YouTube

Artigos Recentes

O que sabemos até o momento sobre os surtos atípicos de Mpox?

- Atualizado no dia 30 de novembro de 2022 -

          O vírus da varíola de macaco (monkeypox) (!) é um Orthopoxvirus, um gênero que inclui os vírus da varíola bovina e da varíola, esta última erradicada com a vacinação na década de 1980. Desde a erradicação da varíola, o monkeypox é o principal Orthopoxvirus afetando populações humanas. Descoberto em 1970 em um bebê manifestando sintomas similares à varíola na República Democrática do Congo, o monkeypox foi primeiro isolado a partir de lesões na pele de um macaco em um laboratório Dinamarquês em 1958 (daí o nome "varíola de macaco"). De transmissão tipicamente (mas não exclusivamente) zoonótica, a maioria dos casos de infecção humana ocorrem na África Central, apesar de serem incertos ainda os reservatórios naturais (principais suspeitos são roedores). 

------------

(!) ATUALIZAÇÃO: Em um esforço de combater desinformações, a Organização Mundial de Saúde endossou oficialmente a nomenclatura Mpox em substituição ao termo monkeypox. Mpox está agora incluído como atualização na Classificação Internacional de Doenças da OMS (ICD), especificamente ICD-10 e ICD-11, mudança efetivada em janeiro de 2023. Ref.46

------------

          O Mpox teve reemergência na Nigéria em 2017, após mais de 40 anos sem casos reportados no país. Desde então, mais de 450 casos foram reportados no território Nigeriano e pelo menos 8 casos conhecidos exportados internacionalmente.

          Antes de 2018, os únicos casos de infecção humana fora da África ocorreram nos EUA em 2003, um surto associado com roedores importados de Gana (47 casos confirmados), mas sem transmissão entre humanos. Nos últimos anos, o número de casos e alcance geográfico do Mpox tem aumentado, possivelmente por causa da gradual redução da imunidade contra a varíola a nível populacional (Ref.25). A vacina contra a varíola possui efetividade sugerida de 85% contra o Mpox, e imunidade residual de vacinação prévia substancialmente reduz a frequência e intensidade dos sinais clínicos e sintomas.

- Continua após o anúncio -


          Desde maio de 2022, na Europa e em outros países fora da África, um crescente surto atípico e pandêmico vem chamando a atenção do mundo, envolvendo transmissão de humano-para-humano. Até o momento, segundo a última atualização do Centro de Controle e Doenças dos EUA (CDC), são 90630 casos totais confirmados, com 88670 casos ocorrendo em pelo menos 108 países não-endêmicos (Ref.4). O país com maior número de casos confirmados é o EUA (30861); o país com o segundo maior número de casos confirmados é o Brasil (10967). Entre os países historicamente endêmicos, os dois países com maior quantidade de casos é a República Democrática do Congo (889) (!) e a Nigéria (843). Do total de casos, 161 mortes foram confirmadas, incluindo 54 nos EUA e 16 no Brasil.

          

         Em meio à crescente e preocupante disseminação da doença pelo mundo em 2022, a OMS declarou o Mpox como uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional. Porém, desde o final de 2022, a pandemia experienciou um robusto freio por causa de fatores incertos mas que podem incluir imunidade de rebanho, vacinação e mudanças de comportamento devido à maior conscientização da doença (Ref.51).

------------
(!) ATUALIZAÇÃO: A OMS alertou que a República Democrática do Congo está enfrentando o maior e mais letal surto de Mpox da história, com quase 13 mil casos suspeitos, incluindo 581 mortes suspeitas (taxa de fatalidade: 4,6%) (Ref.56). Entre os casos suspeitos, 1106 foram testados via RT-PCR, com 714 casos positivos para o MPXV (taxa de positividade: 65%). Além disso, evidências acumulados confirmaram que transmissão sexual está ocorrendo com o MPXV de Clado I - cepa responsável pelo surto no Congo -, assim como está sendo observado na pandemia global envolvendo o MPXV de Clado II - esse último bem menos letal do que o Clado I. Um recente estudo publicado no Emerging Infectious Diseases (Ref.57) concluiu que o Clado I está sendo transmitido entre homens que fazem sexo com outros homens e profissionais do sexo. Pesquisadores estão investigando possíveis mudanças genéticas que podem ter permitido ao vírus transmissão sexual. Especialistas estão agora recomendando que vacinas sejam usadas no país, pelo menos em grupos de risco.
-------------

