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O que é a Síndrome do Pênis Perdido?

 

          A síndrome do pênis perdido (SPP) é um termo frequentemente usado em um contexto não-clínico para descrever a percepção subjetiva da perda de sensações cutâneas e proprioceptivas do órgão genital masculino durante a penetração vaginal. Frequentemente a SPP é reportada junto com outras disfunções sexuais, especialmente ejaculação atrasada, ausência de ejaculação, anorgasmia masculina e inabilidade de manter uma ereção consistente. E apesar de representar uma condição comum em clínicas de saúde sexual, essa síndrome não tinha sido ainda descrita na literatura médica. Nesse sentido, um estudo publicado no periódico Sexual Medicine Reviews (Ref.1) reportou a primeira descrição científica da síndrome, encontrando quatro subtipos e promissoras intervenções terapêuticas.

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   SÍNDROME DO PÊNIS PERDIDO

          É comum ouvir expressões populares fazendo referência a mulheres com "vaginas muito largas", onde, aparentemente, o pênis entra sem quase nenhuma resistência. Frequentemente essas alegações são associadas a mulheres que passaram pelo processo natural de gravidez ou mesmo mulheres que praticaram muita atividade sexual ao longo da vida (ou mulheres mais 'maduras'). Essa falta de resistência, contudo, pode não ser necessariamente devido à anatomia da genitália feminina e, sim, a uma perda de sensibilidade peniana com causas multifatoriais. Essa perda da estimulação tátil peniana significa,  pelo menos inicialmente, "perder" a sensação da própria genitália; o pênis em si se torna, literalmente, "perdido", como o nome 'síndrome do pênis perdido' infere. 

          A falta de sensação sendo manifestada no pênis não ocorre somente devido a razões mecânicas e/ou físicas, mas também potencialmente devido a uma espécie de cegueira "psíquica". Como resultado desse fenômeno, manter a ereção, adequada satisfação sexual e orgasmo durante a interação vaginal são frequentemente impossibilitados.

          O uso popular do termo "pênis perdido" - por exemplo, em fóruns de debate na internet - é tipicamente usado ara descrever a penetração de uma vagina ou que é naturalmente mais ajustável a volumes inseridos ou alargada devido a músculos do assoalho pélvico enfraquecidos, ou mesmo de uma vagina hiper-lubrificada, e também indica a reação do homem (sexo masculino) a esse evento (ex.: perda de ereção e de excitação sexual).

           Aliás, o termo 'síndrome do pênis perdido' parece ter sido primeiro usado na literatura acadêmica em um estudo publicado em 1989 no periódico Plastic Surgery in the Sexually Handicapped (Ref.2), alertando justamente contra essa generalização de que a condição seria uma questão apenas anatômica ou fisiológica (dimensões da vagina e/ou do pênis, lubrificação vaginal, disfunções musculares), realçando que intervenções cirúrgicas (ex.: "rejuvenescimento vaginal") ou terapêuticas nesse sentido só deviam ser consideradas após uma abrangente avaliação, incluindo descarte de possíveis fatores psicológicos.

          O conceito de 'pênis perdido' foi também explorado em um estudo publicado em 2015 (Ref.3) explorando uma desordem chamada de ejaculação atrasada, cuja prevalência varia de 1% (condição congênita) a 4% (condição adquirida) nos homens sexualmente ativos, frequentemente correlacionada com dificuldade ou ausência de orgasmo (anorgasmia). Tanto a ejaculação atrasada quanto a anorgasmia são associadas com baixa excitação psicossexual, portanto suspeita-se que a perda de sensação peniana possa engatilhar a desordem. É reportado que a anorgasmia afeta 20% dos homens e 34% das mulheres com mais de 57 anos de idade, e em torno de 70% dos afetados a condição causa significativo incômodo (Ref.1).


