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Hemofilia é uma doença apenas genética e hereditária?


           Uma paciente do sexo feminino de 18 anos de idade apresentou-se ao hospital reclamando de hematomas nas suas duas pernas nas últimas 2 semanas. Os hematomas não eram dolorosos mas estavam ficando maiores com o tempo. A paciente também reclamou de uma ferida cirúrgica abdominal que não cicatrizava havia 1 mês após uma cirurgia feita por causa da ruptura de um cisto no ovário direito.

           Dois meses antes, a paciente sofreu uma queda e foi levada a um terapeuta massagista. No entanto, ela reclamou de pequenos hematomas após receber a massagem. Além disso, os hematomas também aumentaram de tamanho com o tempo. Ela então foi tratada com ácido tranexâmico na clínica, resultando apenas em pequena melhora. A paciente admitiu que o desenvolvimento de hematomas estava ocorrendo facilmente ao longo do ano anterior; porém, ela nunca consultou um médico porque os hematomas eram relativamente pequenos e se curavam espontaneamente. 

           A paciente negou ter qualquer histórico de disfunção hepática, desordens de coagulação sanguínea, alergia, ou qualquer doença crônica. De forma similar, a mãe da paciente negou ter qualquer histórico de hemorragias na família.

           No exame físico da paciente, nada significativo foi encontrado pelos médicos, e ela tinha sinais vitais estáveis e nenhuma outra anormalidade. Porém, na investigação laboratorial do sangue da paciente, foi revelado um prolongado TTPa de 113,2 segundos (valor normal: 31,0-47,0 s) e elevado dímero-D de 610 μg/L (valor normal de <440 μg/L). Por outro lado, as funções hepáticas e renais estavam normais.

           Testes laboratoriais adicionais no sangue revelaram um fator VIII de <1% (faixa normal: 40-170%) e um fator IX de 63,5% (faixa normal: 51-137%). 

          Com base na apresentação clínica e nos achados laboratoriais, a paciente foi diagnosticada com hemofilia A adquirida. Exames subsequentes descartaram a presença de uma doença autoimune como gatilho para o quadro hemofílico.

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          A paciente foi então tratada com ácido tranexâmico (3 x 1000 mg) e injeção do fator VIII humano (2000 IU) por 2 dias; no entanto, não houve significativa melhora clínica. Nesse sentido, os médicos decidiram tratar a paciente com metilprednisolona (3 x 16 mg; equivalente à dose de prednisona de 1 mg/kg/dia por 1 mês). Após 1 mês de acompanhamento, sua apresentação clínica e parâmetros laboratoriais mostraram significativas melhoras. O tratamento com corticoesteroide foi então continuado. No segundo mês, a dose de metilprednisolona foi reduzida a 2 x 16 mg. Subsequentemente, no terceiro mês, foi reduzida para 24 mg (16-0-8 mg). No quarto mês de tratamento, hematomas não mais ocorreram. Mesmo assim, a terapia com metilprednisolona foi continuada com uma dose de 2 x 8 mg, a qual foi reduzida em 4 mg semanalmente até zerar. Após o fim do tratamento, nenhum relapso em termos de hematomas ou sangramentos anormais foram observados ao longo de 6 meses e a paciente estava aparentemente curada.

          O caso foi descrito e reportado no periódico Case Reports in Medicine (Ref.1).


   HEMOFILIA 

           A função primária do sistema de coagulação é manter a integridade do endotélio e, ao mesmo tempo, preservar a patência (abertura, fluidez) vascular. O equilíbrio (homeostase) desse sistema é controlado por vários mecanismos, células (ex.: plaquetas) e fatores, e problemas ou deficiências nesse contexto podem levar a desordens coagulatórias ou hemorrágicas. Sintomas anormais de sangramento, entre outras causas, podem indicar deficiências de vários fatores no sangue (FVIII, FIX, FV, FVII, FX, FXI, FXIII e fibrinogênio) e, na doença de von Willebrand, temos a deficiência no fator de Willebrand (WWF), o qual é liberado de células endoteliais no local da lesão vascular. Dependendo da severidade e da hereditariedade, sintomas clínicos podem variar de sangramento leve nas mucosas até hemartroses (sangramentos dentro das articulações). Se a desordem hemorrágica é adquirida, deficiências nutricionais (especialmente vitamina K) ou doenças associadas (coagulação intravascular disseminada, doenças autoimunes ou doença hepática) podem ser consideradas.

