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Mosassauros eram dinossauros?

Figura 1. Representação artística de um mosassauro da espécie Mosasaurus beaugei, a partir de fósseis encontrados na região da Carolina do Norte, EUA. Ref.1

          Assim como ocorre com pterossauros (1), ictiossauros (2) e plesiossauros (3), os mosassauros são comumente e erroneamente referenciados como dinossauros. Os mosassauros (família Mosasauridae) eram escamados marinhos com uma história evolucionária de ~33 milhões de anos, desde a emergência desse grupo há 100-98 milhões de anos até a extinção há ~66 milhões de anos (no evento que também extinguiu os dinossauros não-aviários). Nesse sentido, os mosassauros possuem relação mais próxima com os atuais lagartos e cobras do que com os arcossauros (4), incluindo os dinossauros. Aliás, os mosassauros são antigos lagartos aquáticos. E o termo "mosassauro" é anterior à emergência do termo "dinossauro", com o primeiro fóssil desses antigos lagartos descoberto há mais de 200 anos, em 1764 (Ref.2).

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          Com notável radiação no final do Cretáceo, mosassauros possuíam distribuição global nos oceanos, ocupavam vários nichos ecológicos e se tornaram os predadores marinhos dominantes desse período (Ref.3). Apesar de comumente descritos como carnívoros superpredadores, esses lagartos frequentemente exibiam grande especialização alimentar (Ref.4), com alguns altamente adaptados para o consumo de peixes (piscívoros) e outros para o consumo de invertebrados (ex.: durofagia obrigatória). Os mosassauros do gênero Mosasaurus (Fig.4) provavelmente possuíam uma dieta generalista e predavam o que viam pela frente, talvez com leve preferência por tetrápodes e invertebrados. 

Figura 2. (A) Fóssil de mosassauro da espécie Platecarpus tympaniticus, incluindo pele fossilizada. Barra de escala = 0,5 m. O espécime possuía ~5,7 m de comprimento. Em (B), reconstrução do esqueleto e da forma corporal inferida do espécie com base nos fósseis. Em (C), reconstrução artística e realística da espécie. A anatomia desses lagartos marinhos é outro exemplo de evolução convergente entre os tetrápodes marinhos (ex.: répteis e mamíferos), onde temos em especial os membros e a porção final da cauda transformados em nadadeiras. Ref.5

Figura 3. Em (a), fóssil da nadadeira dianteira esquerda de um mosassauro do gênero Prognathodon. Em (b), ilustração descritiva baseada no membro fossilizado. Note que o mosassauro também conserva todos os cinco dedos (I-V) de ancestrais terrestres dentro da nadadeira, assim como observado em outros répteis marinhos extintos e nos atuais mamíferos marinhos (ex.: cetáceos). Barra de escala = 5 cm. (co, coracoide; pf, pisiforme; r, rádio; ul, ulna). Ref.6


Figura 4. (A) Parte craniana e mandibular de um Mosasaurus hoffmanni, considerada a maior espécie de mosassauro conhecida. O crânio do espécime em questão possui 1,7 m de comprimento e é estimado que o animal possuía um comprimento total de aproximadamente 17 metros. O fóssil foi descoberto em 1927, na cidade de Penza, Rúsia. (B) Ilustração representativa de um M. hoffmanniRef.7

Figura 5. Em (A), crânio fossilizado da espécie Thalassotitan atrox, medindo 1,4 metro de comprimento. É provável que o espécime quando vivo possuía quase 9 metros, ou seja, exibia um porte dimensional similar às orcas modernas (Orcinus orca).Em (B), comparação de tamanho entre um humano adulto, uma típica orca e um T. atrox. Com um focinho curto, mandíbula robusta e grandes dentes cônicos, é provável que o Thalassotitan era um superpredador capaz de poderosas mordidas e ocupando um nicho ecológico similar às orcas e tubarões-brancos. Possivelmente devorava tudo que movia nos mares do Cretáceo Tardio, incluindo outros grandes répteis marinhos e indivíduos da mesma espécie. Em (C), representação artística de um T. atrox durante um evento de predação. Ref.8

Figura 6. (A) Crânio e mandíbula reconstruídos de um mosassauro da espécie Jormungandr walhallaensis, na visão lateral esquerda. (B) Reconstrução artística da espécie, representada no contexto de um combate intraespecífico (lutando contra um membro da própria espécie). Essa espécie viveu há ~80 milhões de anos e é uma transição entre dois icônicos mosassauros: Clidastes, uma forma pequena e mais primitiva de mosassauro, e Mosasaurus, uma forma maior que exibia até 15 metros ou mais de comprimento e que viveu na mesma época do Tiranossauro rex. Ref.9

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> Evidências filogenéticas colocam a superfamília Varanoidea como grupo-irmão da superfamília Mosasauroidea. Nesse sentido, mosassauros possuem relação muito próxima com os atuais lagartos monitores e o dragão-de-Komodo. Ref.9

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> Existem três principais linhagens de mosassauros: Tylosaurinae, Plioplatecarpinae e Mosasaurinae. Essa última linhagem é a mais diversa em termos morfológicos, com vários tipos de crânios e dentes adaptados para um amplo espectro alimentar, desde a robusta mandíbula e maxilar e dentes cônicos serrados do gênero Prognathodon - adaptações para rasgar pedaços de carne ou esmagar os ossos de outros répteis marinhos - até o focinho "gracioso" e fino do gênero Plotosaurus, um mosassauro piscívoro.