   ANATOMIA E FISIOLOGIA DO COITO

          Um eficiente processo de ereção permite que o órgão masculino seja preenchido com sangue e endurecer o suficiente para sustentar penetração e movimento de coito, mesmo sem a ajuda da bácula, o osso peniano que suporta mecanicamente a ereção na grande maioria dos mamíferos (1). Já no outro lado, a lubrificação vaginal permite movimentos de coito indolores. A média do tempo de latência ejaculatória intravaginal, ou duração do movimento peniano dentro da vagina, é em torno de 5 minutos, após o qual a contínua estimulação mecânica dos nervos sensoriais terminas localizados na pele peniana, prepúcio e glande, alcançam um certo limite, um assim chamado "ponto de não retorno" além do qual orgasmo e ejaculação são engatilhados.

(1) Leitura recomendada: Por que perdemos o osso do pênis?

          A pele peniana é rica em receptores sensoriais: a maioria deles é representada por terminações nervosas livres, as quais são responsáveis por fornecer sensações protopáticas, e estão primariamente localizadas na glande do pênis. Paralelamente, mecanorreceptores mais especializados e sensíveis (ex.: corpúsculos de Meissner, corpúsculos de Paciniano, bulbos genitais, corpúsculos de Krause e corpúsculos de Ruffini) estão localizados no prepúcio, a zona erógena primária do pênis humano. O estímulo canalizado por esses receptores incluem características de textura, térmicas e friccionais entre superfícies, e ótima sensibilidade peniana é necessária para completar o ato sexual. Em específico, é a prazerosa "fricção" da pele peniana contra a mucosa vaginal lubrificada, associada com excitação sexual, que aumenta a excitação seguindo a penetração e, ultimamente, a experiência masculina do orgasmo.

          Além disso, durante o coito, a vagina é um canal responsivo e ativo, com variações de pressão ao longo da sua extensão e atividade muscular contrátil que ajudam a manter essa fricção.

          Nesse sentido, todos esses três fatores - ereção masculina, lubrificação feminina e contrações vaginais - são necessárias para uma estimulação peniana satisfatória. Somando-se a isso, variações na sensibilidade peniana podem contribuir nesse sentido. Na ausência de qualquer um desses fatores, fricção adequada e, portanto, estimulação tátil, não ocorre, possivelmente respondendo por uma das causas da SPP.


   TAMANHO PENIANO, E SENSIBILIDADE CENTRAL E PERIFÉRICA

          Estudos clínicos acumulados consistentemente mostram que o tamanho médio do pênis masculino é em torno de 13 cm (ereto) e de 8-10 cm (flácido), e com uma circunferência (ereto) de 11-12 cm (2). Independentemente disso, preocupação com o tamanho peniano afeta muito mais os próprios homens do que as mulheres. E, apesar de crença contrária, as dimensões penianas são um fator relativamente desimportante durante o coito em termos de fricção, já que a parede da musculatura vaginal contrai para se ajustar ao pênis inserido, pelo menos considerando uma vagina jovem e saudável.

(2) Leitura recomendada: Técnicas de aumento peniano: fato ou ilusão?

           Excetuando-se casos de micropênis (pênis realmente pequenos em relação a parâmetros médicos), não é provável que pênis normais de menor porte levem a uma redução significativa ou total da fricção com a vagina durante o coito e, consequentemente, a um quadro de síndrome do pênis perdido. No entanto, desproporções anatômicas ou dificuldade de ereção ainda podem ser uma causa nesse sentido. Portanto, condições orgânicas como diabetes, vasculopatia, deficiência em testosterona, neuropatia periférica, lesão na medula espinhal, entre outros, devem ser sempre excluídas primeiro, e adequadamente adereçadas com terapia. 

          E mais, uma vez, é necessário avaliar a integridade da sensibilidade peniana, já que os sintomas da síndrome podem ter origem de uma perda de sensações cutâneas. O aparato sensorial das estruturas penianas se originam dos segmentos S2-S4 da medula espinhal, os quais levam à emergência do nervo pudendo, que ultimamente se divide em três ramificações terminais: o nervo retal inferior, o nervo perineal, e o nervo dorsal do pênis. Enquanto as fibras sensoriais do nervo perineal são distribuídas ao longo da área escrotal e ventral peniana, o nervo dorsal do pênis fornece inervação para a glande e a pele peniana, enquanto a raiz peniana é suprida também pelo nervo ilioiguinal 

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> Existe evidência de que a inervação genital masculina pode ser fornecida também por uma segunda inervação (provavelmente o nervo pélvico), devido ao fato de que pressões mais profundas sobre o pênis ativam uma região do córtex sensorial diferente daquela ativada por pressão leve.

