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Camaleões mudam instantaneamente a cor do corpo para camuflagem?

 
          Rápida mudança de cor é um fantástico fenômeno natural que evoluiu em várias linhagens de vertebrados e de invertebrados, incluindo peixes, anfíbios, répteis, crustáceos e cefalópodes. As duas principais explicações para a evolução dessa estratégia adaptativa são: (I) seleção natural com fins crípticos (camuflagem) contra uma série de diferentes superfícies e ambientes, e (II) seleção para sinais sociais visuais que maximizam detecção por indivíduos da mesma espécie, mas ao mesmo tempo minimizando exposição a predadores devido à curta duração da mudança de cor. 

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          Na maioria das linhagens, mudança de cor ocorre ao longo de um período de minutos ou horas e está primariamente sob controle hormonal, enquanto que em algumas linhagens, notavelmente cefalópodes (ex.: polvos, lulas e sépias) e camaleões, estruturas na pele (ex.: cromatóforos) estão sob direto controle neural, permitindo que os animais respondam de forma extremamente rápida (dentro de milissegundos ou segundos) a mudanças no ambiente natural ou social. O caso dos camaleões talvez seja o mais conhecido e popular. Desde a descrição desses répteis pelo antigo filósofo Grego Aristóteles (Historia Animalium), os camaleões têm protagonizado várias lendas e mitos populares devido a um número de peculiares características como língua "balística" (1), olhos com movimentação independente (2), pés zigodáctilos (adaptados para agarrar galhos), um andar muito lento e a notável capacidade de algumas espécies de mudarem rapidamente de uma cor vívida para outra. 

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(1) A propulsão da longa língua pegajosa dos camaleões - usada para capturar insetos e outras pequenas presas - é considerada um dos movimentos mais rápidos entre animais vertebrados: aceleração de até 2590 m/s2, ou tipicamente uma aceleração de 0 a 100 km/h em menos de um centésimo (1/100) de segundo! Essa explosiva extensão da língua é possível devido a um sofisticado mecanismo muscular e elástico de armazenamento e liberação de energia (Ref.2). A língua pode ter extensão de até 2,5 vezes o comprimento corporal desses animais.


(2) Os estranhos e grandes olhos dos camaleões podem escanear o ambiente continuamente com movimentos oculares independentes e de grande amplitude que podem cobrir 180° horizontalmente e 90° verticalmente (Ref.1).  

> A vasta maioria dos camaleões são ovíparos, ou seja, botam ovos. Mas viviparidade (desenvolvimento completo do embrião dentro do corpo, similar à gravidez e ao parto de humanos e de outros mamíferos) evoluiu pelo menos 3 vezes nesse clado e, nesse sentido, muitas espécies de camaleões são vivíparas. São ainda incertos os gatilhos evolucionários para a emergência de viviparidade nos camaleões, mas climas frios em altas atitudes e elevações parece ser um fator favorável. Ref.11

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           Camaleões são lagartos arborícolas da subordem Iguania, família Chamaeleonidae, que habitam florestas, savanas e estepes. A origem evolucionária dos camaleões é Africana, há cerca de 90 milhões de anos, e com o atual centro de especiação em Madagascar, com aproximadamente metade das ~200 espécies desses animais habitando a ilha. Camaleões se alimentam predominantemente de insetos e exibem extremas adaptações morfológicas, comportamentais e neurais para a vida nas árvores e a dieta insetívora. Essas adaptações são expressadas na forma do corpo, movimentação, coloração corporal e sistemas sensoriais. A rápida e dramática mudança de cor observada nos camaleões ocorre via variação organizacional de pequenos nanocristais de guanina em estruturas na pele chamadas de S-iridóforos (Ref.3). Porém, essa dramática mudança de cor em algumas espécies, diferente da ideia popular, NÃO possui a função de camuflagem e muito menos ocorre como resposta às cores no ambiente



          Muitos já devem ter visto vídeos no YouTube, Twitter, Instagram e outras redes sociais mostrando camaleões andando sobre superfícies coloridas e mudando rapidamente a cor do corpo para assimilar as cores variantes enquanto andam. Porém, esses vídeos são FALSOS, manipulados com editores de vídeo. Muitos também devem ter visto animações e outros produtos de televisão e cinema retratando camaleões dessa maneira, como no longa de animação Enrolados (2010), onde um camaleão protagonista chamado Pascal muda de cor instantaneamente para imitar os padrões e cores do background. Mais uma vez, isso é apenas fantasia e licença poética.

