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Alto índice glicêmico está também associado com maior risco de doenças cardiovasculares


          Dietas ficando cada vez mais populares são aquelas que buscam reduzir ao máximo o índice glicêmico e a carga glicêmica da alimentação, especialmente via redução do consumo de carboidratos. Apesar de ser uma estratégia controversa para o emagrecimento (1), reduzir o índice glicêmico das refeições é uma intervenção alimentar bem estabelecida no sentido de efetivamente ajudar a reduzir o risco de desenvolvimento de resistência à insulina, síndrome metabólica e diabetes Tipo 2. Outro benefício de uma dieta com baixo índice glicêmico e baixa carga glicêmica fortemente sugerido pela literatura acadêmica é a redução de riscos para doenças cardiovasculares. Agora, um robusto estudo observacional publicado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.1) reforçou a evidência associando carga glicêmica e, principalmente, índice glicêmico com doença cardiovascular.  

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   GLICEMIA E DANOS CARDIOVASCULARES

          Preocupação sobre os efeitos à saúde de alimentos e bebidas com carboidrato de baixa qualidade tem aumentado a popularidade das chamadas 'dietas low-carb'. Alimentos com carboidrato de baixa qualidade incluem aqueles que contêm uma baixa quantidade de fibra, uma maior porcentagem de grãos refinados do que grãos integrais, e um maior índice glicêmico (uma medida de quanto 50 gramas de carboidrato de um alimento específico aumenta o nível de glicose no sangue). 

         O aparecimento de glicose na circulação sanguínea seguindo a alimentação - a resposta glicêmica - é uma ocorrência fisiológica normal que depende da taxa de entrada da glicose na circulação, a quantidade de glicose absorvida, a taxa de desaparecimento da circulação devido à absorção por tecidos, e a regulação hepática da liberação de glicose (2). Carboidratos com diferentes formas físicas, estruturas químicas, tamanho das partículas e conteúdo de fibras induzem distintos e altamente variáveis níveis de glicose no sangue e respostas na produção de insulina (hormônio secretado pelo pâncreas).

          Existe um amplo consenso sobre a importância de alimentos com grãos integrais e com alta quantidade de fibras para a prevenção de doenças crônicas, especialmente via efeitos positivos no microbioma e nas funções intestinais (3). De fato, o consumo de grãos integrais (ricos também em fibras) é inversamente associado com o risco de mortalidade total e mortalidade por câncer e doenças cardiovasculares (Ref.2). Apesar de vários estudos suportarem o consumo de uma dieta com baixo índice glicêmico na prevenção e no tratamento de diabetes, dados clínicos relativos à associação entre uma dieta com um baixo índice glicêmico e uma redução no risco cardiovascular têm sido menos conclusivos, especialmente por englobarem em maior parte populações ocidentais de países de alta renda.

Para mais informações:


          Alto consumo de carboidratos (alta carga glicêmica) - especialmente a partir de alimentos com alto índice glicêmico - pode causar hiperglicemia (pós-refeição e de longo prazo), esta a qual é um fator de risco fortemente associado para doença cardiovascular, pode aumentar o nível de triacilglicerol no plasma primariamente via síntese hepática de VLDL (lipoproteínas de densidade muito baixa), e pode também reduzir o HDL (lipoproteínas de alta densidade) - popularmente conhecido como 'bom colesterol' -, portanto criando um perfil lipídico prejudicial, e eventualmente aumentando o risco de problemas cardiovasculares. Existe também uma moderada associação positiva entre dieta com alto índice glicêmico e elevada pressão sanguínea, essa última um forte fator de risco para doença cardiovascular (Ref.3).

          Várias revisões sistemáticas e meta-análises de estudos observacionais (retrospectivos e prospectivos) também corroboram a íntima relação entre índice/carga glicêmica e doenças cardiovasculares, especialmente entre mulheres e indivíduos com sobrepeso e obesidade (Ref.4-5). Indivíduos com obesidade e sobrepeso geralmente possuem uma maior resistência à insulina - e frequentemente possuem um quadro de diabetes ou de pré-diabetes -, o que aumenta ainda mais a resposta glicêmica pós-refeição. Aliás, estudos observacionais na população em geral têm mostrado que as concentrações de hemoglobina glicada (HbA1c) e de glicose no sangue são melhores marcadores de risco cardiovascular do que os níveis de HDL ou de colesterol total no sangue. 

          Por outro lado, existem alguns estudos de revisão que colocam em dúvida a real associação entre a resposta glicêmica e doenças em geral, não apenas cardiovasculares (Ref.6-7).

          Doenças cardiovasculares são reconhecidas como a causa número um de morbidade e mortalidade ao redor do globo, com a doença coronária cardíaca sendo o maior contribuinte. É estimado que ~30% do risco de infarto agudo do miocárdio é devido a um padrão não-saudável de dieta.