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          Portanto, distúrbios sensoriais podem ser causados por neuropatias (ex.: diabética), lesões traumáticas penianas e lesões na medula espinhal. O distúrbio é relacionado ao grau e à localização da lesão, no entanto, à medida que os nervos genitais aferentes estão localizados no nível sacral da medula espinhal, quase todas as lesões supra-sacrais completas na medula espinhal e uma considerável parte das lesões incompletas causam graus variados de distúrbios genitais sensoriais. Nesses pacientes, a satisfação sexual é reduzida, assim como o interesse em relações sexuais com coito.


          Finalmente, existe evidência científica de que mudanças associadas com o avanço da idade ocorrem tanto nos receptores autonômicos que favorecem a ereção peniana quanto nos receptores táteis que contribuem para manter a ereção e engatilhar a ejaculação. Limites sensoriais mínimos para adultos mais jovens são significativamente menores quando comparado com adultos de idade mais avançada e diabéticos. Redução natural da sensibilidade peniana pode, portanto, também representar um fator de risco para a síndrome do pênis perdido.

          Nesse sentido, perda de sensação peniana durante o coito demanda análise da integridade do aparato sensorial e de sensibilidade periférica ao nível do pênis.


   CONTRAÇÃO VAGINAL

          O canal vaginal possui 2 camadas de músculos lisos, longitudinais e circulares, os quais estão sob controle do sistema nervoso autonômico e, portanto, não podem ser conscientemente ativados. Contração dos músculos longitudinais encurtam e alargam a vagina, enquanto contração dos músculos circulares constringem a vagina. Já por outro lado, controle voluntário sobre os músculos estriados voluntários varia enormemente em diferentes mulheres, assim como o tamanho e o poder desses músculos. Músculos estriados da vagina pode ser divididos em 3 grupos: 

- o primeiro e mais superficial (músculos bulbocavernosos e isquiocavernosos) ao redor do introito vaginal e pode ser contraído voluntariamente; 

- o segundo grupo (músculos transversais perineais profundos e superficiais) suporta o períneo e correm das tuberosidades isquiais até o corpo perineal por trás da vagina; 

- o terceiro grupo consiste principalmente do levantador do ânus, uma coleção de músculos (pubococcígeo, iliococcígeo) formando o "diafragma pélvico ao longo da região anterior da pélvis"


          O aumento do tônus muscular dos músculos estriados da vagina, através de exercícios fisioterápicos visando o assoalho pélvico, não apenas é usado no tratamento de incontinência urinária, mas também é reportado de melhorar a satisfação sexual para o homem e para a mulher durante o coito. Em repouso, a pressão intravaginal é de 5 mmHg, e, sob contração adequada da musculatura pélvica, esse valor alcança 15 mmHg. Durante a penetração peniana, as contrações musculares são bem dinâmicas, com distintos reflexos musculares ocorrendo em resposta à excitação sexual e à pressão intravaginal variável, aparentemente com funções reprodutivas e de prazer.

          Distúrbios nesses reflexos musculares podem dificultar uma atividade sexual adequada. Quando a vagina contrai muito, penetração pode se tornar dolorosa, ou mesmo impossibilitada (!). Nesse extremo, um quadro de dispareunia (dor na relação sexual) ou de vaginismo pode se desenvolver. Já na situação oposta, a contração muscular pode não ser eficiente, gerando potencial perda de adequada estimulação peniana e de satisfação da mulher. Isso pode ocorrer, por exemplo, após parto natural (nascimento pelo canal vaginal) ou outros eventos traumáticos que podem afetar o sistema de suporte vaginal, tornando os músculos vaginais enfraquecidos. Avanço da idade, hipoestrogenismo pós-menopausa e certas condições associados com problemas na produção de colágeno (ex.: Síndromes de Marfan e Ehlers-Danlos) podem também enfraquecer a musculatura vaginal.