          Existem centenas de milhões de doses da vacina contra a varíola ao redor do mundo, uma reserva contra possíveis ataques terroristas ou em guerra envolvendo liberação do vírus da varíola. Alguns países, incluindo o Reino Unido, Canadá e os EUA começaram a vacinar pessoas sabidas de terem sido expostas através de contato próximo com uma pessoa infectada (Ref.23). Porém, apesar dessas vacinas serem consideradas seguras e efetivas para o uso em pessoas com varíola, dados clínicos relativos a indivíduos com Mpox são limitados. 

          Existem dois principais tipos de vacinas contra a varíola hoje disponíveis: (i) vacinas de segunda geração, contendo poxvírus vivos que podem causar raros mas sérios efeitos colaterais devido ao fato das partículas virais serem capazes de se replicar nas células humanas; e (ii) vacinas de terceira geração, contendo poxvírus enfraquecidos sem capacidade de replicação, e associadas a poucos efeitos colaterais (!). Poxvírus é um vírus próximo-relacionado ao vírus da varíola, mas muito menos letal. Ambos (imunizantes de segunda e de terceira gerações) são reportadas de ser 85% efetivos contra a infecção com o Mpox, mas essa efetividade é suportada por dados clínicos limitados e oriundos de um único estudo observacional de 1988 (Ref.23). Um estudo mais recente publicado no The Lancet (Ref.54), analisando 37 homens homossexuais e bissexuais na Nigéria infectados com o Mpox, encontrou evidência de que infecções em indivíduos previamente vacinados contra a varíola são menos severas e de mais curta duração.

-----------

(!) ATUALIZAÇÃO: Uma recente e promissora vacina de Mpox foi reportada, no caso um imunizante inicialmente desenvolvimento como uma vacina de terceira geração contra a varíola. A MVA-BN é administrada pela via subcutânea. Estudo clínico publicado na Nature Medicine (Ref.50), avaliando a MVA-BN em 2054 indivíduos do sexo masculino, estimou efetividade de 86%. Idealmente, a vacina é administrada em duas doses, separadas por um intervalo de 4 semanas.

-----------

          Outra importante preocupação da comunidade científica relativa aos surtos atípicos fora da África é o potencial do vírus Mpox estabelecer novos reservatórios naturais fora das regiões endêmicas, já que é capaz de infectar um amplo espectro de mamíferos (Ref.24).


   1. Como se espalha?

          O período de incubação do vírus Mpox (ou MPXV) em humanos é em torno de 7-14 dias, e os pacientes são presumivelmente infecciosos a partir da manifestação de lesões cutâneas até a descamação 4 semanas mais tarde, porém existem evidências de que indivíduos assintomáticos são capazes de transmitir a doença (Ref.18, 36). Falha na detecção de infecções e atraso no isolamento de indivíduos infectados são fatores críticos fomentando a disseminação do vírus Mpox na atual pandemia (ou MPXV) (Ref.52).          

          Transmissão parece ocorrer principalmente via excreções salivares/respiratórias (normalmente envolvendo prolongado contato rosto a rosto e grandes gotículas) ou via contato com secreções de lesões. O vírus parece também se espalhar através de fluídos corporais. Os casos sendo reportados no atual surto pandêmico estão associados a contextos sexuais. Disseminação através de fezes e da placenta podem representar outra possível fonte de exposição. Na transmissão zoonótica, roedores e outros pequenos mamíferos são os vetores mais prováveis - mas transmissão via primatas infectados é possível e reportada (Ref.12).

          Apesar de não ser tradicionalmente descrita como uma infecção sexualmente transmissível (IST), o Mpox pode ser transmitido via contato direto durante o sexo, e as dinâmicas de infecção na atual pandemia são altamente consistentes com uma IST (1). Pode também ser passado através de outros cenários de contato próximo ou contato com roupas ou tecidos diversos usados por uma pessoa infectada com Mpox (!). Para citar um exemplo bem notável, em setembro de 2018 esse vírus foi comprovadamente transmitido de um paciente para um profissional de saúde no Reino Unido, provavelmente através das roupas de cama contaminadas; entre 134 potenciais contatos, 4 ficaram doentes dentro do período de incubação do vírus, mas todos se recuperaram (Ref.9).

