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Qual a função das galhadas nos alces e outros cervídeos?

Figura 1. Alce adulto macho exibindo massivas galhadas. 

          O alce (Alces alces) é o maior dos cervídeos (!), e pode alcançar uma altura até os ombros de 2 metros, um comprimento de 3 metros e uma massa corporal de 600 kg. Na Europa, é o segundo maior mamífero, ficando atrás apenas do bisão-Europeu (Bison bonasus). Habitando florestas boreais e decíduas, é um mamífero herbívoro, se alimentando de gramíneas, plantas aquáticas, folhas, galhos, cascas de árvores e raízes, e possui uma longevidade de ~22 anos.

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(!) Cervídeos, cervos ou veados são termos sinônimos entre si para fazer referência a mamíferos ungulados artiodáctilos e ruminantes da família Cervidae.

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           Mas o mais notável traço fenotípico dos alces são, sem sombra de dúvida, as enormes galhadas presentes nos machos, as quais podem atingir 1,6 metro de extensão e uma massa de até 30 kg! As galhadas são uma marca característica nos cervídeos, e são um par de apêndices ósseos que crescem a partir de apófises permanentes dos ossos frontais (pedículos) e que são submetidos a um periódico processo de crescimento e de perda ao longo da vida do indivíduo. Essa alta capacidade regenerativa de um apêndice/tecido representa um caso único de regeneração epimórfica nos mamíferos, um clado que tipicamente exibe capacidade muito limitada para a regeneração de apêndices. 

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> É importante não confundir chifres com galhadas. Chifres são projeções permanentes da cabeça dos animais e feitos de queratina (proteína das unhas e cabelos) e de proteínas que cercam um núcleo ósseo. Essas estruturas geralmente iniciam crescimento na puberdade, mantém o crescimento contínuo e não são trocadas ao longo da vida do animal. Por exemplo, antílopes (incluindo bovinos e caprinos), exibem chifres.

> Em geral, as galhadas dos cervídeos são regeneradas anualmente na primavera, quando a estrutura endurecida é perdida, e então cresce rapidamente no verão e passa por ossificação no outono, para subsequentemente a pele de cobertura ("veludo") ser removida, e completa regeneração ser completada na primavera seguinte.

> Todo o processo de crescimento das galhadas pode ser dividido em: estágio de crescimento e estágio de ossificação. A taxa extremamente alta de crescimento das galhadas pode alcançar 2,75 cm/dia e alcançar 15 kg de massa e 120 cm de comprimento em apenas ~3 meses, representando uma das mais rápidas taxas de desenvolvimento de órgãos no reino animal. Uma população de células progenitoras de blastema (ABPCs) - um tipo de célula-tronco - são responsáveis pelos ciclos anuais de completa regeneração anatômica, fisiológica e funcional das galhadas. Existem também mecanismos moleculares e celulares regulatórios que permitem essa alta taxa de crescimento - e alta taxa de divisão celular associada - e ao mesmo tempo evitando processos cancerosos, incluindo forte pressão seletiva no gene p53 (responsável por supressão de células cancerígenas). Ref.4-6

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           As galhadas possuem o mais rápido crescimento ósseo nos vertebrados e, para sustentar a alta taxa de crescimento, essas estruturas são ricamente supridas com sangue (e, portanto, nutrientes e oxigênio) através de ramificações da artéria superficial temporal. Nos alces, a perda periódica das galhadas varia ao longo do ano dependendo da idade; em adultos a galhada é perdida entre outubro e fevereiro. O crescimento de uma nova galhada é iniciada entre abril e julho e termina 2 a 2,5 meses após início do processo regenerativo.

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            Assim como em outros cervídeos, a galhada dos alces muda em sua forma nos primeiros anos de vida do animal, primeiro assumindo conformações simples, sem estruturas ramificadas. No terceiro ano de vida, a galhada consiste de um 'garfo' com duas pontas e, no quarto ano de vida, assume uma forma com três ramificações (Fig.2). A partir dessa última fase, a galhada finalmente assume sua forma de "palma aberta" observada nos machos adultos.