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(!) Aliás, é sugerido que grande parte do sangramento que frequentemente ocorre durante o primeiro ato sexual com penetração peniana ("perda da virgindade") de muitas mulheres ocorre por esse motivo (tensionamento excessivo dos músculos pélvicos fomentado por grande ansiedade). Para mais informações, sugestão de leitura: Toda mulher sangra quando "perde a virgindade"?

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          No cenário de insuficiente contração muscular, é comum mulheres procurarem por procedimentos de rejuvenescimento vaginal (vaginoplastia) após o primeiro parto, preocupadas com os potenciais efeitos negativos do alargamento vaginal na satisfação sexual do casal. Existe evidência de efeitos positivos desse procedimento em mulheres reclamando de fraqueza muscular e redução de sensibilidade na região vaginal.

          Portanto, em homens com SPP, disfunções nos reflexos musculares da vagina podem ser um fator causal que deve ser levado em conta, apesar desse cenário não ser uma regra para esse tipo de problema como popularmente é pensado.


   LUBRIFICAÇÃO VAGINAL

           A lubrificação vaginal é crucial no ato sexual com penetração. Na sua ausência, penetração se torna frequentemente dolorosa e difícil, às vezes impossibilitada. Quando presente, pode também reduzir a quantidade de pressão necessária para a penetração, facilitando em especial a entrada de um pênis com rigidez inadequada.

          A mucosa vaginal é rica em vasos sanguíneos que contribuem para a difusão de fluídos através da mucosa, assegurando a lubrificação basal da vagina. Seguindo a estimulação nervosa que ocorre durante a excitação sexual, um aumento no fluxo sanguíneo resulta em um aumento da pressão ortostática nos capilares sanguíneos na lâmina própria da mucosa vaginal, levando à lubrificação vaginal. Esse fenômeno geralmente ocorre dentro de alguns poucos segundos a partir do estímulo sexual e é sentido como uma "sensação de molhado" pela mulher sexualmente excitada, devido às secreções no interior vaginal e nos pequenos lábios. 

          Nesse contexto, hiper-lubrificação da vagina pode ser um fator contribuinte para a perda de sensação peniana. Isso pode acontecer naturalmente através de excitação psicológica feminina, artificialmente pelo uso excessivo de lubrificante, ou patologicamente por secreção excessiva em casos de cervicite crônica (inflamação e irritação do colo do útero causada por agentes patogênicos diversos, incluindo vírus, bactérias, e fatores mecânicos ou químicos de irritação). Fluídos excessivos na vagina podem também ocorrer em casos de incontinência urinária, um problema comum e incômodo afetando 11-26% das mulheres com mais de 40 anos de idade. Liberação involuntária de urina já foi reportada de ocorrer durante o coito em ~54% das mulheres com incontinência urinária (3).

(3) Leitura recomendadaQuais as causas, prevalência e fatores de risco para a incontinência urinária?

          Outra potencial causa para um excesso de fluídos na vagina e excessiva lubrificação vaginal é a ocorrência da ejaculação feminina, uma liberação de fluídos da "próstata feminina" (glândulas de Skene) associada com o orgasmo feminino (4).

(4) Leitura recomendadaTrês mitos esclarecidos: Ciclo menstrual de 28 dias, corrida dos espermatozoides e exclusividade masculina da próstata


   COUPLEPAUSE (ANDRO- E MENOPAUSA)

          A partir da meia-idade, homens e mulheres experienciam mudanças que podem afetar a saúde sexual e o relacionamento mútuo de ambos. Essa condição, casal-orientada, tem sido definida como couplepause (couple = casal; pause = pausa). 

          Com o avanço da idade, os homens geralmente experienciam um gradual declínio nos níveis de testosterona, um fenômeno popularmente chamado de andropausa e, tecnicamente, de hipogonadismo de início tardio. Além disso, disfunção erétil possui alta correlação com o avanço da idade, com prevalência variando entre 37% e 70% em homem com 70 anos ou mais de idade. Doenças crônicas, especialmente endócrinas e cardiovasculares, são altamente prevalentes nos homens com idades avançadas e, assim como os medicamentos usados para tratar essas condições (ex.: bloqueadores-beta), negativamente impactam as funções eréteis. E independentemente de causas patológicas, o avanço da idade em si está associado com alterações nas respostas a estímulos sexuais, incluindo na estrutura peniana (ex.: redução de receptores ß-2 pró-ereção). 

