O que são Arcossauros?
Figura 1. À direita, um pombo-comum (Columba livia); à esquerda, um crocodilo-do-nilo (Crocodylus niloticus). Ambos são arcossauros. |
Arcossauros são um grupo de répteis que incluem atualmente os crocodilianos e as aves. Esse clado (Archosauria) engloba os dinossauros aviários e não-aviários, crocodilomorfos (ex.: jacarés e crocodilos), os pterossauros e seus ancestrais próximos. Os mais antigos fósseis de arcossauros datam do Triássico Inferior, entre ~251 e ~247 milhões de anos atrás. Aliás, fósseis de arcossauros, em geral, são abundantes no Brasil, principalmente nos estratos Triássico e Cretáceo.
Os arcassauros foram o grupo predominante de grandes vertebrados terrestres e aéreos na Era Mesozoica, alcançando altos níveis de diversificação já pelo Triássico Médio e exibindo um amplo espectro de tamanhos corporais, formas, hábitos de locomoção e estratégias de respiração e metabólicas. Aves e crocodilianos modernos compartilham um ancestral comum há ~250 milhões de anos. Em outras palavras, os pombos que ficam azucrinando seu telhado são mais próximo relacionados aos crocodilos do que lagartos e outros répteis; o ancestral comum entre iguanas e crocodilos, por exemplo, é mais distante do que o ancestral comum entre aves e crocodilos (Fig.2).
O clado Archosauria é um grupo monofilético de diapsídeos composto por duas grandes linhagens que se separaram no final do Permiano: Avemetatarsalia e Pseudosuchia. Este clado faz parte de um grupo mais amplo, os Archosauromorpha (arcossauroformos) que compreende vários táxons de distribuição temporal do Mesopermiano até o Mesotriássico, e sobreviventes à extinção em massa do Permo-Triássico. Este grupo reúne táxons que apresentam maiores afinidades filogenéticas entre si do que com o Lepidosauromorpha, clado que compreende os Squamata [Escamados] (cobras e lagartos) e Rhynchocephalia (tuataras) (1). Estes táxons apresentam um corpo lacertiforme, similar aos de seus antepassados diápsidos, mas diferem por apresentar, entre outras características, um forame pineal reduzido ou ausente e a borda posterior dos pré-maxilares com um processo que é direcionado posterior ou ventralmente na borda anterior dos maxilares (Fig.3). ------------ *Diapsídeos (clado Diapsida) é um extenso grupo de répteis terrestres que inclui lagartos, tuataras, crocodilianos, dinossauros/aves, e várias ordens de répteis extintos. Os mamíferos, incluindo humanos, são sinapsídeos (clado Synapsida). (1) Leitura recomendada: Decifrado o genoma do mais estranho réptil vivo do planeta ------------- Os arcossauros se diferenciaram de outros diapsídeos pela presença de aberturas únicas em cada lado do crânio (fenestra antorbital), em frente aos olhos, entre outras características (Fig.4-5). A emergência desse grupo continua a tendência evolutiva nos tetrápodes (animais com quatro membros e descendentes diretos) de redução dos ossos cranianos pela múltipla fusão de ossos e a abertura da fenestra no crânio. Esse fenótipo ajuda a tornar mais leve o crânio, fornece mais espaço para músculos e outros tecidos, e permite mais flexibilidade do crânio (cinese) durante a alimentação. Outras características típicas dos arcossauros incluem outra abertura na mandíbula (fenestra mandibular), um crânio altamente estreito com um focinho pontiagudo, dentes implantados em soquetes (implantação tecodonte) e uma articulação do tornozelo modificada (Fig.4). Existe também evolução convergente entre sinapsídeos e arcossauros em relação à tuberosidade do calcâneo, um processo ósseo projetando posteriormente a partir da junta do tornozelo e que serve como um ponto de anexação para alguns dos músculos flexores na parte inferior das pernas. Figura 4. (A) O crânio dos arcossauros inclui duas novas aberturas cranianas (fenestras). Uma é a fenestra mandibular, uma abertura através do osso mandibular. A outra é a fenestra antorbital, um termo que significa "a abertura na frente dos olhos". (B) Os dois principais grupos de arcossauros são distinguidos por diferenças na articulação do tornozelo. Os crocodilos e seus ancestrais próximos (Pseudosuchia) possuem um articulação crurotarsal, enquanto dinossauros (aviários e não-aviários) e pterossauros (Ornithosuchia) possuem uma articulação mesotarsal. A linha vermelha nas ilustrações mostram o plano do gínglimo (dobradiça) no tornozelo. (T = tíbia, F = fíbula, A = astrágalo, C = calcâneo)++. Ref.8 Figura 5. Fósseis de crânios de vários arcossauros basais, mostrando a diversidade de formas cranianas dentro do grupo durante o Triássico. (A) Nicrosaurus (Phytosauria); (B) Aetosaurus (Aetosauria); (C) Lotosaurus (Poposauroidea, ‘rauisuchian’); (D) Postosuchus (Rauisuchoidea, ‘rauisuchian’); (E) Riojasuchus (Ornithosuchidae); (F) Plateosaurus (Dinosauria: Sauropodomorpha). Barra de escala: (A, C-F) = 10 cm; para B = 5 cm. Ref.9 |
Figura 3. Na ilustração, um curioso arcossauro Brasil da espécie Aetosauroides scagliai, pertencente à linhagem dos crocodilianos. Parecendo uma mistura de tatu com jacaré, essa espécie alcançava até 3 metros de comprimento e uma massa corporal de até 80 kg, e viveu no período Triássico, há cerca de 230 milhões de anos. Ref.4 |
Figura 4. Fósseis no Brasil de A. scagliai são conhecidos no Rio Grande do Sul, como esse crânio em visão lateral (A) e seu desenho de reconstrução (B). Ref.3 |
E, sim, existiram pterossauros no Brasil, como aqueles representados pelo gênero Anhanguera, associado à Bacia do Araripe entre os estados de Pernambuco, Ceará e Piauí (especificamente na Formação Romualdo do Grupo Santana) (Fig.5-6) (2).
