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Homem de 45 anos infectado pelo vírus da ORF

 
          Um homem de 45 anos apresentou-se ao departamento de emergência com uma crescente e grande lesão sobre o dedão esquerdo. A lesão primeiro tinha se manifestado como uma pápula semelhante a um alvo 2 semanas antes (Imagem A) e progressivamente se expandiu (Imagem B) sem dor associada ou déficits sensoriais. Ele reportou que 3 semanas antes ele teve contato direto com ovelhas e tinha lidado com carne em uma fazenda. Exame médico mostrou um nódulo edematoso e escurecido sobre a superfície dorsal do dedão esquerdo (Imagem C). A camada externa da lesão foi então removida pelos profissionais de saúde; culturas bacterianas, micobacterianas e fúngicas de amostras da lesão foram estão realizadas e deram negativo.

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          O histórico clínico de um nódulo em progressiva evolução, testes negativos para bactérias e fungos, e contato direto com ovelhas apontaram para o diagnóstico de infecção cutânea pelo Parapoxvirus ovis (PPVO), também conhecido como vírus da ORF (ORFV). O PPVO causa infecção oral em ovelhas e bodes e pode ser transmitido para humanos através de contato direto. A doença (ectima contagioso)  tipicamente progride de uma pápula em forma de alvo para um nódulo mais inchado e cheio de líquido, o qual subsequentemente seca e se resolve sem necessidade de tratamento além de simples cuidados de higiene com a ferida. 

           No paciente em questão, a lesão descapada se tornou menos edematosa (Imagem D) e subsequentemente achatou-se e secou ao longo das próximas 3 semanas (Imagem E). Nos seis meses seguintes após a emergência da lesão, o dedão do paciente foi completamente curado (Imagem F), com apenas leve sensibilidade cutânea residual.


   VÍRUS DA OVELHA

          O Parapoxvirus ovis (PPVO) ou vírus da ORF (ORFV) é o agente do ectima contagioso (ou ORF), uma enfermidade mucocutânea que afeta principalmente ovinos e caprinos. O ORFV pertence à família Poxviridae, subfamília Chordopoxvirinae e gênero Parapoxvirus. Os vírions possuem envelope e o genoma consiste de uma molécula de DNA linear e de fita dupla, com aproximadamente 138 quilobases (kb) e contém pelo menos 131 genes.


          Esse vírus causa uma enfermidade zoonótica de caráter ocupacional, acometendo mais comumente os cuidadores dos ovinos. As infecções acidentais, além de poderem acometer os humanos, também podem infectar bovinos, caninos, felinos e animais silvestres. O vírus da ORF está mundialmente distribuído. O primeiro caso em ovelhas foi descrito em 1787 e, em humanos, 1934. É uma enfermidade viral, que causa lesões crostosas e proliferativas na pele e nas junções mucocutâneas.

          O PPVO geralmente infecta regiões danificadas ou cicatrizadas da pele, inicialmente se replicando em queratinócitos se regenerando imediatamente abaixo do estrato córneo (camada mais superficial da pele), antes de se espalhar lateralmente no epitélio adjacente. Proteínas codificadas pelo vírus (fatores de virulência imunomodulatórios) produzem incrustações proliferativas e pustulosas sobre os lábios, narinas e membranas mucosas da cavidade oral e dos orifícios urogenitais de animais infectados.

           A doença em humanos é geralmente caracterizada pelo desenvolvimento de uma lesão solitária localizada sobre as mãos, braços ou rosto. A lesão inicialmente é maculopapular ou pustulosa e progride para um nódulo proliferativo com umbilicação central. Ocasionalmente, vários nódulos estão presentes, cada um medindo até 3 cm em diâmetro e persistindo por 3-6 semanas, seguido por regressão espontânea com mínima cicatrização residual. Adenite regional é incomum, e progressão para uma doença generalizada é considerado um raro evento.

           Não existe um tratamento específico para as lesões geradas, mas é preciso tratá-las com práticas antissépticas gerais para prevenir infecções bacterianas secundárias. Médicos frequentemente prescrevem um antibiótico tópico com fim profilático. Em caso de dor, febre ou expansão muito rápida da ferida, busca imediata a um atendimento médico é recomendada. A preocupação aumenta em pacientes imunossuprimidos ou imunodeprimidos (ex.: infecção com HIV, terapia para câncer, etc.).

           As infecções com o vírus da ORF não geram imunidade duradoura, e uma pessoa pode ser infectada múltiplas vezes ao longo da vida, mas infecções subsequentes podem ser menos pronunciadas e podem se curar mais rapidamente. 

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           A transmissão para humanos é via contato direto com cicatrizes e secreções de lesões infectadas pelo vírus, incluindo mordidas. Lesões externas não são sempre rapidamente aparentes. Transmissão desse vírus por superfícies ou objetos contaminados também é possível devido à persistência estendida de partículas virais viáveis no ambiente. Essa persistência é possível através de uma estrutura de envelope duplo extracelular que engloba e protege vários vírions infecciosos individuais. Apesar do vírus requerer uma abertura na pele para entrar, casos raros de transmissão entre humanos já foram registrados.

           Em um estudo publicado em 2016 no periódico Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia (Ref.5), analisando 42 cuidadores de animais e 444 ovinos na região rural de São Paulo, encontrou a presença do vírus em 67% dos ovinos e em 76% dos cuidadores, sem diferença estatisticamente significativa entre as espécies de ovinos. Entre os cuidadores, 32 deles apresentaram substancial nível de anticorpos PPVO-específicos. Nas ovelhas ao redor do mundo, a prevalência estimada é de 15% (Ref.6).

          Para o controle e prevenção, pessoas lidando com ovinos e outros animais de criação devem usar luvas e lavar as mãos, assim como realizar a limpeza de roupas e desinfetar botas após o contato com animais potencialmente infectados, especialmente ovelhas. Existem vacinas com o vírus atenuado para aplicação veterinária.

           Diagnóstico geralmente é feito com exame físico e histórico de exposição do paciente, mas uma biópsia da lesão é o padrão ouro de confirmação da infecção; nesse caso, o vírus pode ser identificado via análise direta de amostras das lesões frescas com um microscópio eletrônico. Apesar de nem sempre disponível, exame de PCR pode ser utilizado e com alta sensibilidade.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMicm2029641
  2. http://repositorio.ufsm.br/handle/1/14083
  3. https://www.cdc.gov/poxvirus/orf-virus/people.html
  4. https://www.sciencedirect.com/topics/biochemistry-genetics-and-molecular-biology/orf-virus
  5. https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-09352016000601523
  6. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK562191/
  7. https://www.hindawi.com/journals/crivem/2013/210854/fig7/