Suplemento comumente usado por fisiculturistas estende a longevidade e a saúde
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Nos últimos anos, a ciência médica tem focado com especial atenção na composição da dieta e seus efeitos nos mecanismos fisiológicos e fenótipos associados ao processo de envelhecimento. Não só medicamentos, preparações naturais e exercícios físicos, mas o que comemos possui também o potencial de tratar doenças associadas com o avanço da idade e desacelerar o envelhecimento biológico. Uma dessas apostas nutricionais é o alfacetoglutarato (AKG), cuja suplementação já havia mostrado efeitos positivos de aumento da longevidade de moscas-da-fruta, levedura e de vermes nematoides. O AKG é produzido de forma endógena no corpo dos animais e é crucial para vários processos fisiológicos fundamentais.
Agora, em um estudo publicado no periódico Cell Metabolism (Ref.1), pesquisadores mostraram que além de insetos e vermes, a suplementação com AKG também promove de forma robusta uma longevidade saudável (+40%) e uma modesta mas significativa extensão da longevidade natural (+12%) em ratos - vertebrados e mamíferos muito distantes em termos filogenéticos do que os invertebrados citados e muito próximo evolutivamente dos humanos. Testes clínicos em humanos já estão prontos para serem iniciados, e é provável que também resultem em resultados positivos.
SUPLEMENTO AKG
O alfacetoglutarato (AKG) é um metabólito intermediário crucial no ciclo do ácido tricarboxílico (CAT) e atua de forma essencial no metabolismo energético celular. O AKG é solúvel em água, não-tóxico e altamente estável em soluções aquosas. Nesse sentido, é um dos ingredientes nutricionais comumente presentes em bebidas esportivas, e um componente de testes visando avaliar as funções hepáticas. Durante o metabolismo celular, o AKG produzido pelo ciclo CAT pode ser usado para sintetizar vários aminoácidos.
No metabolismo celular, é impossível utilizar AKG do ciclo TCA na síntese de aminoácidos, e para isso ocorrer, é necessário fornecer AKG como um suplemento alimentar puro. O AKG é melhor absorvido na porção superior do intestino delgado do que na seção distal, com a absorção desse nutriente aumentando em um ambiente de baixo pH, presença de íons Fe2+ e/ou SO42-. O AKG possui um tempo funcional curto no corpo, e a suplementação pode aumentar significativamente os níveis no plasma de hormônios como insulina, hormônio do crescimento e fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1). Todos os derivativos do AKG (ex.: glutamina ou glutamato) são imediatamente convertidos para CO2 durante a passagem através do epitélio intestinal.
No metabolismo celular, o AKG fornece uma importante fonte de glutamina e de glutamato que estimula a síntese proteica, inibe a degradação proteica nos músculos, e constitui um importante combustível metabólico para as células do trato gastrointestinal - no caso da glutamina, esta é uma fonte de energia para todos os tipos de células no organismo. Em conjunto, esse é o motivo do AKG ser tão visado por fisiculturistas. E além de otimizar a construção muscular, o AKG também possui importante papel no metabolismo de colágeno - e existindo evidência de ação em processos que ajudam a prevenir a perda óssea. Quando administrado em animais como porcos, perus, ratos e ovelhas, é observado efeitos positivos no desenvolvimento esquelético e na manutenção da homeostase.
O AKG atua também de forma importante no metabolismo imune geral. Novamente, a glutamina é um combustível essencial para linfócitos, neutrófilos e macrófagos, o que otimiza a atividade dessas células de defesa (suplementação com glutamina também possui o mesmo efeito). O AKG também é um composto antioxidante que exibe um papel vital na neutralização de espécies oxigenadas reativas, além de ser um regulador de processos antioxidativos que ajudam a manter a homeostase do corpo, otimizando a performance de recuperação em vários problemas induzidos por estresse oxidativo, como lesões hepáticas, lesões traumáticas cerebrais e, especialmente, inflamação (Ref.2).
LONGEVIDADE
Mas o efeito da suplementação de AKG mais visado pelos cientistas nos últimos anos é a sua capacidade de estender a longevidade em modelos de animais não-humanos - e também em leveduras (fungos unicelulares). Já foi mostrado que um maior consumo desse nutriente é capaz atrasar o envelhecimento e aumentar em ~50% a expectativa de vida do verme nematoide Caenorhabditis elegans, ao inibir a ATP sintase e o caminho de sinalização TOR, e de uma forma dose-dependente: uma concentração de 8 mM circulante de AKG resultando em máxima extensão de longevidade em vermes selvagens do tipo 2 (Ref.3).
