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Evolução insular: O que é a Regra de Ilha?


- Atualizado no dia 22 de maio de 2023 -

           Essa é uma antiga hipótese em Ecologia Evolucionária: espécies de animais em ilhas possuem a tendência de se tornarem dramaticamente maiores ou menores em relação aos seus ancestrais ou parentes evolutivos mais próximos no continente. Talvez o exemplo mais notável seja uma peculiar espécie de humano arcaico apelidada de Hobbit e cujos membros - isolados na Ilha de Flores, Indonésia - não ultrapassavam 1 metro de altura quando adultos. Desde a formação dessa hipótese-teoria, a chamada "regra de ilha" tem sido fervorosamente debatida no meio acadêmico. Apenas em 2021, em um estudo publicado em 2021 no periódico Nature Ecology and Evolution (1), pesquisadores finalmente resolveram o debate ao analisar milhares de espécies de vertebrados terrestres. Trazendo sólido suporte para a regra da ilha, eles mostraram que os efeitos insulares de gigantismo e de nanismo são amplamente disseminados e explicam de forma consistente os padrões de tamanho corporal em mamíferos, aves e répteis, apesar de menos evidentes em anfíbios (!).

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(!) ATUALIZAÇÃO: Aparentemente a regra da ilha não é aplicável aos morcegos, talvez por limitações impostas pela manutenção do voo nesses animais e pelo sistema de caça e de orientação baseado em ecolocalização (Ref.13). A alta capacidade de voo também permite fluxo genético com outras populações distantes de morcegos, reduzindo o isolamento evolutivo.
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   REGRA DA ILHA

            Desde pombos gigantes até elefantes anões, o ambiente insular (de ilhas) é bem estabelecido de gerar "anomalias" evolucionárias. O padrão insular clássico tanto de gigantismo de animais tipicamente pequenos quanto de encolhimento de animais tipicamente grandes em relação aos parentes evolutivos no continente tem sido descrito como uma regra macro-evolucionária ou biogeográfica - a "regra da ilha", formulada pela primeira vez em 1973, por Leigh van Valen, baseado nos trabalhos do especialista em mamíferos J. Bristol Foster em 1964.

           No entanto, estudos explorando os efeitos de ilha sobre a morfologia de vertebrados têm trazido evidências conflitantes relativas à generalização da regra, sugerindo que o tamanho corporal é frequentemente muito menos previsível e pode apenas seguir a regra de ilha em relativos poucos clados, como carnívoros, ungulados e certas linhagens de roedores. E, mesmo nesses casos, os mecanismos fomentando esses padrões de gigantismo e de nanismo não são totalmente esclarecidos.


A tartaruga-gigante-de-galápagos (Chelonoidis nigra) é outro exemplo de gigantismo insular de uma espécie não-extinta. Nativa das ilhas de Galápagos, é a maior espécie de tartaruga terrestre, podendo alcançar um comprimento de até 1,1 m e uma massa corporal de até 200 kg (Ref.11). Devido a um período de 400 anos de exploração humana do arquipélago de Galápagos (caça e introdução de espécies exóticas), é estimado que aproximadamente 200 mil tartarugas morreram nessa região, levando à extinção pelo menos três subespécies de C. nigra (Ref.12).

          Na Ilha de Chipre, no Mar Mediterrâneo, hipopótamos encolheram até o tamanho de leões-marinhos. Em ilhas com recursos finitos e com ausência de predadores, grandes mamíferos endotérmicos como o mamute da espécie Mammuthus columbi encolheu para um tamanho cerca de 5 vezes menor na forma da espécie Mammuthus exilis. Em Flores, elefantes extintos (Stegodon) não ultrapassavam a massa de porcos para engorda, mas ratos cresceram para dimensões tão grandes quanto gatos. Aliás, na Ilha de Flores, humanos foram alvos desse efeitos insulares, incluindo populações nativas de humanos modernos (Homo sapiens) com estatura bem baixa até o extremo de uma espécie humana extinta (Homo floresiensis) onde os adultos alcançavam apenas 1 metro de altura. E podemos citar até mesmo espécies voadoras, como o minúsculo beija-flor da espécie Mellisuga helenae, nativa da ilha de Cuba (2).

