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Qual é a espécie de louva-a-deus rosa e similar a uma flor de orquídea?

Figura 1. Louva-a-deus Hymenopus coronatus, na Tailândia.

- Atualizado no dia 30 de novembro de 2023 - 

         O louva-a-deus orquídea (Hymenopus coronatus) é um inseto que habita florestas úmidas no Sudeste Asiático, especificamente na Malásia e na Indonésia. Com aparência muito similar a uma flor (no caso, similar a flores de certas orquídeas), esse louva-a-deus se esconde entre orquídeas na espera de uma presa atraída pela "flor". Com uma visão mais sensível e eficaz próximo do ultravioleta (UV) do que a nossa, muitos insetos como as abelhas não parecem ser capazes de diferenciar bem o H. coronatus de uma real flor, caindo fácil na armadilha e nas rápidas pernas dianteiras modificadas desse voraz predador (Ref.2). Além disso, parece existir emissão de compostos químicos voláteis na cabeça desse louva-a-deus (10HDA e 3HOA) que ajudam a atrair abelhas-de-mel orientais (Ref.3).

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          Aliás, a simulação floral do H. coronatus parece ser tão eficiente que esse louva-a-deus atrai mais insetos polinizadores do que as reais flores simpátricas! Por outro lado, existem especialistas que são céticos em relação à função específica de mimetismo dos lobos femorais ("flor"), apontando que as evidências empíricas de suporte são limitadas.

> É relevante mencionar que apenas os indivíduos juvenis possuem uma coloração corporal e formas similares a uma orquídea (Fig.2). Os adultos apresentam coloração e anatomia corporal bem distintas, sem superfícies eficientes na reflexão de UV - em especial, as asas nos adultos impedem que o abdômen seja curvado, tornando a semelhança com uma flor de orquídea ainda menos pronunciada (Fig.3). Aliás, adultos possuem sucesso muito menor na caça de abelhas do que os juvenis. Por outro lado, como os adultos conservam características florais no corpo, fica sugerido que mesmo nessa fase a estratégia de simular flores é usada para a captura de presas.


Figura 2. Ninfa fêmea de H. coronatus com coloração monocromática e efetiva camuflagem. Foto: Matthew Nochiasaki

Figura 3. À esquerda, uma ninfa de H. coronatus; à direita, um adulto da mesma espécie. Fotos: by J.C. O'Hanlon

> Flor ou "Asa Delta"? O louva-a-deus orquídea tem sido tradicionalmente considerado na literatura acadêmica um clássico exemplo de mimetismo de flor pelos últimos ~200 anos, devido aos seus lobos femorais com forma de pétalas e altamente expandidos. Porém, existem evidências observacionais e experimentais que essas estruturas não contribuem para o mimetismo de flor no sentido de atrair polinizadores. Um estudo publicado recentemente no periódico Current Biology (Ref.6) trouxe convincente evidência experimental que os lóbulos femorais dessa espécie - tanto ninfas quanto adultos - possuem a função primária de planar. Após pulos ativos para dispersão ou escape, o louva-a-deus orquídea consegue planar por longas distância: quando cai de uma altura de 10 metros, consegue alcançar 6 metros de distância horizontal, com um máximo próximo de 18 metros. Os lobos femorais permitem um aumento da área corporal de até 36%, e o tamanho corporal dos indivíduos não compromete a capacidade de planar - mesmo com um aumento de 165x na massa corporal durante o desenvolvimento das fêmeas -, provavelmente devido ao aumento dos lóbulos. Aliás, os autores do estudo mostraram uma notável redução de 40-56% na carga das "asas" como resultado da alometria positiva de tamanho dos lóbulos, indicando uma clara conservação da função de planar dessas estruturas ao longo do desenvolvimento ontogênico do animal. 


Segundo os experimentos conduzidos por Zeng et al. , essa espécie de louva-a-deus é o artrópode conhecido mais bem adaptado para planar! É também o primeiro caso documentado de "pernas de asa delta" em um artrópode sem asas.  

