Como sangue em cenas de crime é identificado via luminol?
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Clássico em séries e filmes policiais, o luminol é uma das ferramentas forenses mais populares e reconhecidas pelo público quando o assunto é seguir os rastro de sangue. Geralmente, a busca por sangue em uma cena de crime é feita via examinação visual próxima. No entanto, o sangue buscado pode estar presente em quantidades muito pequenas para serem vistas a olho nu, ou o sangue na cena do crime pode ter sido conscientemente 'limpado' antes da chegada da equipe forense no local. Nesse sentido, um conjunto de reações químicas protagonizando o luminol pode ser usado para localizar de forma eficiente evidências mínimas de sangue no ambiente, a partir do fenômeno de quimioluminescência.
SANGUE E FERRO
O sangue é uma mistura fluída responsável pela trocas gasosas, transporte de hormônios e nutrientes, defesa patogênica, homeostase e regulação da pressão osmótica. Esse fluído possui uma porção sólida - composta de corpos como leucócitos, eritrócitos e plaquetas - e uma porção líquida, composta por aproximadamente 90% de água e referida como plasma.
Em específico, os eritrócitos - também conhecidos como células vermelhas ou hemácias - são células anucleadas originadas da medula óssea e constituídas principalmente de uma proteína chamada hemoglobina. A principal função dessa célula é o transporte de gases oxigênio (O2) e dióxido de carbono (CO2). Quando as hemácias estão situadas nos alvéolos pulmonares, esse fenômeno é chamado de hematose, no qual ocorre uma troca de O2 e de CO2. A molécula de CO2 se liga ao grupo heme da hemoglobina e é transportada às células ao longo do corpo em ordem de gerar energia para a manutenção da vida em um processo conhecido como respiração celular.
A molécula de hemoglobina possui uma estrutura tetraédrica formada por quatro cadeias polipeptídicas, duas alfas e duas betas, trazendo associado um grupo heme. Esse grupo heme é formado pela união do anel de porfirina IX, o qual possui quatro átomos de nitrogênio com ligantes livres que interagem com o íon Fe2+ no centro via ligações covalentes simples e coordenadas. Na figura abaixo, essas estruturas moleculares são representadas.
LUMINOL
O luminol (5-amino-2,3-dihidro-1,4-ftalazina-diona), composto primeiro sintetizado em 1908, é um composto orgânico bastante usado na identificação de sangue - apesar de não ser específico ao sangue humano - através da sua interação com o ferro do grupo heme e outros compostos auxiliares. O teste do luminol é baseado em uma reação quimioluminescente (emissão de luz a partir de uma reação química) devido à quebra de uma ligação contendo suficiente energia armazenada. A intensidade da luz emitida varia com o pH, temperatura e concentração de reagentes envolvidos. A emissão luminosa pode cessar se existe uma crítica mudança nesses parâmetros.
A solução de luminol usada no teste forense é sensitiva a ácidos e bases fortes, agentes oxidantes e luz, sendo composta por hidróxido de sódio (NaOH), carbonato de cálcio hidratado (Na2CO3. nH2O), peróxido de hidrogênio (H2O2) e perborato de sódio (NaBO3). Esses componentes são considerados irritantes para os olhos e para as mucusas, por isso é essencial equipamento de proteção para manipulá-la. O pH ideal da solução é alcalino e em torno de 11,5.
O teste requer a aplicação da solução de luminol na mancha de sangue - visível ou não ao olho nu - para provar o resultado, geralmente na forma de borrifos. Quando comparado com os outros testes de detecção de sangue, o luminol mostra uma sensibilidade até 20 vezes maior, tornando mais fácil a detecção inclusive em escala de nanograma. Por essa razão, dependendo da concentração da amostra, o teste de luminol se torna a melhor alternativa para a análise. Além disso, a solução de luminol traz a vantagem de manter a integridade do material genético após a análise.
A emissão de luz é associada com a conversão do 3-aminoftálico para o 3-aminopftalato. Os passos da reação são representados na figura abaixo.