O elefante-anão da espécie Palaeoloxodon falconeri (~200 kg de massa corporal quando adulto) e o hipopótamo-anão da espécie Hippopotamus minor (~132 kg) são notáveis exemplos de extremo redução de tamanho em ambiente insular. Viveram durante o Pleistoceno Médio. Na ilustração, comparação dessas espécies com seus ancestrais continentais. O P. falconeri habitava a ilha de Sicília durante o Pleistoceno Médio, e machos (~250 kg) eram bem mais massivos do que as fêmeas (~150 kg) (Ref.3). O H. minor habitou a ilha de Chipre durante o Pleistoceno Tardio, e possui proximidade evolutiva com o hipopótamo-comum (Hippopotamus amphibius) - divergência há cerca de ~1,5 milhão de anos (Ref.4).

As Aves-Elefantes (família Aepyornithidae), espécies extintas de aves não-voadoras que habitaram a ilha de Madagascar, na África, representam as maiores aves conhecidas. Em particular, a espécie Vorombe titan somava quase 650 kg - e alguns vestígios ósseos sugerem recorde de 860 kg! (Ref.5) É estimada uma altura de 3 metros nessa espécie, e ovos com um tamanho limite previsto para aves e somando ~10 kg cada. Outras espécies possuíam massa variante de 100 até 400 kg. Essas aves persistiram em Madagascar até cerca de 1000 anos atrás. É sugerido que humanos levaram essas aves à extinção ao explorar os enormes ovos como fonte de alimentação (Ref.6).


A ave extinta da espécie Dinornis robustus, também conhecida como moa-gigante-da-Ilha-Sul, é uma ave gigante que habitava a Ilha Sul da Nova Zelândia. Fêmeas somavam uma massa corporal de até 250 kg e altura de até 2 metros; a espécie Dinornis novaezealandiae habitava a Ilha Norte e também exibia um porte exagerado (massa corporal em torno de 138 kg) (Ref.7). Pelo meno nove espécies de moa [Ordem Dinornithiformes] são conhecidas e todas extintas desde o estabelecimento de humanos na Nova Zelândia no século XIII (Ref.8). Na ausência de mamíferos predadores terrestres, ancestrais voadores dos moas colonizaram as ilhas da Nova Zelândia há cerca de 58 milhões de anos, perderam eventualmente a capacidade de voar e se tornaram gigantes. Na ilustração, três espécies de moa (de cima para baixo): Dinornis robustus, Emeus crassus e Anomalopteryx didiformis. Arte: Gabriel N. U. (@SerpenIllus)

O lagomorfo da espécie Nuralagus rex era um leporídeo gigante - ou seja, pertencente à mesma família dos coelhos e lebres - que habitou a Ilha de Minorca, na Espanha. Esse enorme coelho possuía uma massa média estimada de 12 kg (Ref.9). Na imagem, reconstrução do N. rex e comparação com um típico coelho-europeu (Oryctolagus cuniculus) - esse último com uma massa corporal variando de 1,5 até 2,5 kg (Ref.10). Viveu durante o período do Neogeno Tardio.

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(1) Para mais informações sobre o Hobbit e outros povos nativos de baixa estatura, acesse: Por que os Pigmeus e os Peruvianos são tão pequenos?

(2) Para mais informações: Qual é a menor ave do mundo?

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          Múltiplos mecanismos já foram propostos para explicar a regra de ilha, incluindo predação reduzida, competição relaxada e limitação de recursos alimentares em ambientes insulares. Em teoria, cada um desses fatores podem ser acentuados em ilhas menores e mais isoladas, onde menores níveis de competição e de predação podem levar a uma 'liberação ecológica', permitindo que espécies de pequeno porte aumentem substancialmente suas dimensões corporais. De forma similar, entre espécies de grandes dimensões corporais, pressão reduzida de predação e limitada disponibilidade de recursos pode selecionar para menores tamanhos corporais requerendo reduzido consumo energético. Condições climáticas podem também influenciar a evolução do tamanho corporal, já que a produtividade primária e associada disponibilidade de recursos são fortemente influencias pelo clima.

           Historicamente, os efeitos desses diferentes mecanismos têm sido raramente testados sobre a evolução das dimensões corporais em ilhas, em parte porque os trabalhos tipicamente focam em escalas geográficas e taxonômicas relativamente restritas, gerando resultados muito heterogêneos e difíceis de serem sintetizados em um padrão geral, mesmo por revisões sistemáticas.

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   META-ANÁLISE CONCLUSIVA

            No estudo de 2021, os pesquisadores resolveram esclarecer melhor essa questão, realizando uma robusta meta-análise filogenética de dados reunidos de múltiplos estudos relativos a 1166 espécies habitantes de ilhas e de 886 das suas contrapartes continentais. Os dados reunidos e analisados foram derivados tanto de estudos investigando os efeitos de ilha na evolução dessas espécies quanto de estudos sobre aspectos ecológicos, evolutivos e morfológicos gerais dessas espécies, incluindo espécimes de museus.

