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Por que a atmosfera da Terra não escapa para o espaço ou é sugada pelo vácuo espacial?


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          Em meio à crise da Pós-Verdade que se aprofunda cada vez mais, desinformações se espalham de forma assustadora pelas redes sociais e mesmo fatos científicos fundamentais bem estabelecidos sofrem ataques ou são colocados em dúvida em prol de narrativas pseudocientíficas. As pessoas não mais recorrem às autoridades ou às fontes científicas para sanar dúvidas, engolindo o primeiro discurso com convicção que aparece. Isso está se tornando bastante notório com a questão da conservação ambiental (1), da evolução biológica (2) e das mudanças climáticas (3).

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Leituras recomendadas:

           Nesse sentido, vêm se tornando cada vez mais comum, por exemplo, as pessoas argumentarem que a ciência não é confiável pelo fato dela afirmar que apenas a gravidade é a responsável por segurar a nossa atmosfera. Isso acaba se unindo a ataques contra a NASA em relação ao Aquecimento Global. São argumentos do tipo "Ora, se existe um vácuo no espaço fora da Terra, era para o ar ser prontamente sugado para ele", ou do tipo "O ar busca se expandir para ocupar o máximo de volume, e a gravidade sozinha não consegue impedir isso". Embora existam pessoas que honestamente possuem dúvidas em relação a essa questão, muitos estão usando essas alegações com o propósito de dar suporte às suas crenças pessoais. Esse tipo de ataque é similar àqueles que visam derrubar a Evolução Biológica no sentido de que não existe real investigação científica por parte dos acusadores, apenas argumentações baseadas no achismo.

          Vamos então explorar a questão e mostrar como a atmosfera se mantém presa no nosso planeta devido à gravidade desse último.

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   VÁCUO ESPACIAL?

          Primeiro é importante esclarecermos essa dúvida. Todos devem saber que a maior parte do Universo é espaço "vazio", chamado vácuo espacial. Mas esse vácuo é imperfeito. Tirando planetas, estrelas, satélites naturais, asteroides e outros corpos substancialmente massivos ou mesmo radiações eletromagnéticas diversas (como luz visível e ondas de rádio), existem nuvens de poeira interestelar, subpartículas que compõem os ventos solares (nêutrons, prótons, etc.), vários átomos de hidrogênio e de partículas isoladas - as quais formam às vezes nuvens de bilhões de quilômetros de extensão chamadas de 'nebulosas' -, entre outros.

          De qualquer forma, se considerarmos o espaço inter-planetário, temos algo em torno de 5 partículas por centímetro cúbico (cm3) próximo da Terra (incluindo átomos neutros de hidrogênio, prótons e nêutrons altamente energizados disparados pelo Sol, e ocasionais partículas de poeira microscópicas), enquanto que espaços inter-estelares de baixa densidade chegam a ter apenas 0,1 átomo por cm3. Em contraste, a densidade aproximada do ar que respiramos é de 1019 moléculas por cm3.

          Embora possa variar bastante em termos de densidade, o espaço inter-planetário possui muito pouca matéria, servindo de fato como um excelente vácuo. Em contraste, mesmo as melhores tecnologias de bombeamento para vácuo aqui na Terra não chegam nem perto de obterem um sistema com a densidade média encontrada no meio inter-planetário. As mais avançadas bombas de vácuos que temos ainda deixam inúmeras moléculas por cm3. E é aqui que entra a dúvida: se quando fazemos um vácuo aqui na Terra o ar externo é fortemente puxado para dentro dele (quem trabalha em um laboratório de Química ou de Física sabe muito bem disso), por que o mesmo não acontece com a atmosfera, ou seja, porque a atmosfera não é fortemente sugada para fora do planeta, já que está em contato direto com o vácuo inter-planetário?

          À primeira vista essa parece ser uma pergunta que realmente faz sentido, porque a gravidade não consegue, nem de perto, impedir que o ar atmosférico seja sugado para dentro de uma câmara de vácuo criada aqui na superfície do planeta. Porém, isso ocorre justamente por causa da gravidade, oras!

         A gravidade mantém presa uma enorme quantidade de ar na atmosfera, esta a qual possui uma composição em torno de 78% de nitrogênio, 21% de oxigênio, 0,9% de Argônio, 0,04% de dióxido de carbono, e relativamente pequenas quantidades de outros gases (vapor de água pode variar bastante, chegando a 1% a nível do mar). Com uma massa total em torno de 5,15 x 1018 kg, a maior parte desse total (~75%) se concentra dentro de 11 km de altitude. Quanto maior a altitude, menor a concentração de ar. Agora, imagine uma pilha de enormes quantidades de massa de ar com vários quilômetros de extensão. Quem está na superfície da Terra está sendo, literalmente, esmagado por uma enorme massa de ar, algo que gera uma grande pressão (aproximadamente 1 atm a nível do mar). O que uma bomba de vácuo faz é criar aqui na superfície um espaço de baixíssima pressão (pequena concentração de ar a uma determinada temperatura) em relação à enorme pressão atmosférica externa. O ar não é 'sugado' pelo vácuo nesse caso, ele é empurrado pela pressão do enorme peso (aceleração da gravidade multiplicada pela massa) do ar atmosférico.

