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Qual é o real crime do governo Bolsonaro relativo à pandemia?

 

A CPI da COVID-19 teve início prático na última terça-feira (4 de maio de 2021), trazendo uma comissão de 11 indicados, incluindo 4 representantes fantoches do Planalto (Jorginho Mello, PL-SC; Eduardo Girão, Podemos-CE; Marcos Rogério, DEM-RO; e Ciro Nogueira, PP-PI). O objetivo dessa CPI é a investigação das ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia - a qual já resultou em mais de 414 mil mortes registradas - e nos repasses federais a estados e municípios. O relatório final da CPI será encaminhado ao Ministério Público para eventuais criminalizações. 

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Em meio à explícita coordenação do governo federal com os senadores minions representando a 'defesa Bolsonarista' - incluindo conhecidos negacionistas da ciência, como o suplente na comissão Luiz Carlos Heinze (PP-RS) -, e a vergonhosa "estratégia" do ex-Ministro da Saúde Eduardo Pazuello para escapar da convocação à CPI, é mais do que importante alertar o público telespectador sobre a narrativa distorcida que estão tentando emplacar para esconder a repugnante sujeira do governo Bolsonaro.

NÃO importa se um ou outro cientista ou médico defendia - ou ainda defende - medicamentos sem evidência de eficácia ou comprovadamente ineficazes (!). NÃO importa se existiam evidências sugestivas ou não de eficácia de algum medicamento contra a COVID-19. NÃO importa se a Organização Mundial de Saúde (OMS) no começo de 2020 defendia protocolos que mais tarde se mostraram inadequados [é esperado erros iniciais no enfrentamento de uma nova ameaça patogênica]. NÃO importa se existem outros países onde também houve descontrole epidêmico. NÃO importa a questão dos recursos repassados aos estados e municípios [independentemente se houve corrupção envolvida em qualquer etapa associada].

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(!) Aliás, lembrando que a hidroxicloroquina e a cloroquina são comprovadamente ineficazes contra a COVID-19: Hidroxicloroquina é ineficaz e pode aumentar o risco de morte em pacientes com COVID-19

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O que importa é que o governo Bolsonaro continuamente IGNOROU as orientações científicas consensuais e com maior peso das evidências, IGNOROU o corpo técnico do Ministério da Saúde - derrubando o órgão por duas vezes até conseguir um time de capachos liderado por um militar sem qualquer experiência na área de saúde e altamente manipulável -, IGNOROU qualquer iniciativa de coordenação entre os diferentes setores governamentais visando a implantação eficaz de medidas preventivas não-farmacológicas, IGNOROU os alertas sobre potenciais colapsos no sistema de saúde caso a curva epidêmica não fosse achatada, e, finalmente e talvez mais grave, IGNOROU a importância das vacinas. 

Ao invés disso, todas as evidências apontam claramente que o governo Bolsonaro SISTEMATICAMENTE usou a máquina pública para acelerar a disseminação do vírus no Brasil, promovendo aglomerações, desprezando o uso das máscaras, atacando as vacinas, minimizando a gravidade da doença e, especialmente, promovendo medicamentos de baixo preço e muito acessíveis à população sem evidência científica de eficácia - e mesmo depois de comprovadamente ineficazes - com o claro objetivo de entregar uma falsa sensação de segurança para a população e com ínfimo custo econômico e logístico. O governo empurrou de forma tão excessiva a hidroxicloroquina e a cloroquina que em julho de 2020 houve um estoque parado de 4 milhões de comprimidos desses medicamentos e ao mesmo tempo escassez de fármacos básicos nas UTIs (sedativos e analgésicos), algo alertado ao governo pelo corpo técnico do Ministério da Saúde ainda em maio do mesmo ano (Ref.1).

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IMPORTANTE: A estratégia da promoção de medicamentos "milagrosos" é perfeita porque, mesmo sem eficácia alguma contra a COVID-19, é fácil empurrar a narrativa de que o fármaco funciona para cima de pessoas leigas. Em torno de 85% dos infectados com o novo coronavírus (SARS-CoV-2) irão desenvolver um quadro assintomático ou sintomático leve ou moderado sem necessidade de hospitalização. Em torno de 15% uma doença mais grave necessitando de hospitalização, e em torno de 5% irá desenvolver um doença severa, com alto risco de morte. Ou seja, até 95% dos infectados, se tomar água ou hidroxicloroquina irão se recuperar sozinhos ou com suporte hospitalar básico.  Nesse sentido, o governo consegue promover sua campanha de disseminação do vírus e ainda ganhar aplausos dos vários supostamente curados pelo medicamento, justificando grande parte dos mortos no processo como indivíduos que não seguiram o protocolo terapêutico com o fármaco.