Figura 5. Ilustração de um Anhanguera blittersdorffi. Arte: DevianArt/Sphenaphinae |
Figura 6. Crânio fragmentado de um pterossauro Anhangueridae (MPSC R 1126) sendo preparado para análise e proveniente do Grupo Santana, Bacia do Araripe. https://repository.ufrpe.br/handle/123456789/4520 |
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É difícil caracterizar os tecidos moles de arcossauros extintos, mas o fato de ambos crocodilianos e aves terem um coração com quatro câmaras (átrios e ventrículos esquerdo e direito) suporta a noção que esse traço - também convergente com os mamíferos - é herdado do ancestral comum e aponta que persistiu nos arcossauros em geral, incluindo pterossauros e dinossauros extintos. Ou seja, diferente de lagartos, por exemplo, sangue arterial (rico em oxigênio) e sangue venoso (pobre em oxigênio) não se mistura no coração dos arcossauros. Aves também possuem um sistema respiratório altamente eficiente - talvez o mais eficiente entre os animais em termos de extração de oxigênio - com várias estruturas homólogas em relação aos crocodilianos. Porém, o sistema respiratório aviário é considerado uma elaboração de um padrão crocodiliano mais básico/primitivo; aliás, a estrutura de ramificação do brônquio pulmonar em um crocodiliano adulto lembra aquele do pulmão embrionário nas aves (Fig.7).
É curioso notar que apesar da notável proximidade evolutiva entre aves modernas e crocodilianos, esses dois grupos são opostos em um número de importantes características. As aves evoluíram endotermia (controle corporal da temperatura interna, "sangue quente") e crocodilianos são ectodérmicos ("sangue frio"), ou seja, extremos no espectro metabólico. Além disso, aves modernas englobam mais de 10 mil espécies documentadas e ocupam um amplo espectro de nichos ecológicos e tipos de habitats, enquanto crocodilianos exibem um grau especiação dramaticamente menor e compartilham nichos similares como predadores semiaquáticos que caçam de forma "passiva" (esperando em repouso por um longo período para atacar presas desavisadas).
REFERÊNCIAS
- Stefanic & Nesbitt (2019). "The evolution and role of the hyposphene-hypantrum articulation in Archosauria: phylogeny, size and/or mechanics?" Royal Society Open Science, Volume 6, Issue 10. https://doi.org/10.1098/rsos.190258
- Demuth et al. (2020). 3D hindlimb joint mobility of the stem-archosaur Euparkeria capensis with implications for postural evolution within Archosauria. Scientific Reports 10, 15357. https://doi.org/10.1038/s41598-020-70175-y
- Neto et al. (2021). The first braincase of the basal aetosaur Aetosauroides scagliai (Archosauria: Pseudosuchia) from the Upper Triassic of Brazil. Journal of Vertebrate Paleontology, Volume 41, Issue 2.
- https://chc.org.br/artigo/o-jacare-tatu-blindado/
- Bishop et al. (2020). Relationships of mass properties and body proportions to locomotor habit in terrestrial Archosauria. Paleobiology 46 (4): 550–568. https://doi.org/10.1017/pab.2020.47
- Pinheiro & Rodrigues (2017). "Anhanguera taxonomy revisited: is our understanding of Santana Group pterosaur diversity biased by poor biological and stratigraphic control?" PeerJ, 5:e3285 https://doi.org/10.7717/peerj.3285
- https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/180427/001055880.pdf (Tese de Doutorado)
- https://ucmp.berkeley.edu/taxa/verts/archosaurs/archosauria.php
- Brusatte et al. (2010). The higher-level phylogeny of Archosauria (Tetrapoda: Diapsida). Journal of Systematic Palaeontology, Vol. 8, Issue 1, 3–47.
- Brocklehurst et al. (2020). Respiratory evolution in archosaurs. Philosophical Transactions of the Royal Society B, Volume 375, Issue 1793. https://doi.org/10.1098/rstb.2019.0140