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Qual a função da juba dos leões?


          Leões são felinos de grande porte da espécie Panthera leo que emergiram na África há cerca de 200 mil anos. Durante o Pleistoceno, os leões possuíam uma ampla distribuição global, incluindo os leões modernos (Panthera leo leo) na Eurásia, o leão-da-caverna (Panthera leo spelaea) na Eurásia, Alasca e Yukon, assim como o leão-Americano (Pathera leo atrox) na América do Norte. Um dramático declínio populacional desses felinos teve início há cerca de 14 mil anos, com a extinção dos leões de caverna e Americano; mais recentemente, populações de leões modernos desapareceram da Eurásia (séculos XIX e XX) e do Norte da África, provavelmente por causas antropogênicas. Atualmente, os leões se restringem à África Subsaariana e uma pequena e isolada população de leões Asiáticos na Península de Kathiawar, na Índia.

          Entre as populações restantes de leões modernos (1), duas subespécies são reconhecidas: P. l. leo na Ásia e Oeste Africano, e P. l. melanochaita no Leste Africano e África do Sul; na África Central, a posição taxonômica entre as duas subespécies é ainda debatida (Ref.1). Carnívoros de grande porte, os machos de P. leo podem alcançar até 2,5 metros de comprimento e massa de até 250 kg, e exibem um traço fenotípico bem peculiar e único entre os felinos: uma robusta e longa pelagem em torno da cabeça e do pescoço chamada de juba. 

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          É ainda questão de debate acadêmico o porquê dos machos adultos, em específico, possuírem a famosa juba. Existem três principais hipóteses: proteção (seleção natural atuando sobre conflitos entre machos), atração sexual (seleção sexual, pressão seletiva imposta pelas fêmeas) e sinalização honesta de saúde e vigor (seleção natural e sexual).

- Proteção: Os densos e muito espessos fios de pelo dessas jubas podem fornecer proteção contra os dentes de outro macho atacante ou pode tornar a cabeça, pescoço e peito mais difíceis de serem agarrados com as garras dos membros dianteiros, ajudando a prevenir danos de efetivas e poderosas mordidas. Aliás, essa é a proposta que também era defendida pelo próprio Charles Darwin (1871). Porém, evidência de suporte é fraca para essa hipótese.

- Atração sexual: Muitos cientistas argumentam que a juba evoluiu como um fenótipo primariamente usado para atrair fêmeas (leoas), e quanto maior e imponente a juba, mais "sexy" o leão. 

- Sinalização honesta: Já foi mostrado que a cor e padrões de crescimento das jubas variam dependendo de fatores endógenos e ecológicos diversos, como avanço da idade e nível de testosterona, enviando uma sinalização honesta para fêmeas e outros machos sobre o status geral do indivíduo; machos mais intimidadores, mais agressivos (e com mais testosterona), mais atraentes para as fêmeas e com uma saúde mais robusta tendem a ter uma cabeleira mais longa e mais escura (foto abaixo). Aliás, o crescimento da juba é dependente de andrógenos.


          Evidências de estudos experimentais fornecem maior suporte para as duas últimas hipóteses envolvendo seleção sexual, e provavelmente ambas se complementam. O papel de proteção das jubas, caso existente em alguma extensão, parece ser secundário (Ref.5).

          Existe um alto custo para o leão manter a juba, incluindo a perda de camuflagem para a caça, grande investimento de recursos para o crescimento e manutenção da pelagem em excesso, maior acúmulo de parasitas, redução na capacidade de manobras durante corridas, e potencial aquecimento extra trazido pelo excesso de pelos em um habitat tipicamente árido e quente (talvez mais pronunciado naqueles com uma juba mais escura). Apesar de evidências conflitantes relativas aos alegados prejuízos termorregulatórios (Ref.6) (2), é frequentemente observado que leões vivendo em climas muito quentes e áridos - ou temporariamente durante estações e anos mais quentes - possuem uma juba significativamente reduzida e menos escura (Ref.7-8). Nesse sentido, a pressão seletiva para a manutenção das barbas é alta, sugerindo fortemente que os machos ganham grande vantagem com a "cabeleira" extra.