           De forma similar, e mais conhecida pelo público, as mulheres passam por uma fase precoce de exaustão ovariana que causa deficiência em estrógenos, uma condição conhecida como menopausa, e com 50% das mulheres na menopausa experienciando a síndrome genital-urinária da menopausa. De fato, estrógenos exercem uma ação permissiva sobre o peptídeo vasointestinal, o mais importante neurotransmissor vaginal o qual aumenta o fluxo sanguíneo para a vagina e resulta em lubrificação. Portanto, deficiência estrogênica nas mulheres em pós-menopausa causa secura vaginal, irritação/coceira, lubrificação inadequada e dispareunia. Concomitantemente, alguns mulheres também acabam desenvolvendo síndrome de deficiência androgênica, com subsequente impacto não apenas na libido (5) como também na lubrificação, devido à ação permissiva de andrógenos sobre o óxido nítrico (NO) expresso no tecido vaginal. A hipolubrificação pode tornar a penetração ainda mais difícil para o homem de idade mais avançada, podendo piorar uma situação pré-existente subclínica ou observável de disfunção erétil.

(5) Leitura recomendadaTerapia de testosterona é efetiva para tratar baixa libido na mulher?

          Nesse sentido, para casais com idade mais avançada, a SPP pode ser experienciada por vários motivos:

(i) Devido a problemas anatômicos: com o avanço da idade, o pênis se torna menor e/ou incapaz de alcançar uma completa ereção, enquanto a vagina está mais alargada e/ou flácida, incapaz de contrair e se ajustar ao tamanho do pênis;

(ii) Como já mencionado, mulheres na pós-menopausa podem também experienciar incontinência urinária no coito. Homens também podem também manifestar incontinência urinária no orgasmo (climatúria), geralmente após o procedimento de prostatectomia radical (3). Isso pode afetar a atividade sexual psicologicamente e através de hiper-lubrificação, prejudicando a fricção pênis-vaginal e possivelmente levando a um quadro de síndrome do pênis perdido.

(iii) Uso de lubrificantes e de hidratantes em excesso para o tratamento tradicional da síndrome genital-urinária da menopausa, o qual pode também levar a uma hiper-lubrificação. 

(iv) Finalmente, quando ambos os membros do casal são relutantes em conversar sobre as dificuldades íntimas enfrentadas, ansiedade pode se desenvolver e engatilhar fenômenos psicológicos que estão frequentemente associados com a síndrome do pênis perdido.


   PATOLOGIAS ENDÓCRINAS 

           Vários transtornos orgânicos, afetando excitamento sexual e orgasmo, podem potencialmente, mesmo que indiretamente, causar uma perda de sensação peniana durante a penetração vaginal. Um exemplo é a hiperprolactinemia, a qual frequentemente ocorre de forma secundária a tumores benignos na hipófise (prolactinomas) e estados hipogonadais e de hipotireoidismo. A prolactina está de certa forma envolvida na regulação do reflexo ejaculatório, e a hiperprolactinemia e o hipotireoidismo estão, de fato, ligados à manifestação de ejaculação atrasada.

          Andrógenos atuam de forma central e periférica no excitamento sexual e no reflexo de ejaculação, e, de fato, existe uma maior taxa de problemas ejaculatórios em homens com hipogonadismo. Esses sintomas são frequentemente resolvidos com tratamentos de restauração dos níveis de testosterona. No geral, andrógenos possuem uma extensiva influência sobre o comportamento sexual nos homens, à medida que receptores androgênicos são altamente expressos a nível do sistema nervoso central em várias áreas conectadas ao reflexo ejaculatório, como a amígdala mediana e o tálamo posterior.


