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Floresta Amazônica: Preservá-la não é ideologia, é futuro

- Artigo atualizado no dia 11 de agosto de 2019 -

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          Em um recente texto escrito pelos senadores Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Márcio Bittar (MDB-AC), e intitulado "Mitos e Falácias" (Ref.1), é argumentado que o Aquecimento Global antropogênico, destruição da camada de ozônio e o colapso da biodiversidade são apenas um "discurso apocalíptico para barrar o progresso" e que "a ideologia verde foi refúgio de esquerdistas". Esse texto - o qual não possui nenhuma referência científica, apenas alguns dados aleatórios - está sendo usado como uma espécie de justificativa para o projeto de lei que propõe eliminar a reserva obrigatória em propriedades rurais e também para reforçar outras medidas anti-ambientalistas sendo propostas pelo governo. Nesse mesmo texto é afirmado que "Apesar do aumento de emissão de CO2, informam os cientistas, o mundo está passando por um resfriamento global", algo, obviamente, não verídico (1).

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(1) Leitura recomendada: Aquecimento Global: Uma Problemática Verdade


          No final do texto anti-científico, temos a frase de conclusão: "Precisamos avançar e superar a irracionalidade verde."

          A mensagem que o texto tenta passar é que o meio ambiente está bem - ou que é desimportante -, e que dá para devastar muito mais, sem precisarmos nos preocupar. É a mensagem de que ainda resta uma grande área florestal no Brasil, e que isso supostamente nos dá o direito de avançar no desmatamento. Não existe menção de sustentabilidade, de incentivo à reciclagem, de energias limpas e renováveis, de combate ao uso excessivo de agrotóxicos, ou ao fomento no uso de novas tecnologias e métodos que aumentem a produtividade das terras agriculturáveis. Sacrifício ambiental é a simples ideia. E esse pensamento, infelizmente, parece refletir as atuais intenções do governo, especialmente em relação à Floresta Amazônica. Tratam o bioma florestal como se este fosse um objeto, sempre de forma quantitativa e comercial, e não como um ecossistema vivo. Aliás, o texto explicitamente busca minimizar a importância do bioma Amazônico na tentativa de construir uma justificativa para a ampliação do seu desmatamento.

          Coincidentemente, apenas uma semana após a publicação do texto anti-científico dos senadores, o relatório do IPBES (Intergovernamental Science-Policy Platform on Biodiversidty and Ecosystem Services) - um corpo intergovernamental que monitora o estado de conservação da biodiversidade no mundo -, aprovado em um encontro da comunidade científica em Paris, alertou que o atual declínio da biodiversidade ao longo de todo o globo não possui precedentes na história humana, com as atividades antropogênicas ameaçando em torno de 1 milhão de espécies da fauna e da flora (2).

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(2) Para mais informações, acesse: Colapso ambiental: 1 milhão de espécies de animais e plantas estão em grave risco de extinção por causa das atividades humanas


          O relatório é fruto de um trabalho investigativo nos últimos 3 anos que reuniu 145 especialistas de 50 países - autores principais - e a contribuição secundária de 310 outros cientistas, e englobando a revisão sistemática de ~15 mil fontes acadêmicas e governamentais.

          O relatório também apontou que desde 1980, as emissões de gases do esfeito estufa (metano, dióxido de carbono, etc.) dobraram, aumentando a temperatura média global em no mínimo 0,7°C. Esse Aquecimento Global está causando mudanças climáticas que já prejudicam diversos ecossistemas, e os efeitos deletérios só tenderão a piorar exponencialmente nas próximas décadas.

          E, interessantemente, o texto do Flávio Bolsonaro - encharcado de ideologias e achismos - não cita que que a poluição da atmosfera associada às atividades antropogênicas promove a morte de 8,8 milhões de pessoas ao redor do mundo anualmente, segundo divulgado o mais recente estudo sobre o assunto (3). E segundo esse mesmo estudo, se o Acordo de Paris fosse cumprido na Europa, cerca de 55% das mortes causadas pela poluição atmosférica seriam prevenidas.

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(3) Para mais informações, acesse: A poluição do ar causa 790 mil mortes na Europa e 8,8 milhões de mortes ao redor do mundo todos os anos


            Seria interessante que o Flávio Bolsonaro explicasse a expressão "irracionalidade verde" quando dados oficiais mostram que entre agosto de 2017 e julho de 2018 uma área de 7900 km2 foi desmatada na Floresta Amazônica - cerca de 5 vezes o tamanho de Londres e representando um aumento de 13,7% no desmatamento do bioma em comparação com o ano anterior -, mas com isso ainda representando uma redução de 72% em comparação com o desmatamento no ano de 2004. Aliás, em 2017, a Noruega cortou 50% das suas doações ao Fundo Amazônia - o qual financia atividades de combate às mudanças climáticas na Amazônia - após os índices de desmatamento aumentarem na região. E, no ano passado, o Brasil foi o país que mais perdeu árvores no mundo, com 1,3 milhão de hectares em áreas de florestas primárias devastados. Entre agosto de 2018 a março de 2019, foram 1974 km2 de áreas desmatadas, um aumento de 24% em comparação com o mesmo período anterior. Nos últimos meses, foi estimado uma perda média de 19 hectares por hora de florestas na Amazônia, alcançando um pico de aumento nos alertas de desmatamento de 47% em maio em comparação com o mesmo período do ano passado segundo dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais); em junho um aumento de 88%; e em julho um aumento de quase 3 vezes.