           Hemofilia A (deficiência parcial ou total no fator [F] VIII) e hemofilia B (deficiência parcial ou total em FIX) são as mais comuns e sérias deficiências congênitas em fatores de coagulação. A hemofilia A é a mais comum, ocorrendo em torno de 1 para cada 5 mil nascimentos do sexo masculino, enquanto que a hemofilia B ocorre em torno de 1 em cada 30 mil nascimentos do sexo masculino. Em 2017, é estimado que a doença (A e B) afetou mais de 1,2 milhão de pessoas ao redor do mundo (Ref.3). Hemofilia é encontrada em todos os grupos étnicos; não existe predileção geográfica ou étnica. Apesar de maior suscetibilidade a hematomas e sangramento excessivo nas mucosas poderem representar os primeiros sinais de hemofilia, severo sangramento de tecido mole e hemartroses são os clássicos sintomas hemorrágicos dessas duas condições.

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> Deficiência no fator FXI têm sido chamada de hemofilia C ou Síndrome de Rosenthal, porém essa condição possui um quadro clínico bem distinto da hemofilia clássica A ou B. A doença está relacionada ao cromossomo autossômico 4q35, sua incidência é rara e afeta ambos os sexos de maneira equivalente, principalmente a população judaica asquenazim (Ref.4). 

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          Os genes codificando os fatores (proteínas) FVIII e FIX estão no braço longo do cromossomo X. Hemofilias A e B são as únicas doenças coagulatórias hereditárias herdadas a partir de um padrão recessivo ligado ao sexo. Todas as crianças do sexo feminino de um pai com hemofilia serão portadores, enquanto que nenhum dos seus filhos serão afetados. Os filhos de uma mãe portadora terão uma chance de 50% de terem a doença, enquanto que as filhas terão uma chance de 50%.


           Como a mutação é recessiva e presente no cromossomo X, indivíduos com o genótipo XY são afetados enquanto aqueles com XX são portadores da doença mas também podem ser afetados e terem sangramentos descontrolados. Nesse sentido, podemos observar dois genótipos possíveis para homens - XhY (afetado) e XHY (normal) - e três para mulheres - XHXH (normal); XHXh (portadora); e XhXh (afetada). Dessa forma, devido ao padrão de herança, podemos observar que mulheres com a doença podem transmitir o gene com problemas para suas filhas e filhos, já o homem afetado, por sua vez, pode passar o gene defeituoso apenas para sua filha. As mulheres (sexo feminino, XX) portadoras geralmente são levemente sintomáticas. Manifestações severas são raras no sexo feminino, e podem ser deflagradas devido à inativação não-aleatória de um dos cromossomos XX (lionização) em mulheres portadoras, desordens de desenvolvimento sexual ou, como citado, raríssimos casos de mutações hemofílicas em ambos os cromossomos XX (XhXh); entre as desordens de desenvolvimento sexual, existe a possibilidade de um indivíduo com genótipo 46XY mas fenótipo feminino (Ref.5) (!). Casos severos de hemofilia em mulheres é marcado diferencialmente por menorragia (sangramento menstrual excessivo).

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          As mutações genéticas causam uma queda quantitativa na expressão proteica (fator), uma queda qualitativa na atividade da proteína, ou ambos. Aproximadamente 5-10% das pacientes com hemofilia A e 40-50% dos pacientes com hemofilia B produzem uma proteína disfuncional, a qual resulta em uma diminuição da atividade da proteína sem uma queda quantitativa. Mais de mil mutações nos genes do FVIII e do FIX causando hemofilia clínica já foram identificadas, incluindo mutações pontuais, deleções, inserções e rearranjos/inversões (Ref.6-7). E como existe uma alta taxa de mutações espontâneas nesses genes (aproximadamente um terço dos casos), recém-nascidos com sangramento e outros sintomas típicos de hemofilia devem ser testados para a doença mesmo sem um histórico familiar.