   MASTURBAÇÃO IDIOSSINCRÁTICA 

          Como já mencionado, ejaculação atrasada e anorgasmia são prováveis de ocorrer com a SPP, com múltiplos fatores orgânicos contribuindo para essas patogêneses. Essas duas condições estão também correlacionadas com hábitos de masturbação idiossincrática, definidos como um método de masturbação que não pode ser facilmente duplicado pelas mãos do parceiro sexual ou pela penetração vaginal. Características típicas desse padrão masturbatório são um aumento de velocidade, pressão e duração, e uma anômala postura ou posição postural, os quais podem implicar em atraso ejaculatório ou mesmo em ausência de orgasmo no ato de coito. Quando tais padrões masturbatórios são repetidos por um longo tempo, esses se tornam uma resposta neurológica profundamente estabelecida, resistente a mudanças. Além disso, masturbação enquanto assistindo a vídeos pornográficos pode agravar essa tendência, possivelmente devido a uma adaptação a conteúdos que geralmente se desviam do padrão encontrado em um típico ato sexual com um parceiro amoroso. 

          É possível, portanto, que a SPP ocorra em pacientes que realizam intensa e compulsiva masturbação, os quais acabam encontrando dificuldade de se adaptar a estímulos penianos durante a penetração vaginal.


   CONDIÇÕES PSICOPATOLÓGICAS

           Além dos fatores de risco anatômicos e funcionais, a sensação de um "pênis perdido" pode ser atribuível a várias condições psicopatológicas, incluindo transtornos de ansiedade. Por exemplo, homens podem carregar um grande medo de terem filhos, o que os induz a atrasar a ejaculação, até eventualmente inexistir ejaculação (anejaculação intravaginal psicológica). Certas fobias associadas à vagina e ligadas a contextos socioculturais específicos podem também representar um fator causal. No mito Freudiano da "vagina dentata" (Latim para "vagina com dentes") o homem possui um medo de ser emasculado pela parceira durante a penetração, e a fobia associada a esse extremo e irracional medo de perder o pênis na vagina pode reduzir sensações produzidas pelo pênis durante a penetração. Apesar do status de 'mito', existe uma curiosa síndrome - manifestada inclusive na forma de epidemias - chamada de Koro, onde o indivíduo afetado passa fortemente a acreditar que seu pênis está retraindo e que, ultimamente, irá desaparecer, com isso então levando à morte (6). Quando o coito é considerado um risco e a penetração é perturbadora, a reação psico-neuroendócrina de "luta ou fuga", caracterizando uma massiva ativação adrenérgica, pode reduzir sensações genitais e o fluxo sanguíneo para o corpo cavernoso, inibindo a ereção e exacerbando a sensação de perda no pênis. 

(6) Leitura recomendadaO que é a Síndrome de Koro?

           Aspectos intra-psíquicos envolvidos nesse contexto incluem estresse relacionado ao trabalho, estado de ansiedade, dúvidas referentes à orientação sexual, e problemas existenciais.

          Nesse mesmo caminho, transtorno compulsivo-obsessivo e transtorno delirante (tipo somático) também podem induzir um quadro de SPP. No transtorno compulsivo-obsessivo, características obsessivas podem distrair o paciente do excitamento e prazer sexual, induzindo uma redução na firmeza da ereção e uma perda de sensações penianas. No transtorno delirante, delírios somáticos fazem referência à crença de que algumas partes do corpo (nesse caso específico, o pênis) são deformadas ou feias, ou que são disfuncionais. De forma similar, é também possível a existência de dismorfofobia de relacionada ao pênis, a qual pode determinar o desenvolvimento de pensamentos obsessivos, aumentando em paralelo os níveis de ansiedade. De fato, vários estudos têm demonstrado que homens inseguros sobre o tamanho peniano frequentemente possuem baixa autoestima e problemas sexuais. Preocupação excessiva com o tamanho do pênis pode resultar em disfunção sexual, particularmente erétil.

          Por fim, exposição a eventos traumáticos, por exemplo abuso sexual infantil ou trauma sexual prévio, e a inabilidade de lidar com as consequências psicopatológicas desses eventos podem resultar em somatização, incluindo a perda de sensações penianas.

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> É importante lembrar que, na literatura médica, não existe ainda clara evidência clínica de suporte ligando a síndrome do pênis perdido a fatores psicopatológicos. Essa hipótese precisa ser ainda melhor investigada em estudos clínicos.