------------

(!) Importante mencionar que um estudo publicado no periódico Eurosurveillance (Ref.28) confirmou significativa contaminação de materiais (toalhas, cobertores, cama, assentos de vaso sanitário, etc.) que tiveram contato próximo com pacientes hospitalizados e infectados pelo Mpox (até 105 cópias virais por cm2). Porém, os autores do estudo realçaram que não existe prova de que possa ocorrer infecção efetiva a partir de superfícies inanimadas contaminadas, como sugerido por estudos prévios. 

(1)  Um crescente acúmulo de evidências científicas sugerem que a transmissão sexual é o modo predominante de transmissão do vírus Mpox, especialmente entre indivíduos do sexo masculino (Ref.48). Nesse sentido, um estudo recente publicado no periódico Clinical Infectious Diseases (Ref.49), concluiu que o Mpox é uma infecção sexualmente transmissível (IST) e que a oficialização desse status ajudaria em intervenções públicas de saúde preventivas. Os autores do estudo realçaram: 

- que mais de 80% dos casos confirmados na Europa têm sido associados com atividade sexual;

- que alta carga de DNA viral do Mpox tem sido detectada no sêmen de indivíduos com a infecção e também em secreções de lesões nas regiões genitais; 

- estudos mostrando cultura efetiva de vírus Mpox a partir de amostras uretrais de pacientes infectados;

- que uma IST não caracteriza apenas infecções transmitidas pela via sexual.

Para fotos de lesões na genitália e no ânus de infectados, acesse aqui

------------


   2. Quais são os sintomas?

           Sintomas podem incluir febre, dor de cabeça, dores musculares, dor nas costas, nódulos linfáticos inchados, calafrios e exaustão. Tipicamente, um período de indisposição febril e acompanhado de dor de cabeça por 1-4 dias é seguido pelo desenvolvimento de lesões macular-papulares bem circunscritas, então vesiculares e, finalmente, cobertas por casca (Fig.2). As lesões persistem por cerca de 1-3 dias para cada um dos três estágios e progridem simultaneamente. Diferente da varíola, a linfadenopatia pode se desenvolver antes ou durante as lesões cutâneas, como mostrado na Fig.3. Os nódulos linfáticos inchados (maxilares, cervicais ou inguinais) podem ter de 1 a 4 cm de diâmetro (firmes, sensíveis ao toque e, às vezes, dolorosos). As lesões cutâneas podem causar intenso prurido (coceira). Mpox pode também exibir várias manifestações oftálmicas, com conjuntivite e edema sendo as mais comuns (aproximadamente >20% de pacientes afetados) (Ref.46).




 


          Frequentemente a febre diminui no dia ou até 3 dias após as lesões cutâneas iniciarem a manifestação. Comumente, as lesões primeiro aparecem no rosto e rapidamente emergem em uma distribuição centrífuga no corpo, incluindo a área genital. O número de lesões em um paciente pode variar de poucas até milhares. Lesões são frequentemente observadas na cavidade oral e podem causar dificuldade na hora de comer ou beber. Em 19% dos pacientes não-vacinados, infecções bacterianas secundárias podem ocorrer nas lesões, e a pele pode se tornar inchada, rígida e dolorosa até as cascas aparecerem. A ocorrência de um segundo período de febre ocorrendo quando as lesões na pele se tornam pustulares tem sido associado com deterioração da condição geral do paciente (Ref.10).

- Continua após o anúncio -


           Lesões cutâneas na área genital - e ao redor do ânus e da boca - estavam presentes em muitos dos casos na Europa envolvendo homens que tiveram relações sexuais com outros homens, mas transmissão pode potencialmente ocorrer a partir do contato com quaisquer lesões emitindo secreções e independentemente da orientação sexual. No atual surto Europeu, suspeita-se que o vírus foi introduzido a partir da África via múltiplas rotas, algumas delas coincidentes com comunidades gays (Ref.5-6). Em 2022, no Reino Unido, a Agência de Seguridade e Saúde (UKHSA) passou a oferecer a vacina contra a varíola (Imvanex) aos homens gays e bissexuais sob alto risco de exposição, com o objetivo de controlar o surto no território Britânico (Ref.27).

