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O que é o estrondo sônico (ou sonic boom) produzido por aeronaves?

          Som é a vibração que se propaga como uma onda acústica através de um meio de transmissão como um gás, líquido ou sólido. Essa propagação depende de vários fatores, e, na troposfera (camada atmosférica onde vivemos), a velocidade do som é de aproximadamente 343 m/s (ou cerca de 1235 km/h) (1). Quando uma aeronave na troposfera ultrapassa essa velocidade (quebra da velocidade do som no ar), um barulho similar a um trovão é produzido logo na sequência. Esse barulho é o famoso sonic boom, ou, na tradução do inglês, estrondo sônico.

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(1) Leitura recomendada: Qual é a velocidade máxima que o som pode alcançar?

           Distúrbios de pressão criados por uma aeronave em voo viajam em todas as direções na velocidade local do som. Aeronaves viajando com velocidades supersônicas (acima da velocidade local do som) irão avançar mais rápido do que os distúrbios sendo gerados na atmosfera, criando uma região cônica que se estende atrás do nariz da aeronave (Cone de Mach) e ondas de choque associadas às significativas variações de pressão nesse processo. Considerando a velocidade do avião (Vavião) e a velocidade do som (Vsom), temos:

I. Vavião < Vsom (subsônica): As ondas de pressão viajam mais rápido, espalhando-se para todos os lados, inclusive à frente do avião. Assim, o som vai sempre na frente. Próximo da velocidade do som, frequentemente é possível ver a formação de um cone de vapor associado a zonas de baixa pressão.

II. Vavião = Vsom (Mach 1): A Vavião iguala-se à velocidade de deslocamento de suas ondas de pressão, ele estará comprimindo o ar à sua frente e acompanhando as ondas de pressão com a mesma velocidade de sua propagação, resultando num acúmulo de ondas no nariz do avião. Se o avião persistir com essa velocidade exata por algum tempo, à sua frente se formaria uma verdadeira muralha de ar, pois todas as ondas formadas ainda continuariam no mesmo lugar em relação ao avião. Esse fenômeno é conhecido como Barreira Sônica (ou barreira do som).

III. Vavião > Vsom (supersônica): Se o avião continuar a acelerar, ultrapassando a velocidade do som, ele estará deixando para trás as ondas de pressão que vai produzindo. Um avião só pode atingir velocidades supersônicas se, entre outras coisas, sua aceleração permitir uma passagem rápida pela velocidade de Mach 1, evitando a formação da Barreira Sônica. 


          Quando o ar em fluxo supersônico é comprimido, sua pressão e densidade aumentam, formando uma onda de choque (superposição de ondas sonoras). Em voo supersônico (com velocidades acima de Mach 1), o avião produz inúmeras ondas de choque, sendo mais intensas as que se originam no nariz do avião, nas partes dianteira e posterior das asas e na parte terminal da fuselagem. Inicialmente, existe um aumento instantâneo na pressão causada pelo choque do nariz. Após o choque inicial, a pressão diminui linearmente a um nível abaixo do normal. Então, outro choque ocorre da parte de trás da aeronave, o qual restaura a pressão ao seu valor normal. Essas são exatamente as duas ondas de choque ouvidas pelas pessoas no solo como um estrondo sônico após a passagem de um avião quebrando a barreira sônica.



           O nível da variação da pressão indica o quão alto será o estrondo que será percebido pelos observadores terrestres. Se o tempo entre as duas ondas de choque é muito curto, os observadores irão ouvir apenas um único estrondo, mas se o tempo entre as ondas de choque aumenta, os observadores mais provavelmente irão ouvir dois estrondos em rápida sucessão.  Um erro comum entre o público é achar que o estrondo sônico ocorre no momento em que a aeronave quebra a barreira sônica; na verdade, esse estrondo ocorre à medida que as ondas de choque se propagam ao longo do solo. 


          Durante a cobertura na televisão de foguetes espaciais aterrizando (onde as velocidades envolvidas são supersônicas), dois distintos estrondos sônicos podem ser ouvidos. Esses dois estrondos são separados exatamente pelo tempo que levaria para o foguete passar por um ponto. Observadores no solo frequentemente não veem a aeronave criando o estrondo sônico porque essa última já passou antes que as ondas de choque os alcancem. Se a aeronave voa em baixa altitude, pressões associadas ao estrondo sônico podem em alguns casos ser destrutivas e quebrar janelas e potencialmente ferir pessoas; soma-se a isso as perturbações sonoras causadas. Por esse motivo, voos supersônicos são hoje banidos de passar sobre áreas populadas (!). 

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(!) Existem inclusive pesquisas avançadas na Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço  (NASA) produzindo aeronaves supersônicas para uso comercial que não gerem estrondos supersônicos potencialmente destrutivos ou 'perturbadores'. Um exemplo é a aeronave X-59, a qual promete reduzir o estrondo sônico a um barulho pouco perceptível a nível do solo, ao modificar a produção das ondas de choque sobre sua superfície. Um vídeo da NASA sobre o projeto: X-59: Sonic Booms Explained

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          Nesse último ponto é interessante mencionar um incidente que ocorreu em julho de 2012 aqui no Brasil, quando dois caças Mirage 2000 da Aeronáutica fizeram um voo supersônico rasante na Esplanada dos Ministérios em Brasília, destruindo quase todos os vidros da fachada do Supremo Tribunal Federal (STF). O Mirage 2000 possui capacidade de alcançar uma velocidade próxima de Mach 2 (duas vezes a velocidade local do som). No vídeo abaixo é possível ver o registro do incidente, e de uma aeronave F-14 Tomcat produzindo um forte estrondo sônico durante um voo sobre área marinha.


            


          É importante realçar que a mudança na pressão do ar associada com um estrondo sônico é relativamente pequena - similar à mudança de pressão observada quando um elevador desce dois ou três andares. É a taxa dessa mudança - ou seja, a súbita mudança da pressão - que torna o estrondo sônico audível.

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          Existem vários fatores que podem influenciar a produção dos estrondos sonoros, incluindo o tamanho, a forma e a massa da aeronave ou veículo, altitude, caminho de voo, velocidade, e condições atmosféricas. Uma aeronave maior e mais pesada tende a deslocar mais ar, produzindo estrondos mais fortes e mais altos do que aqueles produzidos por aeronaves de menor porte. Quanto mais fina e longa a aeronave - independentemente do porte -, mais fracas as ondas de choque geradas. Em relação à altitude, quando mais alto a aeronave está na atmosfera, maior é a distância que as ondas de choque precisam percorrer até o solo, reduzindo a intensidade do estrondo sônico. Acima da velocidade de Mach 1,3, poucas mudanças ocorrem na força das ondas de choque produzidas.


REFERÊNCIAS

  1. Lucy V. C. Assali (2016). Som. USP, Física II - IO.
  2. https://www.nasa.gov/centers/armstrong/news/FactSheets/FS-016-DFRC.html
  3. Status of Sonic Boom Methodology and Understanding. Langley Research Center. NASA Conference Publication 3027, 1989. 
  4. https://pressbooks.online.ucf.edu/osuniversityphysics/chapter/17-8-shock-waves/
  5. Gierens et al. (2009). Aerodynamic Contrails: Phenomenology and Flow Physics. Journal of the Atmospheric Sciences, Pages 217-226. 
  6. https://www.scientificamerican.com/article/what-happens-when-an-airc/
  7. https://www.bbc.com/future/article/20160216-you-think-this-is-a-sonic-boom-its-not
  8. https://www2.fab.mil.br/musal/index.php/aeronaves-em-exposicao/55-avioes/335-f-2000