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   FATORES DE RISCO IATROGÊNICOS

          Como listado até aqui, estimulação genital inadequada levando à síndrome do pênis perdido pode ocorrer primariamente por predisposições anatômicas ou fatores adquiridos que prejudicam os mecanismos mecânicos de estimulação tátil e/ou de fricção pênis-vaginal. No entanto, mesmo quando o aparato anatômico está funcionando bem, pode ainda existir uma perda de estimulação cutânea, por exemplo, com dosagem inadequada ou excessiva de medicamentos que interferem com a sensibilidade. Podemos citar substâncias tópicas anestésicas usadas para o tratamento de ejaculação precoce (lidocaína tópica, benzocaína, prilocaína). De fato, um dos principais efeitos adversos desses anestésicos tópicos aplicados alguns minutos antes do ato sexual é a potencial sensação de dormência na glande e na pele peniana, e, eventualmente, dormência vaginal se absorção transvaginal ocorre. Além disso, como já citado, uso excessivo de lubrificantes (ex.: tratamento de atrofia vulvovaginal) pode levar a uma dramática redução na fricção entre o pênis e as paredes da vagina.

          Medicamentos neurotrópicos que interferem com o excitamento psicossexual também podem ser importantes fatores de risco. Por exemplo, anorgasmia e distúrbios ejaculatórios são frequentes efeitos colaterais do tratamento com inibidores seletivos da recaptação de serotonina (SSRIs) e outros antidepressivos. Somando-se a isso, pacientes tratados com antipsicóticos reportam uma incidência de disfunção sexual em torno de 50%, incluindo significativa prevalência de disfunção orgásmica. Medicamentos neurolépticos antagonizam o receptor de dopamina tipo 2 (D2), aumentando os níveis de prolactina, com um subsequente impacto sobre a libido e a função orgásmica. 

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   CONCLUSÃO

          A sensação de "vazio" durante a penetração vaginal é frequentemente reportada na prática clínica, e os autores do novo estudo especularam que a síndrome do pênis perdido é amplamente disseminada, mas altamente sub-reportada. Com determinação provavelmente multifatorial (anatômica/funcional, iatrogênica, comportamental e/ou psicopatológica), compreensiva avaliação clínica deve ser feita antes da escolha do tratamento, e isso inclui investigação anatômica, endócrina, psicológica e neuropsiquiátrica tanto no homem quanto na mulher constituintes do casal. 

          Nesse sentido, a síndrome do pênis perdido pode ser definida como uma falta de sensações somestésicas penianas durante a a penetração sexual devido a várias causas e levando a várias consequências sexuais em ambos os parceiros, e classificada de acordo com suas causas primárias e fatores de risco associados.


           


REFERÊNCIAS

  1. Jannini et al. (2022). The Lost Penis Syndrome: A New Clinical Entity in Sexual Medicine. Sexual Medicine Reviews, Volume 10, Issue 1, Pages 113-129. https://doi.org/10.1016/j.sxmr.2021.08.001 
  2. Debrovner, C. (1989). Surgical Treatment of Sexual Dysfunction — The Lost Penis Syndrome. In: Eicher, W., Kubli, F., Herms, V. (eds) Plastic Surgery in the Sexually Handicapped. Springer, Berlin, Heidelberg. Plastic Surgery in the Sexually Handicapped, pp 81–84. https://doi.org/10.1007/978-3-642-73565-3_10 
  3. Overgoor et al. (2014). Restoring penis sensation in patients with low spinal cord lesions: The role of the remaining function of the dorsal nerve in a unilateral or bilateral TOMAX procedure. Neurourology and Urodynamics, 34(4), 343–348.
  4. Cruz N. PH. (2015). Ejaculatory and orgasmic disorders other than premature ejaculation. The ESSM manual of sexual medicine Amsterdam: Medix; p. 737–790.
  5. Sarton J. (2010). Assessment of the Pelvic Floor Muscles in Women with Sexual Pain. The Journal of Sexual Medicine, Volume7, Issue11, Pages 3526-3529.