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BCAA injetável e nutrição intravenosa melhoram a performance esportiva e muscular?


- Atualizado no dia 8 de abril de 2024 -

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            Tratamento parenteral consiste, tipicamente, na administração de nutrientes no corpo através de outras vias que não seja a intestinal, comumente pela via intravenosa (IV), ou seja, a partir de injeções (um exemplo clássico são os soros fisiológicos pendurados em bolsas ao lado da cama de um paciente sob internação hospitalar). A assim chamada nutrição intravenosa (NIV) é feita em certas situações médicas de emergência, como, por exemplo, no caso de impossibilidade de ingestão oral ou de absorção pelo trato intestinal. O procedimento, claro, deve ser feito sob aprovação e supervisão médica. O problema é que esse tipo de terapia nutricional está sendo usada de forma trivial e irresponsável (otimizar ganhos musculares, melhorar performance esportiva, "curar" ressaca, entre outros), através da administração intravenosa de aminoácidos (!), vitaminas e de outros nutrientes.

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> Nutrição intravenosa ou Terapia Nutricional Parenteral (TNP) é usualmente indicada para nutrir pacientes que apresentam disfunção ou obstrução do trato gastrointestinal e que estejam impossibilitados de atender as necessidades nutricionais por via oral ou entérica. É uma solução ou emulsão, composta por nutrientes simples como a glicose, aminoácidos, glicerol, ácidos graxos, eletrólitos, com ou sem a presença de vitaminas e minerais, e deve ser estéril e apirogênica, destinada à administração intravenosa (central ou periférica) em pacientes desnutridos ou não, em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando a síntese ou manutenção de tecidos, órgãos ou sistemas. Precisa ser feita por profissional de saúde (médico, nutricionista, farmacêutico e/ou enfermeiro) treinado e habilitado para tal.
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          Até pouco anos atrás, a nutrição intravenosa costumava ser considerada um tratamento de 'último recurso', mas agora está ameaçando se tornar uma norma para atletas competitivos, apesar de não existir evidência científica de que essa estratégia alimentar funciona ou é segura. Um estudo recente publicado no periódico British Journal of Sports Medicine (Ref.5) trouxe esse alerta, pedindo para que as pessoas no mundo esportivo (amadoras e profissionais) parem de usar esse tipo de procedimento. Os autores do estudo reportaram que alguns atletas estão usando NIV semanalmente como parte de rotinas pré- e pós-treinos. E o pior, não são apenas atletas entrando nessa onda.



           Tradicionalmente, o procedimento de NIV é utilizado em centros médicos convencionais para a administração de fluídos e de eletrólitos para pacientes que não podem engolir, que estão desidratados, ou que possuem outras condições que requerem correção imediata de desbalanços fluídicos ou eletrolíticos. Existem protocolos estabelecidos para esse tipo de terapia e baseados em sólidas evidências científicas. Os benefícios da administração NIV de fluídos, vitaminas e minerais é a velocidade de assimilação e a biodisponibilidade de ~100% em alguns casos; quando se toma esses micronutrientes pela via oral, a absorção no sistema gastrointestinal não é completa e não é imediata. Nesse sentido, NIV não pode ser considerado um simples "suplemento alimentar", e, sim, um medicamento.
            
           Fora do contexto hospitalar e de emergência médica, não existe evidência científica de suporte (eficácia) ou de segurança (balanço de riscos e benefícios) para o uso de NIV, muito menos aprovação de agências regulatórias (Ref.5-6). Mesmo assim, em clínicas de spa e outros estabelecimentos não-hospitalares vêm aumentando a oferta e a procura pelos assim chamados "drip bars", onde consumidores recebem misturas de vitaminas, aminoácidos, glutationas, eletrólitos e de outros nutrientes através de administração intravenosa nos braços, sob a promessa de cura ou melhora de vários problemas de saúde (desde infertilidade até câncer), e de otimização nos treinos esportivos e de musculação, incluindo mais rápida recuperação muscular e hidratação.

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           Uma formulação nesse sentido é conhecida como "Myers' Coktail", a qual consiste em uma mistura de substâncias, incluindo magnésio, cálcio, vitaminas do complexo B e vitamina C (figura abaixo). Essa formulação tem sido reportada de ser dissolvida em 20 mL de água e administrada ao longo de 5 a 15 minutos, sem qualquer prescrição ou orientação médica. Existem várias formulações nessa mesma linha, cada uma propagandeada para uma finalidade específica (cura de ressaca !, tratamento de resfriado, fortalecimento da imunidade, melhora estética, etc.) e sem qualquer suporte científico.


          Usando misturas diversas de água, vitaminas, minerais e ervas, essa terapia alternativa, comumente chamada de "Terapia Vitamínica Intravenosa", "Terapia de Hidratação" e "Terapia Intravenosa de Micro-Nutrientes", pode custar entre US$100 e US$400 por cada "tratamento" ou sessão nos EUA. Em 2018, a Comissão de Comércio Federal dos EUA (FTC) proibiu a empresa  iV Cocktails - com clínicas em estados como Texas e Colorado - de promover seus produtos injetáveis como "benéficos à saúde" e capazes de tratar sérias doenças como câncer, esclerose múltipla, diabetes, transtornos neurodegenerativos e problemas cardiovasculares por falta de qualquer suporte científico nesse sentido (Ref.9).