          Então respondendo a primeira dúvida: o ar da atmosfera não é "sugado" pelo vácuo espacial porque não existe uma expressiva força o empurrando para esse vácuo. O puxão de ar que vemos via bombas de vácuo nos laboratórios ou em qualquer outro sistema de sucção de ar é devido à forte pressão atmosférica gerada pelo peso do ar.

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   POR QUE O AR NÃO ESCAPA?

           Bem, mas se o ar não é sugado para o vácuo inter-planetário, por que ele simplesmente não escapa? Ar se expande não é mesmo, e a gravidade não consegue mantê-lo preso ao chão como nós, certo? E é aqui que entramos, então, com o conceito de velocidade de escape, bastante conhecido dos astronautas. Vamos destrinchar passo a passo como a gravidade mantém preso a maior parte do ar mesmo em uma situação ideal de fuga.

          Se fôssemos analisar nanoscopicamente o ar atmosférico, veríamos uma enxurrada de partículas (moléculas e átomos isolados) se movendo feito loucas em todas as direções, com a velocidade média dessas partículas aumentando à medida que aumentamos a temperatura do meio. Consideremos, então, duas dessas partículas ao nível do mar, uma molécula de oxigênio e uma molécula de nitrogênio, os principais constituintes da atmosfera terrestre. O que na prática está quase sempre acontecendo é que essas moléculas em suas trajetórias estão continuamente colidindo com outras partículas nos primeiros 20 km de altitude da atmosfera, onde próximo da totalidade da massa de ar se concentra (apesar da atmosfera se estender por ~480 km), e também colidindo com diversos outros obstáculos terrestres ou aéreos. Mas vamos supor que essas duas moléculas encontraram seu dia de sorte e estão livres para percorrer toda a atmosfera em direção ao vácuo espacial. Essas duas moléculas estão em fuga.

          De acordo com a Primeira Lei de Newton, um corpo permanecerá em repouso ou em movimento uniforme na mesma direção e sentido a menos que seja compelido a mudar seu estado pela ação de uma força externa. No cenário proposto, existe uma única força atuando nas duas moléculas fujonas: a gravidade. Próximo da superfície da Terra, a cada segundo, a gravidade está desacelerando essas duas moléculas em cerca de 9,8 m/s. Vamos calcular, então, a velocidade inicial dessas duas moléculas.

          Considerando uma temperatura de 25°C - uma razoável temperatura ambiente média a nível do mar considerando as variações de temperatura em várias regiões da superfície do planeta -, ou, transformando para Kelvin, cerca de 298K, podemos usar a Teoria Cinética dos Gases, para encontrar a velocidade média aproximada dessas duas moléculas de gás no sistema 'atmosfera'. Moléculas de gás possuem diferentes velocidades, mas uma velocidade rms (raiz quadrada média) pode ser calculada usando o teorema da equipartição, como se segue demonstrado abaixo.


          Com os dados e fórmulas acima, obtemos que a velocidade média da molécula de nitrogênio e da molécula de oxigênio são, respectivamente, 515 m/s e 480 m/s. Ou seja, obtemos a velocidade inicial de uma típica molécula de oxigênio e de nitrogênio à temperatura de 25°C. Agora, considerando a ação da gravidade na trajetória dessas duas moléculas, até onde elas conseguem ir até que a velocidade se torne nula, ou seja, elas parem e voltem a cair de volta para a superfície da Terra? Podemos calcular essa altura usando uma fórmula simples da mecânica:


          Considerando as velocidades iniciais encontradas e o valor da aceleração da gravidade atuante (-9,8 m/s2), temos que a altura máxima que as nossas duas moléculas conseguem alcançar é de apenas 13531 m (~13,5 km) para o nitrogênio e de apenas 11755 m (~11,7 km) para o oxigênio antes de começarem a cair novamente devido à gravidade. Ou seja, essas moléculas não conseguem alcançar nem mesmo 15 km de altitude, sendo que a nossa atmosfera possui 480 km! Com essa velocidade, essas moléculas ou qualquer outro corpo, não conseguem escapar da superfície terrestre em direção ao espaço. Para escapar da gravidade da Terra, um corpo necessita desenvolver na superfície terrestre uma velocidade próxima de 11179 m/s, como indicado pela fórmula:

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OBS.: Os foguetes não desenvolvem velocidade de escape, mas conseguem escapar da gravidade terrestre porque desenvolvem uma grande e contínua aceleração via queima/explosão do seu combustível líquido, contrabalanceado a aceleração gravitacional ao longo da trajetória.
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          É válido lembrar que obtemos uma velocidade média das moléculas de nitrogênio e de oxigênio. Obviamente, algumas estarão mais rápidas e outras mais lentas, incluindo uma pequena porcentagem que estará se movendo a uma velocidade maior do que 11179 m/s. Nesse caso, é até possível que algumas das moléculas mais rápidas consigam escapar a partir do nível do mar ou a altitudes maiores para o espaço - especialmente as de menor massa, como as moléculas de hidrogênio (H2) -, porém, a maior probabilidade, de longe, é que elas se choquem com outras moléculas e percam parte da energia cinética. Quanto menor a altitude maior a pressão atmosférica e maior a densidade do ar, tornando os choques ainda mais frequentes, e impedindo que a maioria das moléculas ali presentes ou geradas vá muito longe. E isso porque nem mencionamos que o teorema da equipartição é derivado da lei do gás ideal, ou seja, fizemos apenas uma aproximação porque os gases na atmosfera não estão em uma condição ideal, especialmente nas baixas altitudes. Se levarmos em conta efeitos intermoleculares (forças de Van der Waals), os gases realizam interações que provavelmente diminuem significativamente suas velocidades médias.

           Nesse sentido, resumindo tudo, demonstramos com sucesso e cientificamente como a gravidade atua para conseguir manter quase todas as moléculas de ar bem aprisionadas na atmosfera e bem próximas da superfície terrestre (por isso a maior parte da massa de ar da Terra se encontra ao longo dos 11 km de altitude). É ciência básica.

          Porém, contudo, todavia, de fato temos uma perda realmente considerável de moléculas de ar na atmosfera por outro mecanismo, o mesmo que dilacerou grande parte da atmosfera de Marte: os ventos solares. Todos já devem ter visto - direta ou indiretamente - as belas e brilhantes auroras boreais nas altas latitudes do planeta. Isso ocorre porque as partículas altamente energéticas expulsas do Sol, principalmente prótons, são atraídas pelo campo magnético da Terra e se chocam com as moléculas de gás nas altas altitudes (ionosfera em específico) das regiões polares e próximas dessas. Esses choques, além de excitar os elétrons dos átomos (fazendo-os emitirem energia luminosa quando retornam ao estado não-excitado) e gerar íons (H+, O+, He+...), dão energia extra suficiente para esses íons escaparem para o espaço (sendo forçosamente aceleradas como os foguetes). Isso resulta da perda de centenas de toneladas de atmosfera todos os dias, mas algo muito pequeno comparado com a quantidade total da massa de gases presente na atmosfera e sendo continuamente produzidos por processos geoquímicos e bioquímicos.


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   CONCLUSÃO

          A atmosfera terrestre é firmemente mantida devido à gravidade da Terra, e isso é facilmente demonstrado via simples cálculos bem estabelecidos na Física e na Físico-Química básicas. Desinformações podem parecer cientificamente baseadas à primeira vista, mas basta um pequeno esforço extra de investigação científica para apontar as graves falhas sustentadas pela pseudociência. Isso é um recado importante para as pessoas que continuam rejeitando conhecimentos científicos já bem estabelecidos, como segurança e efetividade das vacinas, Aquecimento Global, evolução biológica e mesmo a natureza obviamente não-plana da Terra. Na maioria dos casos, basta abrir um livro ou pesquisar em periódicos. O conhecimento bem embasado, detalhado e explicado existe. Basta querer aprender e saber onde buscá-lo. E novos avanços científicos para explicar os fenômenos naturais são feitos com robustas investigações e acúmulo de evidências científicas, não apenas com crenças e gritos.



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. Físico-química - Volume 1. Peter Atkins e Julio de Paula, 10ª edição, 2017.
  2. Nieto et al. (2005). Directly measured limit on the interplanetary matter density from Pioneer 10 and 11. Physics Letters B, 613,11-19.
  3. https://scijinks.gov/pressure/
  4. https://science.nasa.gov/science-news/science-at-nasa/1998/ast08dec98_1
  5. https://earthobservatory.nasa.gov/images/144386/toward-mapping-the-atmospheres-escape-from-earth
  6. https://www.weather.gov/media/zhu/ZHU_Training_Page/winds/pressure_winds/pressure_winds.pdf
  7. http://www.hunter.cuny.edu/physics/courses/physics110/repository/files/section51/15TheKineticTheoryofGasesRev2.pdf