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           A redução no nível ou atividade do fator FVIII ou FIX resulta em disfunção coagulatória. Em pacientes sem hemofilia, esses fatores se associam à superfície de plaquetas ativadas e formam o complexo de Tenase, o qual leva à formação de trombina e, subsequentemente, um coágulo de fibrina. Em pacientes hemofílicos, o complexo de Tenase é comprometido, dificultando o processo de coagulação e facilitando hemorragias.

          Em indivíduos não afetados pela doença, a atividade dos fatores FVIII e FIX é de 50% a 100% (50-100 IU/dL) - mas a faixa normal quantitativa desses fatores no plasma sanguíneo pode variar dramaticamente (64-197 IU/dL), dependendo também do tipo sanguíneo. Hemofilia leve é definida por uma atividade maior do que 5% a 40%, com sangramento descontrolado ocorrendo após significativo trauma ou cirurgia. Hemofilia moderada é caracterizada por uma atividade de 1% a 5%, e sangramentos descontrolados ocorrem com traumas ou cirurgias leves. Hemofilia severa, na qual sangramento espontâneo frequentemente ocorre, está associada com uma atividade menor do que 1%. Cerca de 6:100000 e 1,1:100000 nascidos do sexo masculino manifestam completa deficiência no plasma sanguíneo dos fatores FVIII e FIX, respectivamente. 

          No geral, hemofilia é caracterizada por dolorosas e [comumente] espontâneas hemorragias nas articulações e tecidos moles, e pequenos traumas podem facilmente ocasionar sangramento espontâneo ou hematomas. Em todos os casos há a dificuldade da coagulação, causando sangramento por tempo prolongado. Os principais locais de sangramento espontâneo são as articulações e os músculos, e a falta de tratamento adequado leva a danos crônicos ao sistema musculoesquelético resultando em deficiências físicas. Hemartrose responde por 70-80% de todos os episódios de hemorragia, e leva ao quadro de artropatia hemofílica. Hemartrose, hematomas musculares, hemorragias no sistema nervoso central e hematúria (sangue na urina) são frequentes na hemofilia severa, mesmo na ausência de qualquer aparente trauma. Hemorragia intracraniana é uma complicação severa que é relativamente comum entre pacientes hemofílicos, ocorrendo de forma espontânea em 35-58% dos casos e em 10% dos hemofílicos; é ainda uma das principais causas de morte em pacientes hemofílicos (Ref.8).

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> Hematoma é um acúmulo de sangue fora dos vasos sanguíneos, podendo acontecer em qualquer lugar do corpo. Geralmente o surgimento do hematoma é decorrente de alguma lesão ou trauma. Além disso, é identificado como uma mancha na pele que pode ser vermelha, azul, roxa ou até mesmo preta.

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           Embora historicamente a hemofilia A e a hemofilia B têm sido consideradas indistinguíveis entre si em termos clínicos, evidências acumuladas têm mudado esse conceito nos últimos anos, fortemente sugerindo que pacientes com hemofilia B possuem uma tendência menos severa de sangramento comparado com pacientes portando hemofilia A (em um cenário de mesmo nível de deficiência qualitativa e/ou quantitativa relativo à atividade dos fatores FVIII e FIX) (Ref.6).


   TRATAMENTO (Hemofilia congênita)

          Há cerca de 100 anos, praticamente não havia ainda nenhum tratamento para as hemofilias ou para outras desordens congênitas de coagulação. A expectativa de vida dos hemofílicos nessa época era de 10-15 anos, mesmo nas mais favoráveis circunstâncias. E os poucos casos que sobreviviam eram comprometidos com severos danos musculoesqueléticos que os forçavam a ficarem confinados na cama ou em uma cadeira de rodas, com gelo, analgésicos e engessamento sendo as únicas medidas amplamente disponíveis para aliviar os efeitos da doença. O único tratamento com limitada eficácia clínica e pouco disponível era a transfusão de plasma de doadores com todos os fatores de coagulação. Até a década de 1960, a expectativa de vida dos pacientes com hemofilia não ultrapassava 20-30 anos. 