          Analisando 54 pacientes com infecção confirmada por Mpox no surto atípico no Reino Unido, um estudo publicado no The Lancet (Ref.29) encontrou que vários sintomas manifestados são substancialmente distintos daqueles em surtos típicos em regiões Africanas endêmicas, sugerindo uma mudança nas guias orientando profissionais de saúde sobre a doença. Os achados do estudo apontaram uma maior prevalência de lesões cutâneas nas áreas genital e anal, e menor prevalência de cansaço e de febre em relação a surtos prévios de varíola de macaco; 18% dos pacientes não reportaram quaisquer sintomas antes do aparecimento das lesões na pele. Os achados reforçaram que contato íntimo (pele-pele, mucosa-mucosa) durante relações sexuais parece ser uma importante rota de transmissão da doença.

           Outros sintomas distintos associados com os surtos atípicos incluem garganta inflamada, amígdalas inchadas, inchaço peniano e dor anal (Ref.34).

          Um estudo publicado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.32), analisando 528 casos de Mpox associados a surtos atípicos em 16 países, encontrou que, no geral, 98% das pessoas infectadas eram homens homossexuais ou bissexuais, 41% tinham o vírus HIV, e a idade média era de 38 anos. Desse total, 95% desenvolveram manifestações cutâneas (64% com menos de 10 lesões), 73% manifestaram lesões na região anal-genital (!) e 41% manifestaram lesões em mucosas (com 54 possuindo uma única lesão genital). Sintomas sistêmicos comuns precedendo as lesões incluíram febre (62%), letargia (41%), mialgia (31%) e dor de cabeça (27%) (!); linfadenopatia (inchaço dos gânglios linfáticos, como aqueles no pescoço, axilas e virilha) também foi comumente reportada (56%). Por motivos diversos (fortes dores até danos renais e miocardite), 13% dos pacientes precisaram ser hospitalizados, mas nenhuma morte foi reportada.

(!Para fotos das lesões, acesse: Lesões anal-genitais de infectados com varíola de macaco 

          Um estudo de revisão sistemática e meta-análise mais recente (Ref.55), analisando estudos publicados até setembro de 2022, encontrou que os sintomas mais comuns observados nos pacientes eram erupção cutânea (86%), calafrios (78%), febre (62%), linfadenopatia (57%), letargia ou exaustão (47%), prurido (41%), mialgia (36%), dor de cabeça (35%), úlcera cutânea (31%), manifestações abdominais (24%), faringite (23%), manifestações respiratórias (19,5%), náusea ou vômito (13%), edema escrotal ou peniano (11%), conjuntivite (7%) e morte (1%).

----------

> A varicela (ou catapora), doença causada pelo vírus zóster (VZV) na família Herpesviridae, é outra doença febril com manifestação de lesões cutâneas que é frequentemente confundida com a varíola de macaco, mas várias características distinguem as duas doenças. A varicela raramente possui um pródromo febril prolongado (1-2 dias caso presente) e a febre é geralmente leve durante essa fase. As lesões na varicela geralmente progridem de forma mais rápida do que no Mpox (e na varíola), e a apresentação das lesões pode ser bem diferente. Na varicela, lesões nas palmas das mãos ou solas dos pés são raras, mas podem ocorrer. Finalmente, a linfadenopatia específica da varíola de macaco, nesse contexto comparativo, é uma característica importante de diagnóstico diferencial. Diagnóstico é geralmente confirmado com teste de PCR (reação em cadeia da polimerase). 

> Diagnóstico para a varíola de macaco é geralmente confirmado com teste de PCR (reação em cadeia da polimerase), visando identificar o DNA do vírus.