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          A realidade é que as dramáticas e rápidas mudanças de cores observadas em um número de espécies de camaleões - incluindo combinações vívidas de azul, verde, laranja, amarelo e preto - possuem, basicamente, funções de sinalização social. Gatilhos para essas mudanças de cor incluem competição entre machos e interações entre machos e fêmeas durante períodos de acasalamento (Ref.4-7). Mudanças de cores mais sutis (ex.: pele mais escura ou mais clara) podem até ter função de camuflagem em alguns ambientes ou mesmo função de termorregulação (refletir mais ou menos radiação solar), mas são tipicamente produzidas por mudanças na pigmentação da pele (ex.: melanina) e não necessariamente envolvem os S-iridóforos. 



           É provável que limitada habilidade de mudança de cor nos camaleões primeiro evoluiu nesse grupo de répteis com funções de camuflagem ou termorregulação (via pigmentos na pele), mas depois sendo "anabolizada" ao longo do processo evolucionário no sentido de ganhar funções de comunicação social (S-iridóforos, uma novidade evolutiva no Reino Animal). A verdade, é que esses lagartos já são muito bem camuflados em seus habitats sem necessidade de mudarem de cor para isso; por exemplo, muitos são verdes e se parecem com folhas - ou possuem cores similares a terrenos rochosos ou a troncos e galhos de árvores -, e usam extrema imobilidade para não serem percebidos por por predadores próximos.



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Katzir et al. Vision in chameleons—A model for non-mammalian vertebrates. Seminars in Cell & Developmental Biology, Volume 106, Pages 94-105. https://doi.org/10.1016/j.semcdb.2020.05.009 
  2. Moulton et al. (2016). The elastic secrets of the chameleon tongue. Proceedings of the Royal Society A. https://doi.org/10.1098/rspa.2016.0030
  3. Milinkovitch et al. (2015). Photonic crystals cause active colour change in chameleons. Nature Communications 6, 6368. https://doi.org/10.1038/ncomms7368
  4. Stuart-Fox & Moussalli (2008). Selection for Social Signalling Drives the Evolution of Chameleon Colour Change. PLoS Biology 6(1): e25. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.0060025
  5. Ligon & McGraw (2013). Chameleons communicate with complex colour changes during contests: different body regions convey different information. Biology Letters 9(6):20130892. https://doi.org/10.1098%2Frsbl.2013.0892
  6. Ligon & McGraw (2018). A chorus of color: hierarchical and graded information content of rapid color change signals in chameleons, Behavioral Ecology, Volume 29, Issue 5, Pages 1075–1087. https://doi.org/10.1093/beheco/ary076
  7. Dollion et al. (2020). "The colour of success: does female mate choice rely on male colour change in the chameleon Furcifer pardalis?" Journal of Experimental Biology, 223 (20): jeb224550. https://doi.org/10.1242/jeb.224550
  8. Whiting et al. (2022). Invasive chameleons released from predation display more conspicuous colors. Science Advances, Vol. 8, Issue 19. https://doi.org/10.1126/sciadv.abn2415 
  9. https://blogs.iu.edu/sciu/2021/07/10/chameleons-color/
  10. https://www.nationalgeographic.com/animals/article/chameleon-camouflage-color-change-myth-news
  11. Hughes & Blackburn (2019). Evolutionary origins of viviparity in Chamaeleonidae. Journal of Zoological Systematics and Evolutionary Research. https://doi.org/10.1111/jzs.12328