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(1) As populações de leões continuam em preocupante declínio devido a múltiplos fatores, incluindo perda de habitat, mudança climática, conflitos armados, comércio ilegal de partes corporais desses animais (ex.: para fins medicinais), doenças, caça esportiva e matança indiscriminada durante conflitos entre leões e humanos (ex.: retaliação por ataques ao gado) (Ref.9). Leões encontram-se hoje na Lista Vermelha da IUCN sob o status vulnerável de conservação, e, nas últimas duas décadas, houve uma redução populacional de 50% nos leões Africanos (Ref.10). Na África do Sul, ações de conservação da espécie têm obtido sucesso (Ref.11).

(2) Assim como gatos domésticos, leões não possuem glândulas sudoríparas funcionais na pele e aquelas presentes nas patas não contribuem significativamente para o balanço térmico desses felinos. Mecanismos termorregulatórios efetivos nesses animais englobam lambida da pelagem com a língua (3) e evapotranspiração pela boca (exalação ofegante de ar). Durante períodos de altas temperaturas, os leões também viram de barriga para cima, expondo uma pele mais fina que facilita troca de calor com o ambiente. Importante mencionar que, apesar de plausível à primeira vista, não existe sólida evidência de que a juba dos machos - mesmo as mais escuras - impliquem em prejuízos termorregulatórios para esses animais.  

(3) Leitura complementarComo os gatos conseguem ficar tão limpos?

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. De Manuel et al. (2020). The evolutionary history of extinct and living lions. Proceedings of the National Academy of Sciences, 117(20), 10927–10934. https://doi.org/10.1073/pnas.1919423117
  2. BLANCHARD, D. Caroline (2009). Of Lion Manes and Human Beards: Some Unusual Effects of the Interaction between Aggression and Sociality. Frontiers in Behavioral Neuroscience, v.3: 45. https://doi.org/10.3389%2Fneuro.08.045.2009
  3. https://www.uvm.edu/~dstratto/bcor102/LionsMane.pdf
  4. Gnoske et al. (2006). "Dissociation between mane development and sexual maturity in lions (Panthera leo): solution to the Tsavo riddle?" Journal of Zoology, Volume 270, Issue 4, Pages 551-560. https://doi.org/10.1111/j.1469-7998.2006.00200.x
  5. West et al. (2006). Wounding, mortality and mane morphology in African lions, Panthera leo. Animal Behaviour, Volume 71, Issue 3, Pages 609-619.
  6. Trethowan et al. (2016). Getting to the core: Internal body temperatures help reveal the ecological function and thermal implications of the lions’ mane. Ecology and Evolution, Volume 7, Issue 1, Pages 253-262. https://doi.org/10.1002/ece3.2556
  7. West & Packer (2002). Sexual Selection, Temperature, and the Lion's Mane. Science, Vol 297, Issue 5585, pp. 1339-1343. https://doi.org/10.1126/science.1073257
  8. Patterson et al. (2006). Developmental Effects of Climate on the Lion's Mane (Panthera leo). Journal of Mammalogy, Volume 87, Issue 2, Pages 193–200. https://doi.org/10.1644/05-MAMM-A-226R2.1
  9. Smitz et al. (2018) A genome-wide data assessment of the African lion (Panthera leo) population genetic structure and diversity in Tanzania. PLoS ONE 13(11): e0205395. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0205395
  10. https://www.iucn.org/news/protected-areas/201909/where-lions-go-africa-goes-unlocking-value-lions-and-their-landscapes
  11. Bauer et al. (2015). Lion (Panthera leo) populations are declining rapidly across Africa, except in intensively managed areas. PNAS, 112(48):14894-9. https://doi.org/10.1073/pnas.1500664112