------------

   (!) SINTOMAS NEUROLÓGICOS

          Estudos de revisão têm mostrado que infecção pelo vírus Mpox pode causar em raros casos complicações neurológicas como encefalite, confusão ou convulsões (Ref.40-42). Entre 1031 pacientes analisados em um desses estudos (Ref.40), 2% desenvolveram encefalite, uma condição séria de inflação cerebral que pode levar a deficiências de longo prazo. Já um estudo publicado pelo CDC Norte-Americano (Ref.42) reportou dois casos recentes de encefalomielite - inflamação do cérebro e da medula espinhal - associada ao monkeypox nos EUA (Colorado e Washington); ambos os casos eram de homens gays e jovens previamente saudáveis. Além disso, sintomas como dores musculares, fatiga, dor de cabeça, ansiedade e depressão são relativamente comuns entre os infectados. Ainda, porém, é incerto se esses sintomas persistem substancialmente por mais tempo do que a fase aguda da doença, e se a causa desses sintomas é uma neuroinvasão direta do vírus ou um processo imune secundário.

          Enquanto que sérias complicações neurológicas parecem ser raras com a infecção do monkeypox, à medida que os casos se multiplicam o número dessas complicações pode se tornar preocupante, e os sistemas de saúde precisam ficar atentos a isso. No Brasil, o número de casos confirmados já ultrapassou 7,2 mil; no mundo, está em torno de 64 mil.


   INFECÇÃO EM RECÉM-NASCIDO

          Em um estudo publicado recentemente no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.45), pesquisadores reportaram e descreveram infecção por Mpox - concomitante com adenovírus - em um recém-nascido de 10 dias de idade, com manifestação cutânea aos 9 dias de vida. As lesões cutâneas foram inicialmente vesiculares, iniciando nas palmas e solas e, subsequentemente, se espalhando para a face e o tronco, e gradualmente se tornando pustulares (Fig. A-D). Nove dias antes do nascimento, o pai desenvolveu febre e lesões cutâneas no corpo, as quais se resolveram antes do parto. Quatro dias após o parto, lesões similares se desenvolveram na mãe. A família vivia no Reino Unido, sem histórico de viagem ou contato com viajantes.


          O bebê teve que ser transferido para a UTI pediátrica aos 15 dias de vida, devido a uma progressiva falha respiratória hipoxêmica. Exame laboratorial confirmou infecção pelo Mpox clado IIb. A condição do paciente piorou e ventilação invasiva foi necessária. Após 4 semanas na UTI, 14 dias de ventilação invasiva e 2 semanas de antivirais combinados (tecovirimat e cidofovir), o bebê se recuperou e foi liberado.


   3. Mpox é letal e pode ser tratada?

          Complicações severas e sequelas são mais comuns entre indivíduos não-vacinados (74%) do que naqueles vacinados (39,5%) (Ref.10). Pacientes podem desenvolver distúrbios pulmonares ou broncopneumonia, frequentemente no curso mais avançado da doença, e sugestivo de infecção secundária dos pulmões. Vômito ou diarreia podem ocorrer pela segunda semana da doença e pode contribuir para desidratação severa. Encefalite e septicemia já foram reportadas. Infecções oculares podem ocorrer e podem resultar em cicatrizes córneas e perda de visão permanente. Cicatrizes pontuadas permanentes - secundárias a superinfecção bacteriana - são a sequela de longo prazo mais comum naqueles que sobrevivem à infecção. Nesse último ponto, taxa de mortalidade pode variar de 0% até 11% (Ref.11). Crianças, indivíduos HIV-positivos sem tratamento, e pacientes imunocomprometidos são os mais suscetíveis às formas mais severas da doença. 

          Em um estudo publicado no The Lancet (Ref.53) encontrou mortalidade de até 27% em indivíduos infectados com Mpox e com quadro avançado de HIV (forte imunossupressão).

          Existem dois principais clados do Mpox identificados: cepa da África Ocidental (WA) e a cepa da Bacia do Congo (CB) (!). A cepa CB está associada com maior morbidade, mortalidade e transmissão entre humanos. No atual surto na Europa, a cepa WA está envolvida, a qual possui uma taxa de mortalidade em torno de 3,6% (estimada a partir de estudos conduzidos nos países Africanos). Na ausência de fatores importantes de risco, e considerando o sistema de saúde dos países Europeus, a preocupação para o público em geral é considerada baixa pelos especialistas de saúde. A maioria das pessoas se recuperam dentro de semanas.

          Porém, alguns pesquisadores argumentam que as cepas sendo sequenciadas ao redor do mundo representam um distinto terceiro clado do vírus (hMPXV B.1), o qual pode também ter diferentes características de transmissão (Ref.25).