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Além disso, uma reportagem do G1 (Ref.6) mostrou que no mesmo mês em que começou a produzir cloroquina (março de 2020) sob orientação do governo Bolsonaro, o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército reduziu em um terço a produção de micofenolato de sódio 360 mg, medicamento imunossupressor vital para pacientes que passaram por algum transplante de órgão. Nos três meses seguintes, a produção do imunossupressor continuou substancial queda (>30%). No mesmo período, enquanto sobrava cloroquina, faltava micofenolato de sódio (360 mg) em pelo menos 14 estados do Brasil e no Distrito Federal, segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). No Brasil, são cerca de 80 mil pessoas que dependem do remédio fornecido exclusivamente pelo Exército ao SUS para que o órgão transplantado não seja rejeitado pelo organismo. E tudo isso sob ciência do governo federal, incluindo o Ministério da Saúde.

E, mais recentemente, foram revelados pela Folha de S. Paulo (Ref.7) telegramas mostrando que o ex-chanceler Ernesto Araújo - um dos maiores pilares ideológicos do governo Bolsonaro - empenhou-se mais para usar o Itamaraty na busca de grandes estoques de hidroxicloroquina do que para a compra de vacinas contra a COVID-19, e isso mesmo após alertas de especialistas sobre a eficácia não comprovada e preocupantes efeitos colaterais, e a interrupção dos testes clínicos com o fármaco pela OMS. 

Na CPI da COVID-19, o primeiro convocado a ser questionado e ouvido pela comissão, o ex-Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandeta, disse que em abril do ano passado Bolsonaro declarou: "Vamos contaminar logo todo mundo de uma vez." E essa declaração corrobora uma lista de outras declarações bem conhecidas do presidente:

É só uma gripezinha.”

Essa é uma realidade, o vírus tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra, não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós iremos morrer um dia.”

O vírus é como chuva. Vai molhar 70% de vocês. Isso ninguém contesta. E toda nação vai ficar livre de pandemia depois que 70% for infectado e conseguir os anticorpos. Ponto final. Agora, desses 70%, uma pequena parte, que são os idosos  e que têm planos de saúde, vai ter [sic] problemas sérios”

Tem que deixar de ser um país de maricas. [...] Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio, pô. Lamento os mortos, lamento, mas todos nós vamos morrer um dia. Aqui, todo mundo vai morrer.”

Eu tive a melhor vacina, foi o vírus. Sem efeito colateral [atacando as vacinas e incentivando novamente a infecção pelo vírus].”

VÁRIAS das ações e atitudes do governo Bolsonaro foram nesse sentido, inflamadas pelos seus asseclas altamente influentes nas redes sociais, como Carla Zambelli (PSL-SP), seus filhos, Malafaia, Carlos Jordy (PSL-RJ), entre outros. A ordem era incentivar o maior número possível de pessoas a voltarem para a rotina normal, fomentando a exposição ao vírus.

Testagem estratégica seguida de isolamento de casos, uso universal de máscaras, incentivo ao distanciamento social, máxima coordenação entre os entres federativos para um melhor uso e controle dos recursos repassados... tudo isso que funcionou tão bem para países como a China, Nova Zelândia, entre outros,  foi sistematicamente ignorado pelo governo Bolsonaro. Milhões de testes de PCR estavam sendo deixados mofando, negociações de vacinas foram sabotadas e a insistência na "falsa cura medicamentosa" continuou, mesmo com o agravamento da pandemia.

Quando a pandemia este ano atingiu um novo ápice fomentado pelo consciente descaso do governo federal e brigas entre os entes federativos protagonizadas pelo presidente, um real lockdown a nível nacional - o qual NUNCA foi realizado no Brasil nem a nível estadual por causa principalmente da tóxica narrativa Bolsonarista que permeia as redes sociais - passou a ser recomendado pela comunidade científica. Nesse momento, o governo Bolsonaro passou a atacar com mais veemência esse protocolo de mitigação epidêmica, usando-o inclusive como um bode expiatório para a trágica situação no Brasil, mesmo essa narrativa não fazendo o menor sentido.