            Os riscos mais comuns na NIV tradicional inclui flebite (inflamação de veias superficiais), extravasão (dano causado quando fluído sendo administrado pela via intravenosa vaza para os tecidos ao redor dos vasos), embolismo aéreo (injeção de ar na circulação sanguínea), hipervolemia ou sobrecarga de fluidos no corpo, e infecção deflagrada pela quebra da barreira cutânea (furo da agulha). Esses riscos obviamente aumentam quando o procedimento é feito de forma frequente, por profissionais sem capacitação para tal e em ambientes com recursos inadequados. Além disso, sem detalhado conhecimento do status nutricional e de saúde do paciente, a administração inadequada ou excessiva de vitaminas, minerais e de outros micronutrientes pode levar a sérios quadros de toxicidade. Por exemplo, overdose de potássio pode causar arritmias cardíacas fatais, excesso de vitamina B6 está associada com neuropatia periférica e indivíduos recebendo regularmente ferro via NIV estão sob risco de doença hepática.

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> Aqui no Brasil, um caso recente de grave intoxicação em múltiplos órgãos por cromo ocorreu após sessões de soroterapia. Houve necessidade de hospitalização e transferência de emergência por UTI aérea. Ref.12 
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           Somando-se aos riscos, medidas cuidadosas de esterilização devem ser adotadas na NIV, já que envolve a administração de soluções nutritivas, as quais podem ser alvo de proliferação de microrganismos diversos, incluindo patógenos. Aliás, administração intravenosa de BCAA (aminoácidos de cadeia ramificada leucina, isoleucina e valina) é reservada para casos bem específicos de emergência médica (ex.: certas doenças metabólicas e severos estados catabólicos câncer-induzidos), deve ser feita com formulações altamente controladas e está associada a riscos de infecção e mesmo sepse (Ref.7-8).

          Em 2021, a Administração de Drogas e Alimentos dos EUA (FDA) emitiu um alerta justamente sobre isso, apontando condições sanitárias insuficientes já encontradas em produtos usados para terapia vitamínica de NIV (Ref.10). O FDA realçou em específico o caso de uma paciente de 50 anos de idade que foi hospitalizada e tratada por suspeita de choque séptico e falha múltipla de órgãos após receber infusão intravenosa vitamínica na sua casa; cultura laboratorial do sangue da paciente revelou a bactéria gram-negativa Pseudomonas fluorescens. O produto usado pela paciente teve origem da empresa Age Management Institute Santa Barbara que fornece produtos injetáveis para as terapias de NIV, e a qual apresentava várias irregularidades sanitárias. O FDA alertou para procedimentos de terapia NIV sendo promovidos em "clínicas de hidratação NIV", SPA e outros ambientes não-hospitalares, incluindo domicílios e quartos de hotéis.

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          Existe insuficiente evidência sugerindo que NIV "recreativo" seja mais efetivo do que ingerir alimentos ou suplementos alimentares para reduzir o risco de deficiências nutricionais, para o fortalecimento imune, para melhor hidratação ou para ganho de performance esportiva ou muscular. Portanto, os riscos à saúde associados ao procedimento não são compensados. Administração de NIV deve ser feita em hospitais, sob expressa orientação médica e para quadros de emergência médica, como anemia e severa desidratação.

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(!) NOTA: Se você digitar no Google 'Injectable BCAA' ou 'BCAA Injetável', achará vários fóruns de discussão, vídeos no YouTube e sites sobre o assunto, promovendo em particular a aplicação intramuscular de BCCA com a promessa de vários benefícios à saúde e de ganhos musculares. NÃO existe suporte científico para esse uso, ou de melhor eficácia do que o consumo oral tradicional de BCAA ou de outros suplementos alimentares. Aliás, na literatura acadêmica não existem nem estudos mencionando ou explorando esse tipo de uso em humanos ou outros animais. Busque sempre informações em sites de agências de saúde e peça orientação de médicos e de nutricionistas responsáveis antes de testar "receitas ou procedimentos" suspeitos ou incomuns sendo promovidos em redes sociais, fóruns e outros veículos de mídia. 
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Artigo Complementar: Qual é o real poder do BCAA?

Artigo Relacionado: É preciso alongar antes dos treinos de musculação?

(1) Artigo Recomendado: Existe uma Janela Anabólica em torno dos treinos? 


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS (Sobre os tratamentos parenterais)
  1. https://dailymed.nlm.nih.gov/dailymed/archives/fdaDrugInfo.cfm?archiveid=9434
  2. http://www.hgv.pi.gov.br/download/201204/HGV25_acf79f701f.pdf
  3. https://www.guideline.gov/browse/by-organization.aspx?orgid=100
  4. http://defymedical.com/services/12-services/21-nutrients-and-nutritional-supplements
  5. Lewis et al. (2022). "Rise of intravenous nutrition products among professional team sport athletes: reasons to be concerned?" British Journal of Sports Medicine. http://dx.doi.org/10.1136/bjsports-2022-105883
  6. Dayal et al. (2021). "Consumer Intravenous Vitamin Therapy Wellness Boost or Toxicity Threat?" Nutrition Today, Volume 56, Issue 5, p.234-238. http://dx.doi.org/10.1097/NT.0000000000000500
  7. Alili et al. (2022). Intravenous administration of a branched-chain amino-acid-free solution in children and adults with acute decompensation of maple syrup urine disease: a prospective multicentre observational study. OOrphanet Journal of Rare Diseases 17, 202. https://doi.org/10.1186/s13023-022-02353-2
  8. Cogo et al. (2021). Are Supplemental Branched-Chain Amino Acids Beneficial During the Oncological Peri-Operative Period: A Systematic Review and Meta-Analysis. Integrative Cancer Therapies, 20. https://doi.org/10.1177/1534735421997551