (Ref.10). Epistaxes recorrentes severas nesse contexto podem persistir por horas até um dia inteiro, causando anemia por deficiência de ferro severa e, frequentemente, dependência de transfusões sanguíneas. Mutações comuns em quadros com epistaxe envolvem o gene da endoglina (ENG) ou do receptor de activina do tipo cinase I (ACVRL1). 

          Opções e tratamento para epistaxes causadas por telangiectasia hemorrágica incluem uso do fármaco bevacizumabe, cauterização química, laser, escleroterapia, septoplastia de lesões nasais, coagulação por plasma de argônio e uso do fármaco pomalidomida (Ref.11-13). Tratamentos menos invasivos devem ser priorizados (Ref.14).


   Epistaxe de Origem Extranasal

          A epistaxe com origem na artéria carótida interna (ACI) intracraniana é uma condição rara (Ref.15). Sua causa mais comum é o rompimento de um aneurisma ou pseudoaneurisma nessa artéria. Porém, a presença aneurismática nesta porção da ACI é condição ainda mais rara e a sua ruptura apresenta-se, frequentemente, com essa forma de sangramento. Apesar da baixa incidência, o diagnóstico precoce pode prevenir complicações e garantir um melhor prognóstico ao iniciar imediatamente a terapia.


   Sanguessugas e Epistaxe

          Quadros de epistaxe recorrente ou persistente podem ser causados em raros casos por infestação de sanguessugas e vários casos têm sido descritos na literatura médica (Ref.16-20). Espécies comuns que infestam humanos incluem Dinobdella ferox, Hirudinea granulosa e Hirundinea viridis. Sanguessugas podem facilmente entrar e infestar orifícios humanos como uretra, vagina, reto, cavidade nasal e até a cavidade ocular (2). Essas infestações comumente ocorrem após interação com corpos aquáticos (ex.: rios e lagos) onde esses anelídeos são frequentemente encontrados.

           Como as mordidas de sanguessuga são indolores, a infestação pode permanecer assintomática até que um sinal sintomático de alerta apareça. Epistaxe, obstrução nasal e sensação de corpo estranho em movimento são reclamações comuns de pacientes em casos de infestação por sanguessugas no nariz. A saliva da sanguessuga contém hirudina, que inibe a trombina no processo de coagulação; e substâncias semelhantes à histamina causam sangramento contínuo por meio da vasodilatação.

          Existem várias técnicas médicas para a remoção de sanguessugas na cavidade nasal, mas o procedimento precisa ser feito em um hospital para evitar infecções e outros eventos adversos preocupantes.

           Para exemplificar, um caso recente de epistaxe causada por sanguessuga foi descrito no periódico New England Journal of Medicine (Ref.21). Um homem de 38 anos de idade, previamente saudável, apresentou-se a uma clínica de otorrinolaringologia com um histórico de 10 dias de sangue pingando da sua narina direita a uma taxa de algumas gotas a cada hora, assim como produção de um muco tingido de sangue quando cuspia ou tossia. 

           O paciente não sentia dor no nariz. Vinte dias antes da consulta, havia praticado alpinismo e lavado o rosto com água de nascente. 

           O exame físico revelou sangue na narina direita. Na endoscopia nasal, observou-se uma sanguessuga que se movia para longe da luz no meato nasal direito (Fig.3). 

Figura 3. Cavidade nasal do paciente onde uma sanguessuga pode ser observada (seta). O asterisco preto indica a concha nasal inferior e o asterisco branco indica o assoalho nasal. A espécie não foi identificada.

> Vídeo mostrando a sanguessuga na narina do paciente.

           Após a administração de anestesia tópica com tetracaína, um cateter de sucção foi utilizado para remover a sanguessuga intacta. A narina esquerda não apresentava anormalidades.  

          O paciente não apresentou efeitos adversos decorrentes do procedimento e não apresentou sintomas residuais ao longo do acompanhamento de uma semana. 