Em solução, o peróxido de hidrogênio oxida o luminol (I) gerando compostos diazoquinona (II) e íons peróxido com a ajuda de um catalisador que, na presença de sangue, é justamente o íon ferro (Fe2+). Devido à sua alta reatividade, a diazoquinona não precisa de um catalisador ou de um agente oxidante, e quando esse composto reage com os íons peróxidos, existe a formação do endoperóxido (III). O endoperóxido, então, perde uma molécula de nitrogênio (N2) em seu estado excitado, formando um 3-amino ftálico (IV). Quando esse estado intermediário decai, em termos de energia, ocorre a liberação de luz que é emitida, gerando finalmente o 3-aminoftalato (V).
Diferenças na luminosidade gerada, incluindo cor e intensidade, podem também ser um indicador útil para especialistas inferirem modificações feitas no local analisado (ex.: substâncias usadas pelo criminoso para limpar as manchas de sangue).
Nesse último ponto, existem vários possíveis interferentes no local de aplicação da solução de luminol que podem alterar o teste, como sais de ferro, cobre, iodo, permanganato de potássio, hemoglobina de animais não-humanos, peroxidases de plantas e íon hipoclorito. Esse último, aliás, representa a principal causa de resultados falsos-positivos. A limpeza de uma mancha de sangue com solução de hipoclorito de sódio (NaClO, água sanitária) remove mais hemoglobina comparado com a limpeza usando somente água. Como a concentração de hemoglobina é reduzida, a luz gerada também é reduzida. No entanto, um enxágue sucessivo com solução de hipoclorito - para a limpeza de sangue ou de outra substância - promove a acumulação do íon hipoclorito (ClO-) - um forte oxidante -, levando a um aumento da emissão de luz pelo luminol (falso-positivo). A interferência do hipoclorito desaparece após ~8 horas.
Além do uso em cenas de crimes, o luminol também pode ser aplicado na identificação de hemoglobina visando outros fins. Em hospitais, a solução de luminol pode ajudar a identificar locais e vestuários contaminados com sangue, ajudando a manter um alto padrão de higienização e controle de doenças. A solução de luminol pode também ser usada para estimar a idade de amostras ósseas, onde traços de hemoglobina podem ser identificados 400 anos após a morte.
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
Clássico em séries e filmes policiais, o luminol é uma das ferramentas forenses mais populares e reconhecidas pelo público quando o assunto é seguir os rastro de sangue. Geralmente, a busca por sangue em uma cena de crime é feita via examinação visual próxima. No entanto, o sangue buscado pode estar presente em quantidades muito pequenas para serem vistas a olho nu, ou o sangue na cena do crime pode ter sido conscientemente 'limpado' antes da chegada da equipe forense no local. Nesse sentido, um conjunto de reações químicas protagonizando o luminol pode ser usado para localizar de forma eficiente evidências mínimas de sangue no ambiente, a partir do fenômeno de quimioluminescência.
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SANGUE E FERRO
O sangue é uma mistura fluída responsável pela trocas gasosas, transporte de hormônios e nutrientes, defesa patogênica, homeostase e regulação da pressão osmótica. Esse fluído possui uma porção sólida - composta de corpos como leucócitos, eritrócitos e plaquetas - e uma porção líquida, composta por aproximadamente 90% de água e referida como plasma.
Em específico, os eritrócitos - também conhecidos como células vermelhas ou hemácias - são células anucleadas originadas da medula óssea e constituídas principalmente de uma proteína chamada hemoglobina. A principal função dessa célula é o transporte de gases oxigênio (O2) e dióxido de carbono (CO2). Quando as hemácias estão situadas nos alvéolos pulmonares, esse fenômeno é chamado de hematose, no qual ocorre uma troca de O2 e de CO2. A molécula de CO2 se liga ao grupo heme da hemoglobina e é transportada às células ao longo do corpo em ordem de gerar energia para a manutenção da vida em um processo conhecido como respiração celular.
A molécula de hemoglobina possui uma estrutura tetraédrica formada por quatro cadeias polipeptídicas, duas alfas e duas betas, trazendo associado um grupo heme. Esse grupo heme é formado pela união do anel de porfirina IX, o qual possui quatro átomos de nitrogênio com ligantes livres que interagem com o íon Fe2+ no centro via ligações covalentes simples e coordenadas. Na figura abaixo, essas estruturas moleculares são representadas.