> Essa espécie exibe um notável dimorfismo sexual, com os machos muito menores do que as fêmeas (Fig.3). Ao longo do percurso evolucionário, as fêmeas sedentárias - prostradas nas flores de tocaia - ganharam um corpo avantajado no sentido de facilitar a captura de presas maiores (grandes insetos polinizadores) (Ref.5). Enquanto isso, machos menores e bem camuflados foram selecionados no sentido de dificultar o trabalho de potenciais predadores (menor percepção visual) e aumentar a mobilidade, aumentando as taxas de sobrevivência e também a chance de encontro e acasalamento efetivo com fêmeas. 


Figura 3. Um macho adulto montando em uma fêmea adulta de H. coronatus durante acasalamento, onde podemos ver a extrema diferença de tamanho entre os sexos. Foto: Jason Zhu


Figura 4. Uma típica fêmea adulta de H. coronatus exibindo ressaltada coloração branca e grandes lóbulos nas pernas imitando pétalas de orquídea. Foto: Rick Wherley/Cleveland Museum of Natural History

 

Figura 5. Um típico macho adulto de H. coronatus exibindo coloração branca e marrom com asas transparentes. Foto: Rick Wherley/Cleveland Museum of Natural History



> Independentemente da discussão sobre o real função das "pétalas" no H. coronatus, existem espécies de louva-a-deus com camuflagens muito eficientes. Podemos citar de forma notável o gênero Liturgusa, cujos representantes ocorrem exclusivamente na América do Sul e Central e inclui membros que vivem toda a vida sobre troncos e galhos de árvores (Ref.8). Extremamente ágeis na corrida, o grupo exibe uma notável camuflagem onde cores diversas no corpo - incluindo marrom, preto e tons variados de terra - tornam esses insetos muito difíceis de serem notados quando estão sobre a casca de árvores ou líquens associados, como na foto em A abaixo.

Um louva-a-deus juvenil do gênero Liturgusa camuflado sobre o líquen de uma árvore. Foto: César Favacho (publicada no X, ex-Twitter)

> Leitura recomendada: Canibalismo entre louvas-a-deus ocorre apenas durante o acasalamento?


REFERÊNCIAS

  1. https://www.aucklandzoo.co.nz/news/the-orchid-mantis-fatal-attraction
  2. O'hanlon et al. (2013). Coloration and Morphology of the Orchid Mantis Hymenopus coronatus (Mantodea: Hymenopodidae). Journal of Orthoptera Research, 22(1):35-44 https://doi.org/10.1665/034.022.0106
  3. Mizuno et al. (2014). “Double-Trick” Visual and Chemical Mimicry by the Juvenile Orchid Mantis Hymenopus coronatus used in Predation of the Oriental Honeybee Apis cerana. Zoological Science, 31(12):795-801. https://doi.org/10.2108/zs140126
  4. Yuan et al. (2022). The complete mitochondrial genome of Hymenopus coronatus (Mantodea: Hymenopodidae) from Xishuangbanna, China. All Life, Volume 15, Issue 1. https://doi.org/10.1080/26895293.2021.2020173
  5. Svenson et al. (2016). Selection for predation, not female fecundity, explains sexual size dimorphism in the orchid mantises. Scientific Reports 6, 37753. https://doi.org/10.1038/srep37753
  6. Zeng et al. (2023) Petal-shaped femoral lobes facilitate gliding in orchid mantises. Current Biology. https://doi.org/10.1016/j.cub.2023.11.003
  7. https://english.cas.cn/newsroom/research_news/life/202311/t20231130_652422.shtml
  8. Svenson, J. G. (2014). Revision of the Neotropical bark mantis genus Liturgusa Saussure, 1869 (Insecta, Mantodea, Liturgusini). ZooKeys 390: 1-214. https://doi.org/10.3897/zookeys.390.6661