Leitura recomendada:


REFERÊNCIAS

  1. Donaldson et al. (2025). Epistaxis. Medical Clinics. https://doi.org/10.1016/j.mcna.2025.05.003
  2. Seikaly, H. (2021). Epistaxis. NEJM, 384:944-951. https://doi.org/10.1056/NEJMcp2019344
  3. Pourmand et al. (2022). Efficacy of topical tranexamic acid in epistaxis: A systematic review and meta-analysis. The American Journal of Emergency Medicine, Volume 51, Pages 169-175. https://doi.org/10.1016/j.ajem.2021.10.043
  4. Gottlieb & Long (2023). Managing Epistaxis. Annals of Emergency Medicine, Volume 81, Issue 2, P234-240. https://doi.org/10.1016/j.annemergmed.2022.07.002
  5. Modesti et al. (2024). "Epistaxis and Clinic Blood Pressure Values: Is There a Relationship?" High Blood Pressure & Cardiovascular Prevention 31, 493–500. https://doi.org/10.1007/s40292-024-00669-7
  6. Li et al. (2023). Etiology and clinical characteristics of primary epistaxis. Annals of Translational Medicine, 11(2):96. https://doi.org/10.21037/atm-22-6590
  7. Aggarwal et al. (2025). The Relationship Between Epistaxis and Stages of Hypertension: A Prospective Observational Study of 250 Cases in Emergency Medicine. Cureus, 17(6): e86722. https://doi.org/10.7759/cureus.86722
  8. Hovgaard et al. (2024). Risk factors of epistaxis in rural Denmark: a cross-sectional population-based survey of data from the Lolland-Falster health study. European Archives of Oto-Rhino-Laryngology 281, 5325–5338. https://doi.org/10.1007/s00405-024-08762-2
  9. Juares et al. (2008). Síndrome de Rendu-Osler-Weber: relato de caso e revisão de literatura. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 74(3). https://doi.org/10.1590/S0034-72992008000300022
  10. Rossi et al. (2025). Epistaxis Prevention, Treatment, and Future Perspectives for Hereditary Hemorrhagic Telangiectasia 14(21), 7724. https://doi.org/10.3390/jcm14217724
  11. Koçak et al. (2021). Comparação de métodos de tratamento tópico utilizados na epistaxe anterior recorrente: ensaio clínico randomizado. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, 87(2). https://doi.org/10.1016/j.bjorl.2019.07.002
  12. Chen et al. (2023). Meta-analysis of efficacy and safety of bevacizumab in the treatment of hereditary hemorrhagic telangiectasia epistaxis. Frontiers in Pharmacology, Volume 14. https://doi.org/10.3389/fphar.2023.1089847
  13. Al-Samkari et al. (2024). Pomalidomide for Epistaxis in Hereditary Hemorrhagic Telangiectasia. NEJM, 391:1015-1027. https://doi.org/10.1056/NEJMoa231274
  14. Passali et al. (2024). Surgery or No Surgery? Exploring the Dilemma of Epistaxis Management in Patients with HHT. Journal of Clinical Medicine 13(6), 1688. https://doi.org/10.3390/jcm13061688
  15. Teixeira et al. (2012). Epistaxe de origem extranasal: desafio diagnóstico. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 78(2). https://doi.org/10.1590/S1808-86942012000200021
  16. Chen et al. (2009). Nasal leech infestation: report of seven leeches and literature review. European Archives of Oto-Rhino-Laryngology 267, 1225–1229. https://doi.org/10.1007/s00405-009-1188-0
  17. Kalra, S. (2011). Nasal leech infestation causing persistent epistaxis. Journal of Emergencies, Trauma, and Shock 4(3):p 413-414. https://doi.org/10.4103/0974-2700.83875
  18. Dutta et al. (2016). Epistaxis Due to Leech Infestation in Nose: A Report of Six Cases and Review of Literature. Indian Journal of Otolaryngology and Head & Neck Surgery 68, 42–45. https://doi.org/10.1007/s12070-014-0728-0
  19. Hou et al. (2021). A case of living leech in nasal cavity. Otolaryngology Case Reports, Volume 19, 100277. https://doi.org/10.1016/j.xocr.2021.100277
  20. Rai et al. (2024). Unnoticed freshwater leech as a hidden cause for recurring epistaxis: a case series and review of literature conducted at Tertiary Care Hospital Sikkim, North East India. The Egyptian Journal of Otolaryngology 40, 134. https://doi.org/10.1186/s43163-024-00698-y
  21. Wu & Tan (2025). Nasal Leech. NEJM, 393: e28. https://doi.org/10.1056/NEJMicm2509569