Esse é o real crime do qual o governo Bolsonaro deve ser acusado, especialmente do presidente: promover políticas visando a disseminação do vírus, tratando com descaso as vidas que seriam perdidas nesse processo e o eventual colapso do sistema de saúde. O objetivo único era manter a economia e garantir bons números para eleição presidencial que se aproxima. Martelando uma distorcida narrativa de separação entre economia e saúde pública, o objetivo era "acabar" com a epidemia da forma mais barata e prática possível, apostando em um tática medieval similar aos eventos pandêmicos que assolaram a Europa do século XIV. Interesse tardio do governo Bolsonaro nas vacinas só veio por causa de uma disputa política com o governo de São Paulo.

O Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) e a Conectas Direitos Humanos - uma das mais respeitadas organizações de justiça da América Latina - publicaram em janeiro deste ano um estudo que analisou 3049 normas federais produzidas em 2020, concluindo (Ref.2): "Nossa pesquisa revelou a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República". Segundo apontou o estudo, "há intenção, há plano e há ação sistemática nas normas do Governo e nas manifestações de Bolsonaro".

Na Índia aconteceu algo similar: visando popularidade para as eleições, o governo Indiano ignorou os cientistas do país e a comunidade científica internacional e deixou grandes aglomerações festivas e religiosas ocorrerem, deflagrando uma explosão epidêmica e um verdadeiro caos. Esta semana o grupo Nature (Ref.3) - o maior periódico científico do mundo - inclusive publicou uma matéria abordando justamente o desastre que ocorreu no Brasil e na Índia, realçando o que ocorre quando governos deixam de lado a ciência para o atendimento de bandeiras políticas.

Aliás, a Índia e seu vizinho China são quase como um experimento científico: ambos com populações absurdas e em uma região global próxima, sendo submetidos a políticas de enfrentamento epidêmico opostas (rígido controle e completo descaso), gerando resultados opostos e esperados.

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A comunidade científica é clara: epidemias e pandemias devem ser controladas de forma preventiva, e não via seleção natural onde os mais suscetíveis à infecção e suas consequências clínicas são jogados no fogo. Na ausência de vacinas, é aplicar enfaticamente medidas profiláticas não-farmacológicas efetivas até a chegada e aplicação em massa dos imunizantes. Agir conscientemente para disseminar um patógeno potencialmente mortal é um CRIME CONTRA A HUMANIDADE. Além disso, não sabemos como um novo vírus ou outro tipo de patógeno infeccioso vai evoluir em meio a uma disseminação descontrolada, não sabemos os potenciais reservatórios naturais que isso vai criar (fomentando mais divergências evolutivas preocupantes) e não sabemos as consequências a longo prazo das infecções resultantes. 

E, de fato, já estamos vendo várias novas variantes de preocupação já circulando, dominando o cenário pandêmico e ameaçando a eficácia das vacinas. Estamos vendo cada vez mais pacientes jovens hospitalizados e morrendo. Estamos cada vez mais vendo graves efeitos da COVID-19 longa. Um robusto estudo publicado recentemente na Nature  (Ref.4) trouxe evidência de que pacientes com COVID-19 possuem risco aumentado de morte de até 60% dentro de seis meses após a recuperação.

A CPI da COVID-19 não está 'buscando' ou 'criando' provas para condenar o presidente Bolsonaro e seu governo. Apenas está tornando oficial o que já é óbvio publicamente e cientificamente.


> Sugestão de podcast sobre o temahttps://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2021/05/10/o-assunto-448-a-miragem-mortal-da-imunidade-coletiva.ghtml


REFERÊNCIAS

  1. https://www.poder360.com.br/coronavirus/governo-foi-alertado-em-maio-para-falta-de-medicamentos-mas-priorizou-cloroquina/
  2. https://www.conectas.org/wp/wp-content/uploads/2021/01/Boletim_Direitos-na-Pandemia_ed_10.pdf
  3. https://www.nature.com/articles/d41586-021-01166-w 
  4. https://www.saberatualizadonews.com/2021/04/pacientes-com-covid-19-enfrentam-um.html 
  5. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54902608
  6. https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2021/05/10/exercito-reduziu-producao-de-medicamento-para-transplantados-enquanto-fabricava-cloroquina.ghtml
  7. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/cpi-da-covid-quer-investigar-acao-de-ernesto-pro-cloroquina-no-itamaraty.shtml
  8. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/12/23/eu-tive-a-melhor-vacina-o-virus-diz-bolsonaro.htm