Artigos Recentes

Tricomicose [Tricobacteriose] Axilar é causada por fungos ou por bactérias?

 

          Um homem de 48 anos apresentou-se ao consultório médico com numerosos e firmes nódulos amarelos anexados ao pelos da sua axila persistindo por várias semanas (Fig.1). Ele negou dor ou prurido (coceira). No entanto, um cheiro desagradável se desenvolveu, e não melhorava com limpeza no banho ou com o uso de desodorante. A parte das suas camisas em contato direto com a axila afetada ficava também manchada de amarelo. 

- Continua após o anúncio -


          Com base no histórico e na aparência clínica do paciente, ele recebeu o diagnóstico de tricomicose [tricobacteriose] axilar. Nesse sentido, o paciente foi tratado com sucesso por 2 semanas através de três medidas terapêuticas sinérgicas: raspagem dos pelos da axila afetada 3 vezes por semana, uso de sabão antimicrobiano diariamente e aplicação de eritromicina tópica (um antibiótico macrolídeo) diariamente. Os sintomas do paciente foram totalmente resolvidos e não recorreram após 1 mês de acompanhamento.

          O caso foi reportado e descrito em 2019 no periódico Consultant (Ref.1).


   TRICOBACTERIOSE AXILAR

          A tricobacteriose, anteriormente e ainda impropriamente chamada de tricomicose, é uma infecção bacteriana superficial causada por bactérias do gênero Corinebacterium sp. Pode ocorrer de maneira isolada ou associada a outras corinebacterioses, como o eritrasma e a queratólise puntata. Antes atribuída ao C. tenuis, seu principal agente é o C. flavescens. Outros agentes descritos são C. propinquum e Dermabacter hominis.

          Clinicamente, apresenta-se com concreções cerosas ou cremosas insolúveis, de cor amarelada ou translúcida, firmemente aderidas às hastes dos fios de pelos, principalmente em regiões úmidas do corpo, como a axila e a pubiana. Na grande maioria dos casos, as axilas são afetadas. Em casos raros, pode apresentar cor avermelhada ou enegrecida, e até mesmo branca (Fig.3); essas diferenças de cor provavelmente são devidas ao envolvimento de diferentes bactérias do gênero Corynebacterium, as quais secretam uma substância rígida que produz acúmulo de material imóvel na haste capilar. Costuma estar associada a odor desagradável e eliminação de pigmento no suor que pode manchar as roupas; frequentemente pode ocorrer aumento da sudorese (hiperidrose) e mudanças na textura dos pelos. O odor desagradável é devido em parte ao metabolismo bacteriano de testosterona presente no suor, produzindo compostos mal-cheirosos. Além dessas manifestações, a infecção é tipicamente assintomática - com exceção de alguns casos envolvendo coceira (Ref.3) - e pode não ser prontamente notada, especialmente quando não envolve odor desagradável.


Fig.2. Caso de tricobacteriose em um paciente de 15 anos de idade. (A) Discromia e espessamento dos fios capilares na axila. (B) Imagem dermatoscópica por contato (ampliação de 10x) mostrando estruturas branco-amareladas aderidas em duas hastes capilares da axila. Fernández-Crehuet et al., 2018

Fig.3. Paciente de 35 anos de idade com um histórico de 9 meses apresentando massas esbranquiçadas sobre os pelos da sua axila (A). Em (B), lâmpada de Wood revelando fluorescência verde-amarela sobre as concreções e, em (C), imagem dermatoscópica mostrando estruturas similares a algodão sobre a haste dos fios capilares. O paciente não reportou mal odor, dor ou prurido. Diagnóstico de tricobacteriose axilar foi confirmado. Uma semana de tratamento com clindamicina tópica e limpeza diária com peróxido de benzoíla resolveu os sintomas, sem recorrência sintomática. Murphy & Maiberger, 2022

           Os principais fatores de risco para essa doença são a hiperidrose, a obesidade e a higiene inadequada. Homens são mais comumente afetados do que mulheres devido à cultura de remoção capilar nas axilas e região da genitália na população feminina, e a maioria dos casos ocorrem em climas úmidos ou tropicais. A área interglútea pode ser também afetada e muito raramente o escalpo. A infecção pode potencialmente ser transmitida para outras pessoas através de contato muito próximo.

          Embora o diagnóstico seja clínico na maioria das vezes, sua apresentação pode ser confundida com outras afecções que cursem com estruturas aderidas à haste pilar. Por simularem clinicamente as lêndeas dos piolhos - especialmente no início da infecção -, essas estruturas foram denominadas pseudolêndeas e correspondem a condições que fazem diagnóstico diferencial com a pediculose, como a própria tricobacteriose, a piedra branca, a piedra negra, eritrasma e os cilindros presentes em condições inflamatórias, como a psoríase, a dermatite seborreica, o lúpus cutâneo e o líquen plano pilar. A tricoscopia propicia uma fácil diferenciação entre essas condições e viabilizaria de modo rápido o diagnóstico da tricobacteriose quando existirem dúvidas clínicas. A luz de Wood (fluorescência amarelada), o exame direto em hidróxido de potássio (KOH) e a coloração por Gram, além da confirmação por cultura, são métodos adicionais; entretanto, podem não ser necessários.

-----------

> Piedra é uma infecção com o fungos Trichosporon beigelii e é caracterizado por concreções brancas (moles e gelatinosas) ou pretas (firmes) sobre os fios capilares, geralmente do escalpo. Ao contrário da tricobacteriose, os nódulos de piedra podem ser facilmente separados dos pelos, e quebra da haste capilar é comum. 

> Eritrasma também é causada por espécies de Corynebacterium - especificamente a C. minutissimum. Essa infecção frequentemente afeta pessoas com diabetes e pessoas que são obesas. É caracterizada por manchas escamosas rosas e marrons, tipicamente nas dobras de peles.

------------

          O tratamento consiste na retirada dos pelos das áreas acometidas e otimização da higiene. Antibióticos tópicos, como a eritromicina ou a clindamicina, podem também ser utilizados. 


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Cyr et al. (2019). A man with yellow armpits. Consultant, 59(4):111-112, 128.
  2. Bakos et al. (2021). Dermatoscopia das infestações e infecções cutâneas (entomodermatoscopia) – Parte I: dermatozoonoses e infecções bacterianas. Anais Brasileiros de Dermatologia, Vol.96, Issue 6, pages 735-745. https://doi.org/10.1016/j.abdp.2021.09.005
  3. Almazán-Fernández & Serrano (2017). Trichomycosis axillaris dermoscopy, Volume 23, Number 6. https://doi.org/10.5070/D3236035394
  4. Rodríguez-Jato et al. (2018). Image Gallery: Trichomycosis axillaris: dermoscopic, Wood's lamp and methylene blue imaging, British Journal of Dermatology, Volume 179, Issue 2, Page e89. https://doi.org/10.1111/bjd.16725
  5. Murphy & Maiberger (2022). Trichomycosis Axillaris. NEJM, 387:e59. https://doi.org/10.1056/NEJMicm2206453
  6. Fernández-Crehuet et al. (2018). Doctor, my armpit hair has turned yellow! Malodorous yellowish axillary hair in an adolescent patient. Australian Journal of General Practice, Volume 47, Issue 9. https://doi.org/10.31128/AJGP-02-18-4510
  7. https://doi.org/10.1056/NEJMicm1300241 
  8. Bonifaz et al. (2013). Trichomycosis (Trichobacteriosis): Clinical and Microbiological Experience with 56 Cases. International Journal of Trichology, 5(1): 12–16. https://doi.org/10.4103%2F0974-7753.114704