Figura 2. Ilustração, em (A), de uma galhada adulta e, em (B), de uma galhada mais simples com três ramificações (típicas de um indivíduo macho de ~4 anos de idade). Em (C), um alce juvenil com galhada mais simples. Ref.7

          A função primária das galhadas nos cervídeos é ainda motivo de debate acadêmico. Como é um investimento muito custoso a curto e a longo prazo, essas estruturas obviamente oferecem uma vantagem adaptativa. É tradicionalmente proposto que as galhadas evoluíram primariamente como armas durante combates intraespecífico entre machos para estabelecer dominância e garantir acesso às fêmeas. De fato, esses combates são violentos e são focados nessas estruturas ósseas. Existe também sugestão de que as galhadas servem como órgãos de exibição que permitem a avaliação entre machos no sentido de se ganhar disputas sem necessidade de real luta, como ocorre em camaleões (2) e gorilas (3). Nesse sentido, no geral, as galhadas parecem ser primariamente influenciadas por competição intraespecífica por fêmeas e possivelmente acesso a outros recursos. E, de fato, como regra geral, galhadas são exclusivas de cervídeos machos. Porém, existe uma notável exceção (Ref.8): em renas (Rangifer tarandus), tanto machos quanto fêmeas crescem galhadas (Fig.3).


Figura 3. Na foto, duas renas: um macho e uma fêmea. Renas - também conhecidas como caribus - são cervídeos cujos machos e fêmeas exibem galhada. Relativo ao tamanho corporal, as renas possuem as maiores e mais massivas galhadas entre os cervídeos. Nos machos, as galhadas podem alcançar 130 cm de comprimento e quase 14 kg de massa, enquanto as galhadas nas fêmeas se limitam a ~51 cm de comprimento e possuem menos ramificações. Machos perdem as galhadas no fim da temporada de acasalamento, reforçando que o papel primário dessas estruturas envolve competições entre machos visando acesso às fêmeas. 

Para mais informações:


            O tamanho e a complexidade variáveis das galhadas entre as espécies de cervídeos têm sido associados a pressões seletiva por seleção sexual e seleção natural. Na seleção sexual, machos com galhadas maiores e mais "carnavalescas" (como nos alces) seriam preferidos pelas fêmeas, por sinalizarem de forma honesta ou não uma melhor qualidade genética. Já na seleção natural, esses dois parâmetros seriam limitados dependendo do tipo de habitat: cervídeos vivendo em áreas abertas, tenderiam a ter galhadas maiores e mais complexas, e aqueles vivendo em ambientes fechados (ex.: florestas densas) tenderiam a ter galhadas menores e mais simples no sentido de não dificultar a movimentação.

          É sugerido que as galhadas caem anualmente ou periodicamente nos cervídeos como uma estratégia evolutiva no sentido de reduzir o grande fardo do peso extra imposto sobre a cabeça desses animais (Ref.9). Vídeo mostrando o flagra das galhadas de um alce caindo: acesse aqui.

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Curiosidades

> Rudolph ou Rodolfo, a Rena do Nariz Vermelho - famoso personagem fictício natalino cujo nariz brilhante ilumina o caminho para o trenó do Papai Noel - é tipicamente retratado como uma rena macho. Porém, no período do Natal, geralmente apenas renas fêmeas exibem galhadas. Aliás, nesse sentido, todas as renas com galhada puxando o trenó do Papai Noel são mais prováveis de serem fêmeas. Tipicamente, machos perdem a galhada no final do outono, ao redor de novembro, ficando sem essa estrutura até a próxima primavera, enquanto fêmeas mantêm a galhada ao longo do inverno até o nascimento de filhotes na primavera. Na data do Natal (25 de dezembro), todos os machos são esperados de perder a galhada. Após a temporada de acasalamento, as pesadas galhadas nos machos podem deixar de trazer benefícios - função primária de competição intraespecífica entre machos - enquanto as fêmeas podem usar as galhadas para se defender de predadores enquanto estão grávidas. Além disso, fêmeas usam as galhadas para buscar no solo coberto por neve e defender recursos alimentares durante o inverno. Ref.8, 10-11




> Um estudo publicado recentemente na Current Biology (Ref.17) mostrou que as renas conseguem dormir e comer ao mesmo tempo! Assim como vacas, as renas possuem quatro câmaras no estômago, usando a primeira para armazenar material vegetal que mais tarde será regurgitado e novamente mastigado. Esse processo é conhecido como ruminação. No novo estudo, os pesquisadores analisaram quatro renas da subespécie R. t. tarandus através de eletroencefalograma, registrando os padrões de atividade cerebral do animal ao longo de diferentes estações do ano, na região de Tromsø, Noruega. Eles encontraram que, durante a ruminação, o cérebro das renas exibiam atividade aumentada de ondas lentas similares àquelas observadas durante o sono NREM. Além disso, exibiam comportamentos Ou seja, entravam em um estado de sono, e até exibiam comportamentos típicos de sono (reagindo menos a barulhos, sentando e ficando quietas). E quanto mais ruminavam, menos as renas dormiam em [real] sono NREM. Os achados sugerem que essa é uma estratégia que evoluiu nas renas no sentido de permitir máxima alimentação diária e acúmulo calórico durante o verão para suportar o inverno Ártico com disponibilidade muito baixa de alimento. Especialmente considerando que as fêmeas estão geralmente grávidas nessa época.