Figura 7. Mosassauro da espécie Megapterygius wakayamaensis (subfamília Mosasaurinae) exibindo um traço único em relação aos outros mosassauros e répteis marinhos extintos de grande porte: uma nadadeira dorsal, similar aos tubarões. A nadadeira dorsal provavelmente ajudava em viradas rápidas e precisas durante o nado. Além disso, as outras nadadeiras (peitorais e traseiras) dessa espécie são atipicamente grandes. Descoberto no sudoeste do Japão, viveu há ~72 milhões de anos e possuía aproximadamente 6 metros de comprimento. Ref.10

> Assim como os ictiossauros, os mosassauros exibem grande convergência evolutiva em relação aos cetáceos. 

> Vários mosassauros possuíam uma nadadeira caudal vertical do tipo heterocerca (lobos desiguais). No caso, o lobo inferior era bem maior do que o superior. 

> O tamanho corporal médio dos mosassauros aumentou dramaticamente ao longo da história evolucionária desse grupo: 1-2 metros nas formas primitivas semi-terrestres até 14-17 metros nas formas mais derivadas e totalmente adaptadas ao ambiente aquático marinho. Um mosassauro adulto de 13-14 metros do gênero Thalassotitan provavelmente possuía uma massa corporal de ~8 toneladas. Ref.11-12

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          Similar à maioria dos peixes e cetáceos, os mosassauros são considerados nadadores axiais, gerando investidas propulsivas através de ondulações corporais e da nadadeira caudal, enquanto as outras nadadeiras eram usadas primariamente como "volante". Mosassauros mais derivados eram provavelmente ótimos nadadores e evidências acumuladas apontam evolução relativamente rápida de adaptações aquáticas nesse grupo (em menos de 10 milhões de anos).

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          E apesar de caracterizados no geral como "lagartos marinhos", pelo menos uma espécie de mosassauro habitou ambientes de água doce: Pannoniasaurus inexpectatus. Essa espécie - pertencente à subfamília Tethysaurinae - foi descrita de forma mais compreensiva em 2012, a partir de fósseis descobertos na Hungria e associados a um sistema fluvial conhecido como Formação Csehbánya (Ref.13). O P. inexpectatus viveu entre 85,8 e 83,5 milhões de anos atrás. Adultos dessa espécie exibiam um comprimento estimado de até 6 metros.


REFERÊNCIAS

  1. Rempert et al. (2024). Mosasaurs (Squamata: Mosasauridae) from the Late Cretaceous (Late Maastrichtian) of North Carolina, USA. Proceedings of the Zoological Institute RAS, Vol. 328, No. 3, pp. 384–391. https://doi.org/10.31610/trudyzin/2024.328.3.384
  2. https://www.amnh.org/about/press-center/new-mosasaur-species
  3. Longrich et al. (2023). Stelladens mysteriosus: A Strange New Mosasaurid (Squamata) from the Maastrichtian (Late Cretaceous) of Morocco †. Fossil Studies, 1(1), 2-14. https://doi.org/10.3390/fossils1010002
  4. Holwerda et al. (2023). Three-dimensional dental microwear in type-Maastrichtian mosasaur teeth (Reptilia, Squamata). Scientific Reports 13, 18720. https://doi.org/10.1038/s41598-023-42369-7
  5. Lindgren et al. (2010). Convergent Evolution in Aquatic Tetrapods: Insights from an Exceptional Fossil Mosasaur. PLoS ONE 5(8): e11998. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0011998
  6. Lindgren et al. (2013). Soft tissue preservation in a fossil marine lizard with a bilobed tail fin. Nature Communications 4, 2423. https://doi.org/10.1038/ncomms3423
  7. Grigoriev, D. V. (2014). Giant Mosasaurus hoffmanni (Squamata, Mosasauridae) from the Late Cretaceous (Maastrichtian) of Penza, Russia. Proceedings of the Zoological Institute RAS, Vol. 318, No. 2, рр. 148–167. 
  8. Longrich et al. (2022). Thalassotitan atrox, a giant predatory mosasaurid (Squamata) from the upper Maastrichtian phosphates of Morocco. Cretaceous Research, Volume 140, 105315. https://doi.org/10.1016/j.cretres.2022.105315
  9. Amelia et al. (2023). Jormungandr walhallaensis : a new mosasaurine (Squamata: Mosasauroidea) from the Pierre Shale Formation (Pembina Member: Middle Campanian) of North Dakota. Bulletin of the American Museum of Natural History, no. 464. https://hdl.handle.net/2246/7332
  10. Konishi et al. (2023). A new derived mosasaurine (Squamata: Mosasaurinae) from south-western Japan reveals unexpected postcranial diversity among hydropedal mosasaurs. Journal of Systematic Palaeontology, Volume 21, Issue 1. https://doi.org/10.1080/14772019.2023.2277921
  11. https://biodiversity.ku.edu/exhibits/mosasaur
  12.  Driscoll et al. (2018). The mosasaur fossil record through the lens of fossil completeness. Palaeontology. https://doi.org/10.1111/pala.12381
  13. Makádi et al. (2012). The First Freshwater Mosasauroid (Upper Cretaceous, Hungary) and a New Clade of Basal Mosasauroids. PLoS ONE 7(12): e51781. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0051781
  14. Polcyn et al. (2014). Physical drivers of mosasaur evolution. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, 400, 17–27. https://doi.org/10.1016/j.palaeo.2013.05.018
  15. lópez-Rueda et al. (2025). Mosasaur (Reptilia, Mosasauridae) remains from the Upper Cretaceous of Colombia, including the first occurrence of the genus Globidens. Cretaceous Research, Volume 166, 105997. https://doi.org/10.1016/j.cretres.2024.105997