          O sequenciamento da cepa responsável pelo primeiro caso confirmado no Brasil foi feito em apenas 18 horas por pesquisadores do ViroClub, grupo criado no Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da USP (Ref.26). A amostra do DNA viral sequenciado foi coletada de um indivíduo de 41 anos do sexo masculino que havia recentemente viajado para a Espanha e Portugal. O sequenciamento mostrou que o genoma viral, de fato, era próximo-relacionado a sequências detectadas em Portugal, Alemanha, EUA e Espanha (hMPXV B.1). Foram identificadas 3 polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) - mutações em letras únicas da sequência de DNA - comparado ao genoma de referência: GA→AA (10118), TC→TT (15004) e GA→AA (169928).

-----------

(!) Para evitar estigmatização e melhor aproximar a nomemclatura dos dados genéticos acumulados, pesquisadores recentemente propuseram que a cepa CB seja classificada como MPXV Clado 1 e a WA como MPXV Clado 2 e 3. O atual surto fora das regiões endêmicas seria derivado do Clado 3, cuja cepa (MPXV humano, ou hMPXV) formaria um clado distinto (hMPXV B.1) (Ref.25).

> Pesquisadores da UFMG e da Fundação Ezequiel Dias (Funed) anunciaram, esta semana, a conclusão do isolamento e da microscopia eletrônica de uma amostra positiva de vírus Mpox, processo confirmado também por abordagem molecular (PCR) (Ref.31). O vírus foi isolado de um paciente em Minas Gerais, por integrantes do Laboratório de Vírus junto à equipe do Laboratório de Biossegurança Nível 3 (NB3). As imagens de microscopia eletrônica foram feitas pela equipe do Centro de Microscopia da UFMG, em conjunto com o professor Jônatas Abrahão.

Imagem microscópica de partículas virais do monkeypox isolados pela UFMG e pela Funed.

> A FioCruz também liberou imagens por microscopia eletrônica de transmissão (40 mil vezes de ampliação) de partículas virais da cepa Mpox responsável pelos surtos atípicos, no caso infectando células de linhagem Vero em ensaios in vitro (laboratório de biossegurança nível 3 - NBA3 - do IOC/FioCruz) (Ref.37). Em (a), partículas virais se multiplicando no interior celular; em (b), imagem ampliada destacando as partículas virais. Estima-se que o vírus possua em média 300 nanômetros de extensão, cerca de 300 vezes menor do que a célula infectada. 

-----------

- Continua após o anúncio -


           Apesar de não existir tratamentos específicos para o Mpox, a vacina contra a varíola (85% efetiva na prevenção à infecção com monkeypox) e os antivirais cidofovir e tecovirimat podem ser usados para controlar surtos; no caso do tecovirimat, evidência de eficácia é baseada em estudos com animais não-humanos e visando a varíola (Ref.35-39). No atual surto Europeu, o governo do Reino Unido já anunciou a compra de milhares de doses de vacina e já começou a aplicá-las nos contatos próximos das pessoas infectadas.


   4. Quais são as recomendações imediatas?

          Qualquer pessoa manifestando sintomas indicativos de Mpox deve procurar um hospital e se abster de atividades sexuais ou de qualquer outro tipo de atividade envolvendo contato próximo até o diagnóstico da doença ser excluído ou a infecção ser resolvida. Casos suspeitos devem ser isolados, testados e notificados imediatamente. Rastreamento de casos deve ser iniciado e animais domésticos mamíferos expostos devem ser colocados sob quarentena. Caso vacina contra a varíola esteja disponível no país afetado, a vacinação de contatos próximos deve ser considerada após balanço de riscos e benefícios. Para casos severos da doença, tratamento com um antiviral adequado pode ser considerado, caso disponível no país.


