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O que é a Síndrome da Cabeça Explodindo?

 

          Um homem de 48 anos de idade apresentou-se a um hospital na cidade de Calcutta, Índia, com um histórico de vários meses experienciando ataques na forma de uma sensação peculiar e assustadora na cabeça ligada ao barulho de uma 'bomba explodindo' quando ia dormir, e em uma frequência de três a quatro vezes por mês. A 'explosão' acordava o paciente e desaparecia completamente no momento que ele despertava. Não havia dores de cabeça e nenhum sintoma associado como náusea, vômito ou qualquer sensação visual. Pelos últimos 3 meses, a frequência dessas sensações tinham aumentado e já estavam ocorrendo quase diariamente na época da consulta médica. O barulho ocorria apenas uma vez durante cada noite, após a qual ele podia ir dormir sem outros distúrbios.

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          Seu histórico médico não tinha nada notável e ele nunca sofreu de qualquer significativo problema de dor de cabeça. Exames físico e neurológico também não resultaram em nada notável. Imagem por ressonância magnética (IRM) com contraste também estava normal.

           O paciente foi diagnosticado com Síndrome da Cabeça Explodindo. Nesse sentido, seu médico prescreveu flunarizina (10 mg/dia), um fármaco tipicamente usado para o tratamento de cefaleias. Após 6 meses de acompanhamento, o paciente tinha melhorado muito e reportou os sintomas sonoros de 'explosão' na cabeça em apenas duas ocasiões.

          O caso foi reportado e descrito em 2008 no periódico Cephalalgia (Ref.1). 


   SÍNDROME DA CABEÇA EXPLODINDO

           A síndrome da cabeça explodindo (ou choque sensorial cranial) é uma experiência anômala do sono (parassonia) caracterizada pela percepção sonora de barulhos bem altos (ex.: lembrando uma explosão ou um tiro de arma de fogo) na cabeça de um indivíduo indo dormir (transição despertar-sono) ou próximo de acordar (transição sono-despertar). Apesar de não ser uma regra estrita a percepção sonora de barulhos muito altos, esses barulhos possuem sempre uma breve duração e, ocasionalmente, são acompanhados pela sensação de um flash de luz ou de estática visual, sensação de intenso calor, e/ou de sensações epigástricas e precordiais. Como regra geral, a experiência sonora não envolve a sensação de dor, apesar do indivíduo afetado ficar frequentemente bastante preocupado com possíveis danos cerebrais devido à violência da experiência sonora.

           Embora o fenômeno ainda receba relativa pouca atenção da comunidade científica e médica, estudos têm sugerido que aproximadamente 10-15% da população mundial já experienciou essa parassonia. Um estudo publicado em 2019 no periódico Sleep (Ref.4) analisando dois grupos amostrais  englobando quase 1,9 mil participantes, encontrou uma prevalência de 29-37% de pelo menos um episódio ao longo da vida da síndrome da cabeça explodindo (SCE), e de 3,9-6,5% para pelo menos um episódio mensal. Já em um estudo publicado em 2020 no periódico Journal of Sleep Research (Ref.5), analisando 135 participantes (adultos jovens, média de ~22 anos de idade), pesquisadores encontraram uma prevalência de pelo menos um episódio ao longo da vida de 20%.

           Mesmo a SCE tendo já sido reportada em pacientes tão novos quanto 10 anos de idade, a idade de manifestação da condição é geralmente após os 50 anos, afetando levemente mais os indivíduos do sexo feminino. É válido mencionar que essa aparente maior prevalência em idades avançadas reportada na literatura acadêmica pode ser em parte devido ao maior reporte dos sintomas por indivíduos em faixas de idade onde problemas de saúde mental começam a preocupar mais.

          E apesar dos ataques em si serem benignos e não estarem geralmente associados a sensações de dor - raramente pode existir leve dor associada -, tem sido reportado que esses ataques podem preceder uma enxaqueca como auras. Além disso, como a experiência sonora é percebida geralmente como violenta, o afetado acorda abruptamente com uma sensação de medo, confusão e grande estresse. Nesse sentido, formas crônicas da SCE podem levar a problemas psicológicos no paciente e mesmo insônia. Por exemplo, um estudo publicado este ano no periódico Frontiers in Psychiatry (Ref.7) reportou o caso de uma mulher de 62 anos que passou a ter múltiplos episódios de SCE por noite, levando a um forte medo de dormir e ao desenvolvimento de ataques de pânico.  