           Os resultados da meta-análise confirmaram a consistência da regra de ilha em mamíferos, répteis e aves. Mudanças no tamanho corporal dos efeitos insulares foram mais extremos para mamíferos e répteis vivendo em ilhas de menores dimensões e mais remotas. No entanto, para o caso dos anfíbios, os resultados foram menos conclusivos, mas indicando uma tendência geral de aumento da massa corporal (gigantismo).

          Além disso, os pesquisadores encontraram que fatores climáticos e sazonais influenciam de forma significativa na regra de ilha. Pequenos mamíferos e aves aumentam de tamanho ou permanecem do mesmo tamanho para conservar calor (energia térmica) em ambientes insulares muito frios e de mais difícil sobrevivência. Além disso, quando estações do ano bem definidas estão presentes no ambiente insular, a disponibilidade de recursos se torna menos previsível, levando espécies menores de répteis a se tornarem maiores - permitindo a manutenção de fartas reservas energéticas (gordura) durante períodos de baixa oferta de alimentos. Esse mecanismo de resistência à fome também parece estar presente em aves, mamíferos e pode explicar o gigantismo em anfíbios habitando ilhas. 

           Para exemplificar, devido à falta de predadores naturais no arquipélago Escocês de São Kilda, o rato da subespécie Apodemus sylvaticus hirtensis evoluiu uma massa corporal (50-70 g) duas vezes maior do que a espécie (A. sylvaticus) endêmica da Escócia (porção "continental"). Com uma massa corporal maior, o rato permite o acúmulo de uma maior reserva de gordura e uma maior conservação do calor corporal em meio ao clima mais frio de São Kilda.

 


           Em conjunto, os resultados realçaram não apenas a validade, como a natureza contexto-dependente da regra de ilha, onde características fisiográficas, climáticas e ecológicas atuam de forma fundamental na evolução do tamanho corporal, reforçando a ideia de que padrões macro-evolucionários de larga escala não emergem a partir de mecanismos únicos, mas frequentemente são o resultado de múltiplos processos agindo em consonância.


REFERÊNCIAS

  1. Benítez-López et al. (2021). The island rule explains consistent patterns of body size evolution in terrestrial vertebrates. Nature Ecology & Evolution 5, 768–786. https://doi.org/10.1038/s41559-021-01426-y
  2. Lyras, G. A. (2019). Brain Changes during Phyletic Dwarfing in Elephants and Hippos. Brain, Behavior and Evolution, 92 (3-4): 167–181. https://doi.org/10.1159/000497268
  3. https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08912963.2019.1617289
  4. Psonis et al. (2021). Mitochondrial sequences of the extinct Cypriot pygmy hippopotamus confirm its phylogenetic placement. Zoological Journal of the Linnean Society, Volume 196, Issue 3. https://doi.org/10.1093/zoolinnean/zlab089
  5. Hansford & Turvey (2018). Unexpected diversity within the extinct elephant birds (Aves: Aepyornithidae) and a new identity for the world's largest bird. Royal Society Open Science, Volume 5, Issue 9.  https://doi.org/10.1098/rsos.181295
  6. Maderspacher, F. (2022). Flightless birds. Current Biology, Volume 32, Issue 20, Pages R1155-R1162. https://doi.org/10.1016/j.cub.2022.09.039
  7. Lomolino et al. (2021). Geographic and ecological segregation in an extinct guild of flightless birds: New Zealand’s moa. Frontiers of Biogeography, Volume 13, Issue 4. https://doi.org/10.21425/F5FBG53416
  8. https://www.nature.com/articles/hdy201548
  9. Quintana et al. (2011). Nuralagus rex, gen. et sp. nov., an endemic insular giant rabbit from the Neogene of Minorca (Balearic Islands, Spain). Journal of Vertebrate Paleontology, 31(2), 231–240. https://doi.org/10.1080/02724634.2011.550367
  10. https://animaldiversity.org/accounts/Oryctolagus_cuniculus/
  11. https://animaldiversity.org/accounts/Chelonoidis_nigra/
  12. https://www.nature.com/articles/s41598-022-26631-y
  13. Molinari, J. (2023). A global assessment of the ‘island rule’ in bats based on functionally distinct measures of body size. Journal of Biogeography. https://doi.org/10.1111/jbi.14624