REFERÊNCIAS

  1. https://www.who.int/news/item/20-05-2022-who-working-closely-with-countries-responding-to-monkeypox
  2. https://www.bmj.com/content/377/bmj.o1274
  3. https://www.ecdc.europa.eu/en/news-events/epidemiological-update-monkeypox-multi-country-outbreak
  4. https://www.cdc.gov/poxvirus/monkeypox/response/2022/world-map.html
  5. https://www.science.org/content/article/monkeypox-outbreak-questions-intensify-cases-soar
  6. https://www.nature.com/articles/d41586-022-01421-8
  7. https://www.aa.com.tr/en/africa/monkeypox-kills-58-infects-over-1-200-in-dr-congo-since-january-who/2593348
  8. https://www.who.int/emergencies/disease-outbreak-news/item/2022-DON390
  9. Vaughan et al. (2020). Human-to-Human Transmission of Monkeypox Virus, United Kingdom, October 2018. Emerging infectious diseases, 26(4), 782–785. https://doi.org/10.3201/eid2604.191164
  10. McCollum & Damon (2014). Human Monkeypox. Clinical Infectious Diseases, Volume 58, Issue 2, 15, Pages 260–267. https://doi.org/10.1093/cid/cit703
  11. Beer & Rao (2019). A systematic review of the epidemiology of human monkeypox outbreaks and implications for outbreak strategy. PLoS Neglected Trpical Diseases 13(10): e0007791. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0007791
  12. McCollum et al.(2015). Human Monkeypox in the Kivus, a Conflict Region of the Democratic Republic of the Congo. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, 93(4), 718–721. https://doi.org/10.4269/ajtmh.15-0095
  13. https://www.bbc.com/news/health-61540474
  14. https://www.bbc.com/news/live/health-61552254
  15. Bunge et al. (2022). The changing epidemiology of human monkeypox—A potential threat? A systematic review. PLoS Negl Trop Dis 16(2): e0010141. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0010141
  16. Mauldin et al. (2020). Exportation of Monkeypox Virus From the African Continent. The Journal of Infectious Diseases, Volume 225, Issue 8, 15 April 2022, Pages 1367–1376, https://doi.org/10.1093/infdis/jiaa559
  17. https://www.gov.uk/government/publications/monkeypox-outbreak-epidemiological-overview
  18. Adler et al. (2022). Clinical features and management of human monkeypox: a retrospective observational study in the UK. The Lancet Infectious Diseases. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(22)00228-6
  19. https://www.gov.br/saude/pt-br
  20. Vivancos et al. (2022). Community transmission of monkeypox in the United Kingdom, April-May 2022. Euro Surveill, 27(22):pii=2200422. https://doi.org/10.2807/1560-7917.ES.2022.27.22.2200422 
  21. Antinori et al. (2022). Epidemiological, clinical and virological characteristics of four cases of monkeypox support transmission through sexual contact, Italy. Euro Surveillance, 27(22):pii=2200421. https://doi.org/10.2807/1560-7917.ES.2022.27.22.2200421
  22. https://www.cdc.gov/poxvirus/monkeypox/response/2022/index.html
  23. https://www.nature.com/articles/d41586-022-01587-1
  24. https://www.science.org/content/article/concern-grows-human-monkeypox-outbreak-will-establish-virus-animals-outside-africa
  25. https://virological.org/t/urgent-need-for-a-non-discriminatory-and-non-stigmatizing-nomenclature-for-monkeypox-virus/853
  26. https://virological.org/t/first-monkeypox-virus-genome-sequence-from-brazil/850
  27. https://www.bmj.com/content/377/bmj.o1542
  28. Dominik et al. (2022). Evidence of surface contamination in hospital rooms occupied by patients infected with monkeypox, Germany, June 2022. Euro Surveillance; 27(26):pii=2200477. https://doi.org/10.2807/1560-7917.ES.2022.27.26.2200477
  29. Girometti et al. (2022). Demographic and clinical characteristics of confirmed human monkeypox virus cases in individuals attending a sexual health centre in London, UK: an observational analysis. The Lancet Infectious Diseases.  https://doi.org/10.1016/S1473-3099(22)00411-X
  30. Peiró-Mestres et al. (2022). Frequent detection of monkeypox virus DNA in saliva, semen, and other clinical samples from 12 patients, Barcelona, Spain, May to June 2022. Eurosurveillance,  Volume 27, Issue 28. https://doi.org/10.2807/1560-7917.ES.2022.27.28.2200503 
  31. https://ufmg.br/comunicacao/noticias/ufmg-e-funed-isolam-virus-da-variola-dos-macacos-em-minas-gerais