          Mais tarde, ao longo da década de 1960 e 1970, métodos industriais e comerciais foram desenvolvidos para a concentração e armazenamento seguro de fatores coagulatórios específicos a partir de plasma sanguíneo doado, facilitando enormemente o tratamento de pacientes hemofílicos. Porém, taxas preocupantes de infecções com o vírus da hepatite C (HCV) e com o HIV começaram a emergir na década de 1980 e 1990. O primeiro caso de infecção com HIV em uma pessoa com hemofilia foi reportado em 1982, seguido por milhares de outras pessoas ao redor do mundo e por um significativo aumento da taxa de mortalidade entre os pacientes com hemofilia A. É estimado que, nos EUA, quase 5 mil pessoas com hemofilia se tornaram infectadas com HIV, e mais de 4 mil dos cerca de 10 mil hemofílicos no país morreram nesse período (Ref.9). Hepatite, hemorragia, HIV e HCV e doença hepática se tornaram a principal causa de morte em indivíduos com hepatite A, com a mortalidade fortemente associada com a idade e a severidade da hemofilia. 

           Nesse sentido, a grande revolução foi alcançada na década de 1990, quando avanços na medicina molecular não apenas identificou a base genética para a hemofilia mas também permitiu a produção recombinante (genes introduzidos em bactérias) dos fatores FVIII e FIX, tornando o tratamento efetivo muito mais disponível, de relativo menor custo e seguro, e trazendo uma nova e robusta redução nas taxas de mortalidade (Ref.10).

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          Mesmo com a terapia de reposição com fatores recombinantes ou concentrados a partir de plasma doado, os pacientes hemofílicos ainda continuam requerendo infusões intravenosas duas a três vezes por semana pelo resto da vida, devido à baixa meia vida dos fatores de coagulação (meia-vida de 8-12 horas para o FVIII, por exemplo). E cada administração é custosa. Somando-se a isso, o tratamento profilático não previne completamente hemorragias e danos articulares. Para complicar ainda mais a situação, o paciente pode desenvolver anticorpos neutralizantes contra os fatores de coagulação (inibidores anti-FVIII ou anti-FIX), tornando a terapia de reposição inefetiva e ocorrendo em aproximadamente 30% e 5% dos pacientes com hemofilia severa A e B, respectivamente (Ref.11).

          Nos últimos anos, novas terapias moleculares têm sido desenvolvidas para resolver esses problemas, incluindo imunoterapias, tecnologia de siRNA e terapia genética. Algumas já vêm sendo usadas na prática, enquanto outras estão ainda em fase de testes clínicos. Para uma revisão completa sobre esses novos procedimentos, acesse a Ref.12, 13 e 14.

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IMPORTANTE, há contraindicações para hemofílicos relacionadas a alguns medicamentos, como aspirina, heparina, varfarina, anti-inflamatórios não hormonais e determinados analgésicos, os quais atuam como anticoagulantes. 

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   TRATAMENTO NO BRASIL

           O tratamento para a hemofilia consiste em realizar a infusão intravenosa dos fatores de coagulação (oriundo de plasma doado ou recombinante). O indicado é, em casos graves, de uma a três doses por semana durante tempo indeterminado, já em casos moderados ou leves, de uma dose por uma semana em um período compreendido de 3 a 12 meses. O fator FVIII recombinante, conhecido como Hemo-8r, é ainda considerado o tratamento para hemofilia A mais moderno do mundo e atende 70% da necessidade mensal no Brasil, com os outros 30% sendo representados por FVIII plasmático concentrado (Ref.4). Entre 2013 e 2015, foram 542,5 milhões de unidades de FVIII recombinante distribuídos no SUS da marca Hemobrás (Ref.4).

          Porém, ainda existem extremas disparidades de acesso tanto em nível global quanto nacional, implicando em mortes precoces e lesões incapacitantes preveníveis em milhares de pessoas. 

           A Federação Mundial de Hemofilia (WFH) adota um índice de uso do concentrado de fator per capita por ano para estimar a qualidade da assistência. Um índice menor que 1 UI per capita/ano é considerado abaixo do mínimo necessário para garantir a sobrevivência dos portadores, e um índice de 3 UI per capita/ano é o mínimo considerado necessário para preservar a função articular e permitir uma qualidade de vida semelhante à de um indivíduo sem hemofilia.