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   ESTUDO NO NEJM

          Para melhor esclarecer a relação entre índice glicêmico, carga glicêmica e doença cardiovascular e mortalidade, um robusto estudo publicado esta semana no The New England Journal of Medicine analisou de forma prospectiva 137851 participantes entre as idades de 35 e 70 anos vivendo em cinco continentes, e com uma média de acompanhamento de 9,5 anos. Os pesquisadores utilizaram questionários específicos para cada país visando determinar a alimentação padrão dos participantes e estimaram o índice glicêmico e a carga glicêmica com base no consumo de sete categoriais de alimentos ricos em carboidratos.

          Durante o período de observação, foram registradas 8780 mortes e 8252 sérios eventos cardiovasculares. Após um extensivo ajuste para co-variáveis diversas e níveis glicêmicos de consumo alimentar, os pesquisadores encontraram que uma dieta com alto índice glicêmico estava de fato associado com um risco aumentado de sérios eventos cardiovasculares ou morte, tanto em participantes com doença cardiovascular preexistente (51% maior risco) quanto entre participantes sem doença cardiovascular (21% maior risco). Relação positiva significativa em relação à carga glicêmica só foi observada entre participantes com doença cardiovascular prévia. Esse último ponto corrobora o fato de que uma típica dieta não-ocidental fornece ~60% do consumo total de energia na forma de carboidratos, mesmo com alguns países asiáticos possuindo notável alta expectativa e qualidade de vida.

          O novo estudo - cultural e sócio-econômico diverso -, portanto, reforça o alerta contra o consumo de alimentos com alto índice glicêmico.

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   COMO REDUZIR O ÍNDICE GLICÊMICO DA DIETA?

          Os três grupos de macronutrientes energéticos consumidos na alimentação são: carboidratos, proteínas e gorduras (lipídios). Cada um desses macronutrientes possuem distintas respostas glicêmicas após serem consumidos, e uma relação aproximada pode ser generalizada:

  • Carboidratos: 90 a 100% são convertidos em glicose dentro do período de 15 minutos a 2 horas.
  • Proteínas: 35 a 60% são convertidas em glicose, dentro do período de 3 a 4 horas
  • Gorduras: 10% são convertidas em glicose, em períodos superiores a 5 horas

          Portanto, o alto consumo de carboidratos tende a resultar em uma alta concentração de glicose e de resposta da insulina. Porém, a qualidade do carboidrato consumido é tão importante quanto a quantidade. Carboidratos de baixa qualidade (alto índice glicêmico) são rapidamente digeridos e absorvidos, portanto aumentando rapidamente o nível de glicose no sangue e gerando os famosos 'picos de insulina'. Quanto mais lenta a absorção de glicose na corrente sanguínea, menor o índice glicêmico. Valores iguais ou maiores do que 70  representam um alto índice glicêmico, valores moderados ficam na faixa de 56-69, e valores baixos são menores do que 55. Como referência, a ingestão de glicose (C6H12O6) pura é considerado como tendo índice glicêmico de 100. A batata-doce (Ipomoea balatas Poir) possui um índice glicêmico médio de 179. Pão e arroz brancos geralmente alcançam valores de 80-90 até 130.

           Não é necessário eliminar todos os alimentos com um valor muito elevado de índice glicêmico da dieta - especialmente aqueles com alto valor nutritivo - para reduzir substancialmente o índice glicêmico da dieta. Segue algumas recomendações nesse sentido (Ref.8): 

- Adicionar gorduras como óleo de oliva, óleo de sementes tipo-nozes, manteiga no pão branco ou arroz;

- Escolher um arroz integral ou ferventado ao invés de arroz branco processado;

- Incluir fontes de proteínas como uma carne (vaca, frango, peixe, etc.) e ovos quando consumir carboidratos, já que proteínas diminuem o índice glicêmico e promovem a secreção de insulina;

- Incorporar condimentos como canela, vinagre e gengibre em carnes, já que tais acompanhantes alimentares estão associados com a diminuição nos níveis de glicose no sangue;

- Usar grãos grossos (aglomerados, inteiros) ao invés de farinha refinada para a preparação de alimentos, porque quando mais refinado, maior a superfície de contato e mais rápida a digestão e liberação de glicose para ser absorvida; 

- Adicionar legumes e vegetais com alta concentração de fibras, já que as fibras desaceleram a digestão e a absorção de carboidratos.

          Por fim, é importante lembrar que a montagem de uma dieta saudável não pode ser feita apenas com referência no índice glicêmico da dieta. Esse é apenas um fator a ser considerado, principalmente se o objetivo for o emagrecimento (dietas de restrição calórica).


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2007123
  2. https://www.nature.com/articles/ejcn2017149?WT
  3. https://academic.oup.com/ajcn/article/105/5/1176/4569878
  4. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0021915012003383
  5. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2542454819300025
  6. https://academic.oup.com/ajcn/article/110/4/921/5514149
  7. https://www.mdpi.com/2072-6643/10/10/1361
  8. https://www.nature.com/articles/s41387-020-00145-w