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           Incluída na Classificação Internacional de Transtornos do Sono, 3° Edição (ICSD-3), a SCE foi primeiro descrita na literatura acadêmica em 1920 e oficialmente nomeada em 1989. Existem várias diferentes descrições para os barulhos percebidos, os quais incluem o sons de uma explosão, tiro de arma de fogo, batida de porta, rugido, ondas se chocando contra rochas, vozes altas, barulho de despertador, buzina elétrica, entre outros. Após o indivíduo despertar abruptamente, o barulho desaparece. Os ataques podem ocorrer com frequências variáveis, desde diariamente até mensalmente, e mesmo múltiplas vezes em uma única noite. Essa frequência muitas vezes pode evoluir com o tempo em um mesmo indivíduo afetado. A duração pode ser de poucas semanas até meses. 


   CAUSA E FATORES DE RISCO

           A exata fisiopatologia da SCE é ainda desconhecida. No entanto, múltiplas hipóteses já foram propostas. Primeiro, uma variedade de disfunções associadas ao ouvido, como perturbações dos componentes do ouvido médio ou do tubo de Eustáquio, rupturas da membrana labirintina, e fístulas perilinfáticas. Segundo, uma breve convulsão do complexo parcial lobo temporal. Terceiro, efeito colateral da abstinência de medicamentos, como benzodiazepinas e serotonina seletiva. Quarto, tem sido sugerido que a SCE pode ocorrer por causa de uma disfunção transiente dos canais de cálcio. E um caso reportado e descrito em 2020 estava aparentemente associado com o consumo recreativo de maconha (Ref.8).

           Porém, a hipótese mais popular é baseada em disfunção neuronal do tronco cerebral durante a transição do estado despertado para o estado de sono. Especificamente, durante essa transição, várias áreas do tronco cerebral e da formação reticular reduzem suas atividades, o que normalmente resulta no desligamento de várias partes dos hemisférios cerebrais (ex.: motora, visual e auditória). Atrasos nesse desligamento são pensados de ocorrerem durante a SCE, resultando em um proeminente estouro da atividade neuronal percebido como barulhos ensurdecedores, flashes de luz, entre outras manifestações. Por outro lado, é bem estabelecido que a SCE não ocorre somente na transição despertar-sono - apesar desta ser a mais frequentemente associada à condição -, o que torna essa hipótese incompleta.

          Somando-se a isso, um estudo de 2020 (Ref.9) reportou que pacientes com SCE exibem atividade oscilatória adicional no cérebro - registrada via polissonografia - durante o estado despertado e nos períodos de transição sono/despertar. Isso sugere que processamento de atenção aberrante pode levar à amplificação e modulação de estímulos sensoriais externos, causando as manifestações sonoras e visuais da SCE.

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           Além da idade e do sexo, não são conhecidos significativos fatores de risco para a SCE, e má qualidade de sono, estresse, depressão e ansiedade não estão necessariamente associados com o fenômeno. Existe, porém, suficiente evidência fortemente sugerindo que deitar de barriga para cima (supino) para dormir parece ser um fator que favorece a ocorrência da SCE (Ref.10). A SCE também parece co-ocorrer frequentemente com outras parassonias, como paralisia do sono (!), alucinações hipnagógicas, entre outras (Ref.10-11).

(!) Leitura recomendadaO que é a aterrorizante Paralisia do Sono?


   TRATAMENTO

           Não existem tratamentos bem estabelecidos visando a SCE, apenas relatos de casos, experiências clínicas e reportes anedóticos. Como é uma condição benigna, intervenção farmacológica é frequentemente não necessária, e, em muitos casos, orientações para uma melhor qualidade de sono e garantia pelo profissional de saúde de que o fenômeno não está ligado a problemas de saúde mais graves são suficientes para substanciais melhoras. No caso de indivíduos muito estressados pela SCE (ex.: frequências altas dos ataques), certos medicamentos têm sido positivamente testados sob orientação e acompanhamento médico: clomipramina, flunarizina, nifedipina, anticonvulsivantes, topiramato, carbamazepina, amitriptilina e benzodiazepinas (ex.: clonazepam e clobazam).

           Mais recentemente, pesquisadores reportaram resultados positivos com tratamento diário não-invasivo via estimulação magnética transcraniana de pulso-único (sTMS) (Ref.12).


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://journals.sagepub.com/doi/10.1111/j.1468-2982.2007.01522.x 
  2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3573786/ 
  3. https://jcsm.aasm.org/doi/abs/10.5664/jcsm.8790
  4. https://academic.oup.com/sleep/article/42/2/zsy216/5245405
  5. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/jsr.13044
  6. https://www.anncaserep.com/pdfs_folder/accr-v4-id1658.pdf
  7. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33551876/
  8. https://academic.oup.com/sleep/article-abstract/43/Supplement_1/A472/5846843
  9. https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0333102420902705
  10. https://www.karger.com/Article/Fulltext/509344
  11. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK560817/
  12. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/ene.14747