  32. Thornhill et al. (2022). Monkeypox Virus Infection in Humans across 16 Countries — April–June 2022. The New England Journal of Medicine. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2207323
  33. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/brasil-tem-segunda-morte-por-variola-dos-macacos-vitima-estava-internada-no-rj/
  34. http://dx.doi.org/10.1136/bmj%E2%80%912022-072410 (The BMJ)
  35. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp2210125
  36. Ferré et al. (2022). Detection of Monkeypox Virus in Anorectal Swabs From Asymptomatic Men Who Have Sex With Men in a Sexually Transmitted Infection Screening Program in Paris, France. Annals of Internal Medicine. https://doi.org/10.7326/M22-2183
  37. https://agencia.fiocruz.br/fiocruz-isola-o-virus-monkeypox-e-registra-sua-estrutura-detalhada
  38. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/brasil-tem-77-casos-de-monkeypox-em-criancas-e-adolescentes-conheca-os-riscos/
  39. https://www.nature.com/articles/d41586-022-02245-2
  40. Badenoch et al. (2022). Neurological and psychiatric presentations associated with human monkeypox virus infection: A systematic review and meta-analysis. eClinicalMedicine, 101644. https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2022.101644
  41. Pastula et al. (2022). Two Cases of Monkeypox-Associated Encephalomyelitis — Colorado and the District of Columbia, July–August 2022. Morbidity and Mortality Weekly Report, 71(38);1212–1215. http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.mm7138e1
  42. Billioux et al. (2022). Neurologic Complications of Smallpox and Monkeypox. JAMA Neurology. https://doi.org/10.1001/jamaneurol.2022.3491
  43. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2022-10/sp-registra-primeira-morte-por-variola-dos-macacos
  44. https://www.agazeta.com.br/colunas/ethel-maciel/monkeypox-sexta-morte-no-brasil-acende-o-alerta-para-a-prevencao-1022
  45. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc2210828
  46. Ulaeto et al. (2023). New nomenclature for mpox (monkeypox) and monkeypox virus clades. The Lancet Infectious Diseases, Volume 23, Issue 3, P273-275. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(23)00055-5
  47. Abdelaal et al. (2023). Ophthalmic manifestations of monkeypox virus. Eye 37, 383–385. https://doi.org/10.1038/s41433-022-02195-z
  48. Zhang et al. (2023). Transmission dynamics and effect of control measures on the 2022 outbreak of mpox among gay, bisexual, and other men who have sex with men in England: a mathematical modelling study. The Lancet Infectious Diseases. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(23)00451-6
  49. Allan-Blitz et al. (2023). A Position Statement on Mpox as a Sexually Transmitted Disease, Clinical Infectious Diseases, Volume 76, Issue 8, Pages 1508–1512. https://doi.org/10.1093/cid/ciac960
  50. Sagy et al. (2023). Real-world effectiveness of a single dose of mpox vaccine in males. Nature Medicine 29, 748–752. https://doi.org/10.1038/s41591-023-02229-3
  51. Kirby, T. (2023). "What happened to the mpox pandemic?" The Lancet, Volume 402, Issue 10406, P949-950. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(23)01956-6
  52. Thieme et al. (2023). A deep-learning algorithm to classify skin lesions from mpox virus infection. Nature Medicine 29, 738–747. https://doi.org/10.1038/s41591-023-02225-7
  53. Mitjà et al. (2023). Mpox in people with advanced HIV infection: a global case series. The Lancet, Volume 401, Issue 10380, P939-949. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(23)00273-8
  54. Hazra et al. (2023). Mpox in people with past infection or a complete vaccination course: a global case series. The Lancet Infectious Diseases. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(23)00492-9
  55. Yon et al. (2023). Clinical manifestations of human Mpox infection: A systematic review and meta-analysis. Reviews in Medical Virology, Volume 33, Issue 4, e2446. https://doi.org/10.1002/rmv.2446
  56. https://www.who.int/emergencies/disease-outbreak-news/item/2023-DON493
  57. Kibungu et al. (2023). Clade I–Associated Mpox Cases Associated with Sexual Contact, the Democratic Republic of the Congo. Emerging Infectious Diseases, Volume 30, Number 1. https://doi.org/10.3201/eid3001.231164