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Predadores naturais dos alces incluem lobos (Canis lupus) e ursos-pardos (Ursus arctos). São também alvos constantes de caçadores. Embora a espécie não está listada como ameaçada, preocupantes declínios populacionais têm sido reportados na Europa e na América do Norte. Ref.12-13

> Durante o Holoceno, populações de alces cobriam quase toda a Europa, mas na Idade Média, populações nas regiões central, ocidental e sul começaram a declinar significativamente, principalmente devido à caça excessiva promovida por humanos. Mais tarde, devido ao aumento das atividades antropogênicas, como desenvolvimento infraestrutural, desmatamento e fragmentação de habitats eventualmente limitaram os alces a certas áreas do leste Europeu e no território Escandinavo (onde estão mais concentrados). Ref.14

> Devido à natureza regenerativa dessas estruturas, dentes e galhadas são os mais abundantes registros fósseis dos cervídeos. Ref.15-16

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REFERÊNCIAS

  1. https://www.zoodelahautetouche.fr/en/especes/moose-elk-2584
  2. https://animals.sandiegozoo.org/animals/reindeer-caribou
  3. https://www.zoodelahautetouche.fr/en/especes/moose-elk-2584
  4. Wang & Landete-Castillejos (2023). Stem cells drive antler regeneration. Science, Vol 379, Issue 6634, pp. 757-758. https://doi.org/10.1126/science.adg99
  5. Bi et al. (2020) Analysis of genetic information from the antlers of Rangifer tarandus (reindeer) at the rapid growth stage. PLoS ONE 15(3): e0230168. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0230168
  6. Li et al. (2023) Deer antlers: the fastest growing tissue with least cancer occurrence. Cell Death Differ 30, 2452–2461. https://doi.org/10.1038/s41418-023-01231-z
  7. https://journals.openedition.org/paleo/5126 
  8. Natalka et al. (2013). Scaling of antler size in reindeer (Rangifer tarandus): sexual dimorphism and variability in resource allocation, Journal of Mammalogy, Volume 94, Issue 6, Pages 1371–1379. https://doi.org/10.1644/12-MAMM-A-282.1
  9. Liu & Li (2023). Mechanical analysis of bovid horns and cervid antlers: a possible ultimate cause for antler casting. Animal Production Science, 63(16) 1664-1668. https://doi.org/10.1071/AN23031
  10. https://www.fda.gov/animal-veterinary/animal-health-literacy/fun-facts-about-reindeer-and-caribou
  11. https://healthcare.utah.edu/the-scope/health-library/all/2021/12/santas-reindeers-are-probably-female
  12. Janík et al. (2021). The declining occurrence of moose (Alces alces) at the southernmost edge of its range raise conservation concerns. Ecology and Evolution, Volume 11, Issue 10, Pages 5468-5483. https://doi.org/10.1002/ece3.7441
  13. Kalén et al. (2022). Using citizen data in a population model to estimate population size of moose (Alces alces). Ecological Modelling, Volume 471, 110066. https://doi.org/10.1016/j.ecolmodel.2022.110066 
  14. Severud et al. (2022) Statistical population reconstruction of moose (Alces alces) in northeastern Minnesota using integrated population models. PLoS ONE 17(9): e0270615. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0270615
  15. Heckeberg et al. (2022). Antler tine homologies and cervid systematics: A review of past and present controversies with special emphasis on Elaphurus davidianus. The Anatomical Record, Volume 306, Issue 1, Pages 5-28. https://doi.org/10.1002/ar.24956
  16. Samejima & Matsuoka (2020). A new viewpoint on antlers reveals the evolutionary history of deer (Cervidae, Mammalia). Sci Rep 10, 8910. https://doi.org/10.1038/s41598-020-64555-7
  17. Huber et al. (2023). Reindeer in the Arctic reduce sleep need during rumination. Current Biology. https://doi.org/10.1016/j.cub.2023.12.012