          De acordo com um estudo publicado em 2020 no periódico Interface - Comunicação, Saúde, Educação (Ref.15), a maior dificuldade para o acesso é o custo do concentrado de fator, cujo preço é determinado livremente pelo oligopólio mundial formado por doze empresas localizadas em países centrais. O resultado disso é que apenas 25% dos cerca de duzentos mil  hemofílicos do mundo possuem tratamento apropriado e enquanto o índice de uso per capita de concentrado de fator alcança respectivamente 6 UI/ano e 9,5 UI/ano na Europa e Estados Unidos, ele não ultrapassa 0,04 UI nos países mais pobres da África e Caribe. O Brasil apresenta um índice geral de 3,7 UI, mas mostra-se marcado por acentuadas iniquidades regionais semelhante às globais. Enquanto, por exemplo, no Distrito Federal o índice atingiu 7, 22 UI, ele foi de apenas 0, 27 UI em Roraima.

           O estudo concluiu que é necessário quebrar esse monopólio das grandes empresas e a hegemonia tecnológica dos países desenvolvidos no sentido de melhorar e baratear a distribuição do concentrado de fator entre toda a população de pacientes hemofílicos.


   HEMOFILIA A ADQUIRIDA

            A hemofilia A adquirida (AHA) é caracterizada pelo desenvolvimento de autoanticorpos contra o fator FVIII (portanto, uma condição autoimune), neutralizando suas funções hemostáticas. Isso resulta em uma diátese hemorrágica em pacientes que previamente não tinham histórico pessoal ou familiar de hemorragias descontroladas. A hemorragia é mais comumente mucocutânea ou muscular, particularmente sangramentos nasal, subcutâneo e gastrointestinal, urológico e pós-parto. Em contraste à hemofilia congênita, um quadro de hemartrose é raro. Quase metade dos casos são idiopáticos, e os outros casos são relacionados a doenças autoimunes, cânceres, gravidez, infecções ou medicamentos. Existem raríssimos relatos de casos envolvendo as vacinas de mRNA, mas nada comprovado (Ref.17).

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           De rara manifestação, é estimado que a incidência da AHA é em torno de 1-1,5 casos por milhão de pessoas anualmente (Ref.18). É mais comumente observada em adultos com mais de 60-65 anos de idade. Existe também um menor pico de incidência em mulheres com 20-40 anos, relacionado com a gravidez. Em crianças, a incidência é muito rara, com uma taxa de incidência reportada de 0,045 casos por milhão de indivíduos com menos de 16 anos de idade (Ref.18). A taxa de mortalidade relacionada aos quadros hemorrágicos historicamente já alcançou 20-30%, mas diminuiu para 3-9% nos últimos anos provavelmente como resultado de melhorias das opções terapêuticas (Ref.18). Sem tratamento, a taxa de mortalidade pode alcançar 41% (Ref.19). Por outro lado, mortalidade associada com infecções concomitantes à AHA vem aumentando.

          Devido à grande raridade da AHA, diagnóstico é frequentemente feito de forma tardia, e confirmado com a demonstração de baixos níveis de FVIII no sangue e de evidência para a existência do inibidor de FVIII (INH). A maioria dos pacientes primeiro se apresentam ao hospital com hemorragia (ex.: hematomas), seja espontânea ou pós-trauma/cirurgia. Alguns pacientes são assintomáticos e apenas apresentam um prolongado TTPa no exame de rotina. 


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> O Tempo de Tromboplastina Parcial Ativado (TTPa) é um de vários teste de coagulação, e mede a eficiência do processo coagulatório do paciente. É indicado nos casos de suspeita de deficiência de fatores da via intrínseca da coagulação, antes de intervenções cirúrgicas e no controle de terapêutica anticoagulante pela heparina.

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          Uma vez diagnosticada a AHA, imunossupressão deve ser iniciada sem atraso. A primeira linha de tratamento é o uso isolado de corticoesteroides ou combinado com ciclofosfamida. Completa remissão (erradicação do inibidor) é frequentemente observada com ambas as estratégias terapêuticas. Para o controle da doença (restauração hemostática), existem várias opções terapêuticas, muitas compartilhadas com a hemofilia congênita, incluindo especialmente o uso de fator VII recombinante ativado (rFVIIa) e complexos concentrados de protrombina ativada (APCC) (Ref.21).