LUMINOL
O luminol (5-amino-2,3-dihidro-1,4-ftalazina-diona), composto primeiro sintetizado em 1908, é um composto orgânico bastante usado na identificação de sangue - apesar de não ser específico ao sangue humano - através da sua interação com o ferro do grupo heme e outros compostos auxiliares. O teste do luminol é baseado em uma reação quimioluminescente (emissão de luz a partir de uma reação química) devido à quebra de uma ligação contendo suficiente energia armazenada. A intensidade da luz emitida varia com o pH, temperatura e concentração de reagentes envolvidos. A emissão luminosa pode cessar se existe uma crítica mudança nesses parâmetros.
A solução de luminol usada no teste forense é sensitiva a ácidos e bases fortes, agentes oxidantes e luz, sendo composta por hidróxido de sódio (NaOH), carbonato de cálcio hidratado (Na2CO3. nH2O), peróxido de hidrogênio (H2O2) e perborato de sódio (NaBO3). Esses componentes são considerados irritantes para os olhos e para as mucusas, por isso é essencial equipamento de proteção para manipulá-la. O pH ideal da solução é alcalino e em torno de 11,5.
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A emissão de luz é associada com a conversão do 3-aminoftálico para o 3-aminopftalato. Os passos da reação são representados na figura abaixo.
Em solução, o peróxido de hidrogênio oxida o luminol (I) gerando compostos diazoquinona (II) e íons peróxido com a ajuda de um catalisador que, na presença de sangue, é justamente o íon ferro (Fe2+). Devido à sua alta reatividade, a diazoquinona não precisa de um catalisador ou de um agente oxidante, e quando esse composto reage com os íons peróxidos, existe a formação do endoperóxido (III). O endoperóxido, então, perde uma molécula de nitrogênio (N2) em seu estado excitado, formando um 3-amino ftálico (IV). Quando esse estado intermediário decai, em termos de energia, ocorre a liberação de luz que é emitida, gerando finalmente o 3-aminoftalato (V).
Diferenças na luminosidade gerada, incluindo cor e intensidade, podem também ser um indicador útil para especialistas inferirem modificações feitas no local analisado (ex.: substâncias usadas pelo criminoso para limpar as manchas de sangue).
Nesse último ponto, existem vários possíveis interferentes no local de aplicação da solução de luminol que podem alterar o teste, como sais de ferro, cobre, iodo, permanganato de potássio, hemoglobina de animais não-humanos, peroxidases de plantas e íon hipoclorito. Esse último, aliás, representa a principal causa de resultados falsos-positivos. A limpeza de uma mancha de sangue com solução de hipoclorito de sódio (NaClO, água sanitária) remove mais hemoglobina comparado com a limpeza usando somente água. Como a concentração de hemoglobina é reduzida, a luz gerada também é reduzida. No entanto, um enxágue sucessivo com solução de hipoclorito - para a limpeza de sangue ou de outra substância - promove a acumulação do íon hipoclorito (ClO-) - um forte oxidante -, levando a um aumento da emissão de luz pelo luminol (falso-positivo). A interferência do hipoclorito desaparece após ~8 horas.
Na imagem abaixo, a cena de um real crime onde o criminoso tentou limpar o sangue com água sanitária, próximo ao ralo de um banheiro.
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Além do uso em cenas de crimes, o luminol também pode ser aplicado na identificação de hemoglobina visando outros fins. Em hospitais, a solução de luminol pode ajudar a identificar locais e vestuários contaminados com sangue, ajudando a manter um alto padrão de higienização e controle de doenças. A solução de luminol pode também ser usada para estimar a idade de amostras ósseas, onde traços de hemoglobina podem ser identificados 400 anos após a morte.
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- https://dps.mn.gov/divisions/bca/bca-divisions/forensic-science/Pages/forensic-programs-crime-scene-luminol.aspx
- Rafaela Rogiski da Silva1, Bruna Carla Agustini2, André Luís Lopes da Silva3, Henrique Ravanhol Frigeri. Luminol in the forensic science. Vol. 3, N. 4: pp. 172-177, November 2012.
- https://www.sciencedirect.com/topics/nursing-and-health-professions/luminol
- Creamer, J. I., Quickenden, T. I., Crichton, L. B., Robertson, P., & Ruhayel, R. A. (2005). Attempted cleaning of bloodstains and its effect on the forensic luminol test. Luminescence, 20(6), 411–413.