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Existe uma forte subnotificação de mortes por COVID-19 no Brasil

          Nos últimos meses, um relatório-rascunho sem qualquer valia científica de um auditor Bolsonarista do Tribunal de Contas da União - provavelmente encomendado pelo próprio governo Bolsonaro - ganhou destaque na mídia ao sugerir uma supernotificação de mortes por COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus, SARS-CoV-2). O presidente Bolsonaro e aliados têm empurrado essa narrativa falaciosa desde o ano passado, visando cobrir os crimes de responsabilidade cometidos pelo governo federal no combate à pandemia no Brasil. Aliás, durante reunião da CPI da COVID, Senadores concluíram que o presidente cometeu crime por ter compartilhado e supostamente falsificado o relatório (Ref.1).

          A verdade é que existe sólida evidência suportada por vários estudos na literatura acadêmica de que existe uma substancial subnotificação de mortes diretas e indiretas causadas pela COVID-19. De fato, uma pesquisa inédita da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) mostra que o número de mortes por COVID-19 no Brasil em 2020 foi 18,2% maior do que o registrado. A análise indicou que foram 230452 óbitos pela doença no ano passado e não 194949, ou seja, mais de 35,5 mil mortes acima do oficialmente registrado (Ref.2). Considerando o número total hoje de mortes oficialmente registradas (>577 mil), o país já ultrapassou as 612,5 mil mortes. E isso porque estamos ignorando as subnotificações deste ano e as mortes indiretas causadas pela epidemia da COVID-19 no país.

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          Em um estudo publicado em março deste ano no periódico Diagnostic Microbiology and Infectious Disease (Ref.3), pesquisadores mostraram que até 12 de outubro de 2020, um total de 118,4 mil mortes consideradas 'mortes naturais' estavam em excesso em relação ao que seria esperado no Brasil. Até essa data foram oficialmente registradas 151 mil mortes por COVID-19, sem considerar o excesso de mortes naturais identificado pelo estudo. Essas mortes em excesso são provavelmente resultado indireto da COVID-19 - sobrecarga no sistema de saúde, interrupção de tratamentos de doenças crônicas e menor busca por assistência médica pela população com medo de infeção pelo SARS-CoV-2 - e resultado direto da doença devido a limitações na aplicação de testes RT-PCR.  

          Em um estudo publicado em maio no periódico Tropical Medicine & International Health (Ref.4), foi estimado que em 2020 houve uma subnotificação de 22,62% das mortes por COVID-19, e que a doença foi a terceira causa de mortalidade que contribuiu diretamente com 18% e indiretamente com um adicional de 10-11% de todas as mortes no país. E o valor estimado de 1 morte não-notificada a cada >4 mortes registradas parece ser o limite inferior dessa subnotificação.

          Entre fevereiro e junho de 2020, um estudo publicado no período Cadernos de Saúde Pública (Ref.5) encontrou uma provável subnotificação muito alta em Fortaleza e em Manaus, com excessos de morte de 112% e 72%, respectivamente, alertando para as desigualdades regionais no Brasil em termos serviços de saúde e de vigilância epidemiológica, e de que os números de mortes por COVID-19 no Brasil precisam ser urgentemente revisados. 

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          Importante também reforçar que várias doenças crônicas como problemas renais, doenças cardiovasculares, câncer, diabetes, entre outras, são importantes fatores de risco para a COVID-19. Pessoas com câncer, por exemplo, que poderiam não ter morrido da doença, acabam morrendo caso sejam infectadas (Ref.6) (!). Diminuições de mortes por câncer ou doenças cardíacas em certas regiões NÃO significa que essas reduções estejam sendo erroneamente repassadas para a conta da COVID-19. Como no vídeo do Girão - caso as pessoas ali não estejam mentindo - indivíduos com problemas cardíacos prévios estão em alto risco de progressão severa da COVID-19.

(!) Leitura recomendadaQuais são as condições médicas de risco para uma COVID-19 mais severa?

           Sobre o novo estudo da FioCruz indicando um número de óbitos por COVID-19 18,2% maior em 2020, Boccolini, pesquisador de Saúde Pública do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), comentou (Ref.2): "Àquela altura, aquele era o cenário. Porém, com o passar do tempo, após a liberação de óbitos 'represados' nos municípios e a reclassificação das causas de morte, precisamos revisar os dados registrados para obter uma análise mais precisa do que ocorreu no passado. Os dados com que estamos trabalhando estão acessíveis desde de maio deste ano e não poderiam ter sido consultados antes."

          Válido mencionar que, ainda em 2020, segundo a FioCruz, ocorreram 1207 óbitos de brasileiros menores de 18 anos por COVID-19. Quase metade (45%) tinha até 2 anos de idade; um terço até 1 ano e 9% eram recém-nascidos (110 bebês com menos de 28 dias de vida).

          "Crianças e adolescentes, que têm melhor prognóstico quando contaminados, mas não estão imunes. Transmitem, podem adoecer gravemente e até morrer em decorrência da doença.O aumento da cobertura vacinal de adultos tem que avançar mais rapidamente e  gestantes e lactantes devem ser prioridade. Contudo, para conter a circulação do vírus e proteger nossas crianças, o uso de máscaras e o distanciamento social devem continuar mesmo após a vacinação", alertou Boccolini (Ref.2).


IMPORTANTE: Lembrando também que o problema não é apenas o número de mortes. Pessoas hospitalizadas com COVID-19 e recuperadas ficam suscetíveis a vários efeitos adversos de médio e de longo prazo, incluindo substancial aumento de risco de morte. Para mais informações:


REFERÊNCIAS

  1. https://g1.globo.com/politica/cpi-da-covid/noticia/2021/08/17/omar-diz-que-auditor-do-tcu-prestou-desservico-ao-produzir-relatorio-falso-sobre-suposta-supernotificacao-da-covid.ghtml 
  2. https://portal.fiocruz.br/noticia/estudo-analisa-registro-de-obitos-por-covid-19 
  3. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0732889320306350 
  4. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/tmi.13628
  5. Orellana, Jesem Douglas Yamall et al. (2021). Excesso de mortes durante a pandemia de COVID-19: subnotificação e desigualdades regionais no Brasil. Cadernos de Saúde Pública. V.37, n.1, e00259120. https://doi.org/10.1590/0102-311X00259120
  6. Fernandes GA, Junior APN, Azevedo e Silva G, Feriani D, França e Silva ILA, Caruso P, et al. (2021). Excess mortality by specific causes of deaths in the city of São Paulo, Brazil, during the COVID-19 pandemic. PLoS ONE 16(6):e0252238. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0252238