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Rinaldi et al. (2021). Diagnosis and Management of Acquired Hemophilia A: Case Reports and a Literature Review. https://doi.org/10.1155/2021/5554664
  2. Zimmerman, B., & Valentino, L. A. (2013). Hemophilia: In Review. Pediatrics in Review, 34(7), 289–295. https://doi.org/10.1542/pir.34-7-289
  3. Delgado-Flores et al. (2022). Effects of replacement therapies with clotting factors in patients with hemophilia: A systematic review and meta-analysis. PLoS ONE 17(1): e0262273. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0262273
  4. Ribeiro et al. (2021). Aspectos Genéticos da Hemofilia A: Revisão de literatura. Brazilian Journal of Development, Vol.7, No.5. https://doi.org/10.34117/bjdv.v7i5.29758
  5. Lucero et al. (2017). Severe Hemophilia A in a Patient with Sexual Differentiation Disorder: A Case Report. Blood, Volume 130, Supplement 1, Page 4884. https://doi.org/10.1182/blood.V130.Suppl_1.4884.4884
  6. Castaman & Matino (2019). Hemophilia A and B: molecular and clinical similarities and differences. Haematologica, 104(9), 1702–1709. https://doi.org/10.3324/haematol.2019.221093
  7. Shen et al. (2022). The Molecular Basis of FIX Deficiency in Hemophilia B. Internacional Journal of Molecular Sciences 23(5), 2762. https://doi.org/10.3390/ijms23052762
  8. Zwagemaker et al. (2021). Incidence and mortality rates of intracranial hemorrhage in hemophilia: a systematic review and meta-analysis. Blood 138 (26): 2853–2873. https://doi.org/10.1182/blood.2021011849
  9. Hay et al. (2020). Mortality in congenital hemophilia A – a systematic literature review. Journal of Thrombosis and Haemostasis, Volume19, Issue S1, Pages 6-20. https://doi.org/10.1111/jth.15189
  10. Mannucci P. M. (2020). Hemophilia therapy: the future has begun. Haematologica, 105(3), 545–553. https://doi.org/10.3324/haematol.2019.232132
  11. Kaczmarek et al. (2020). A Molecular Revolution in the Treatment of Hemophilia. Molecular Therapy, Volume 28, Issue 4, 8 April 2020, Pages 997-1015. https://doi.org/10.1016/j.ymthe.2019.11.006
  12. Marchesini et al. (2021). Recent Advances in the Treatment of Hemophilia: A Review. Biologics : targets & therapy, 15, 221–235. https://doi.org/10.2147/BTT.S252580
  13. Leebeek & Miesbach (2021). Gene therapy for hemophilia: a review on clinical benefit, limitations, and remaining issues. Blood 138 (11): 923–931. https://doi.org/10.1182/blood.2019003777
  14. Croteau et al. (2021). 2021 clinical trials update: Innovations in hemophilia therapy. American Journal of Hematology, Volume 96, Issue 1, Pages 128-144. https://doi.org/10.1002/ajh.26018
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  16. https://humanas.blog.scielo.org/blog/2020/07/21/a-hemofilia-e-a-exclusao-a-saude-no-brasil-e-no-mundo/
  17. Canovi et al. (2022). Four cases of acquired hemophilia A following immunization with mRNA BNT162b2 SARS-CoV-2 vaccine. Thrombosis Research, Volume 211, Pages 60-62. https://doi.org/10.1016/j.thromres.2022.01.017
  18. Nowak et al. (2022). Acquired Hemophilia A: A Permanent Challenge for All Physicians. Medicines 9(3), 21. https://doi.org/10.3390/medicines9030021
  19. El Demerdash et al. (2022). Acquired hemophilia A (AHA): underreported, underdiagnosed, undertreated medical condition. Egypt J Intern Med 34, 12. https://doi.org/10.1186/s43162-021-00074-9
  20. Dolan et al. (2021). Principles of care for acquired hemophilia. European Journal of Haematology, Volume 106, Issue 6, Pages 762-773. https://doi.org/10.1111/ejh.13592
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