O mesmo efeito de extensão da longevidade é também bem estabelecido em moscas da espécie Drosophila melanogaster, e em ambos os sexos. Em um estudo publicado no periódico Aging (Ref.4), os pesquisadores encontraram que a suplementação com AKG estendeu a expectativa de vida de moscas Drosophila, mas com redução da performance reprodutiva; melhorou a habilidade de escalada em superfícies, mas não protegeu os insetos contra o estresse oxidativo ou aumentou a tolerância à fome; aumentou a resistência ao estresse térmico; e aumentou a expressão de genes codificantes de proteínas de choque térmico (Hsp22 e Hsp70). Além disso, o AKG significativamente up-regulou a expressão de mRNA dos genes cry, FoxO, HNF4, p300, Sirt1 e AMPKα, e down-regulou a expressão dos genes HDAC4, PI3K, TORC, PGC e SREBP. Os efeitos metabólicos da suplementação com AKG incluíram a redução na razão ATP/ADP e um aumento da autofagia. Coletivamente, essas observações indicaram que o AKG estendeu a expectativa de vida das moscas Drosophila ao ativar a sinalização AMPK e via inibição do caminho mTOR, algo similar ao observado no verme C. elegans.
No novo estudo, os pesquisadores novamente demonstraram esses efeitos positivos de longevidade em uma espécie bem mais complexa e evolutivamente divergente: ratos. No estudo - duplo cego e envolvendo dois cohorts (180 ratos analisados no total) -, pesquisadores do Instituto Buck para Pesquisa sobre o Envelhecimento acompanharam dois grupos de ratos (fêmeas e machos) com 18 meses de idade (equivalente a uma idade de 55 anos em humanos): um recebendo uma dieta normal e o outro uma quantidade equivalente a 2% da massa alimentar constituída de AKG (na forma de sal de cálcio, CaAKG), ao longo de 21 meses (até a morte dos roedores estudados). O objetivo era restaurar os níveis de AKG nos ratos sob suplementação em relação aos níveis observados nos ratos mais jovens.
Os ratos que receberam a suplementação com AKG, em ambos os sexos, melhoram a saúde, na média, em 40% quando comparados com o grupo de controle (menor nível de comorbidades comumente deflagradas com o avanço da idade). Além disso, foi observado um significativo aumento da expectativa de vida em ambos os sexos, em torno de 12% (mínimo de +8% e máximo de +16%), especialmente nas fêmeas.
Os ratos que receberam a suplementação com AKG mostraram uma redução sistêmica nos níveis de citocinas e de quimiocinas inflamatórias e uma maior produção de interleucina 10 (IL-10) nas células-T, esta a qual possui propriedades anti-inflamatórias e ajuda a manter a homeostase normal dos tecidos no corpo. A inflamação crônica é um importante fator de envelhecimento biológico, e os resultados do estudo sugerem fortemente que uma supressão da inflamação é a base para a extensão da expectativa de vida e provavelmente de uma melhor saúde ao longo do avanço da idade. E, o mais importante, os pesquisadores não observaram nenhum efeito adverso significativo com a administração crônica do metabólito, reforçando o perfil não-tóxico desse composto.
Diferenças no aspecto físico foram também notáveis entre os dois grupos de animais. A cor e as condições da pelagem nos ratos sob a suplementação com AKG foram dramaticamente melhoradas com o tratamento. Os animais também experienciaram melhoras na postura e na cifose (uma curvatura da espinha frequentemente vista nos idosos). Os ratos também tiveram melhoras na piloereção (!), a qual envolve a contração involuntária de pequenos músculos na base dos folículos capilares, com prejuízos nessa função associados a um maior nível de dor e desconforto no corpo. Os ratos suplementados se saíram melhor na manutenção da massa muscular à medida que envelheciam, tinham melhor força de pegada, menor número de tumores e melhor saúde ocular.
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É bem estabelecido que os níveis de AKG no plasma sanguíneo podem cair até 10 vezes à medida que envelhecemos. Jejum e exercícios físicos - ambas práticas comprovadamente capazes de promover longevidade - aumentam a produção de AKG. Como esse nutriente não é encontrado normalmente na dieta, a suplementação é o único modo prático de restaurar seus níveis no organismo.
Considerando os resultados clínicos acumulados até o momento, a suplementação com AKG pode ser uma válida estratégia para as pessoas de meia-idade melhorarem a qualidade de vida, especialmente considerando uma rotina de treinos esportivos e de musculação.
De fato, um estudo clínico com a AKG envolvendo indivíduos com 45 a 65 anos de idade está sendo planejado no Centro para uma Longevidade Saudável, na Universidade Nacional de Singapura (NUS) (Ref.5). No estudo clínico, os pesquisadores irão avaliar o efeito da suplementação com o metabólito medindo os níveis de inflamação, velocidade de onda de pulso, relógio epigenético, entre outros marcadores de idade biológica.
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- https://www.cell.com/cell-metabolism/fulltext/S1550-4131(20)30417-4
- https:///www.hindawi.com/journals/bmri/2018/3408467
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4703346/
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6629006/
- https://www.sciencemag.org/news/2020/09/bodybuilding-supplement-promotes-healthy-aging-and-extends-life-span-least-mice