          A 'racionalidade' verde seria voltar para antes de 2005, quando a média de desmatamento era de 19625 km2 por ano? E é irracionalidade ficarmos preocupados com o projeto de várias massivas hidrelétricas e com a guerra comercial entre EUA e China que ameaçam toda a biodiversidade na região? É irracional nos preocuparmos com a crescente poluição ambiental que também afeta a saúde humana? É irracional nos preocuparmos com a massiva quantidade de agrotóxicos e fertilizantes que estão levando à extinção de insetos e ao envenenamento de inúmeros ecossistemas aquáticos? Onde tudo isso é citado no texto menos do que medíocre do senador?

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          O maior ecossistema do mundo pede socorro, não o descaso de políticos que deveriam protegê-lo. Perdemos já 20% da floresta Amazônica, e nosso dever é conservá-la e reflorestá-la, ou corremos o risco de testemunhar uma tragédia similar àquela ocorrida na Mata Atlântica, só que dessa vez com implicações nacionais e globais muito mais graves.

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> Para facilitar a leitura, o artigo foi divido em cinco tópicos:
  • Floresta Amazônica - Um breve resumo sobre as características desse bioma e sua origem evolucionária.
  • Desmatamento - Uma análise do histórico de desmatamento da Amazônia desde a construção da Transamazônica e as ameaças impostas pelo novo governo anti-ambientalista.
  • Código Florestal - Exposição das ameaças políticas e legais que podem destruir uma das medidas legais mais importantes de proteção ambiental do nosso país.
  • Hidrelétricas - Explicação de como as grandes hidrelétricas são excessivamente danosas ao meio ambiente, a exposição de preocupantes projetos que visam trazer várias mega-hidrelétricas extras para a Bacia Amazônica e a apresentação de alternativas energéticas sustentáveis, ambientalmente amigáveis e renováveis que estão sendo ignoradas.
  • China vs EUA - Explorando como a guerra comercial entre esses dois países são uma grande ameaça para a Floresta Amazônica e derrubando a ideia de que para produzir mais no Brasil é necessário destruir mais.
  • Conclusão    


          A Amazônia é uma floresta latifoliada úmida na América do Sul localizada dentro da Bacia Amazônica, esta a qual engloba uma área terrestre com mais de 7 milhões de km2, e com cerca de 5,5 milhões dessa área sendo coberta pela floresta tropical. Existem nove países que compartilham desproporcionalmente a Bacia Amazônica: Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela; o Brasil detém cerca de 62% da área florestal. A floresta Amazônica, a maior floresta tropical úmida do mundo, é um constituinte mais do que importante para a biosfera global, com o seu ecossistema abrigando um estimado de 400 bilhões de árvores individuais pertencentes a mais de 15 mil espécies, cerca de 25% das espécies de seres vivos terrestres (e ~10% das espécies totais conhecidas no planeta), e respondendo por aproximadamente 15% da fotossíntese global terrestre. Essas características tornam essa floresta um importante agente sequestrador de carbono, um crucial influenciador da circulação atmosférica e de precipitação ao longo do continente Sul-Americano, e uma fonte inestimável de conhecimentos científicos e recursos naturais.




          Essa impressionante biodiversidade parece ter sido fruto de um processo evolutivo ao longo dos ~55 milhões de anos de existência da floresta Amazônica que envolveu sucessivas inundações. Atualmente, cerca de 80% do território Amazonense é ocupado por floresta de terra firme - com alagamentos ali raros -, e com cerca de 20% caracterizado por terras alagadas. Florestas alagadas e de terra firme possuem floras distintas que estão entre as mais diversas do planeta. Os cientistas geralmente concordam que partes da Amazônia estiveram amplamente inundadas há milhões de anos, no Mioceno (24 até 5 milhões de anos atrás), fomentando uma rápida explosão radiativa. Existem dois principais cenários para esses eventos de inundação:

1. Volumosos fluxos de água desceram da cordilheira (em formação) dos Andes, dividindo terrenos antes diretamente conectados e, consequentemente, isolando diversas populações da fauna e da flora em várias ilhas. Separados das populações originais, os espécimes isolados evoluíram para distintas espécies. As montanhas em rápida ascensão também teriam criado micro-climas em diferentes elevações, fomentando também o processo de especiação.

2. Na década de 1990, microrganismos marinhos foram descobertos nos sedimentos da Bacia Amazônica, levando à hipótese de que a floresta teria sido inundada por um oceano. Todos os estudos mais recentes mostram uma conexão biogeográfica entre o oeste da Amazônia e a Base de Llanos na Colômbia durante a maior parte do Mioceno, sugerindo um caminho para as águas marinhas. Um estudo publicado em 2017 na Science Advances (Ref.4), usando informações sísmicas e dados sedimentológicos e palinológicos, de fato mostrou dois intervalos marinhos distintos na Bacia de Llanos, um no início do Mioceno que durou ~0,9 milhões de anos (18,1 a 17,2 Ma) e um em meados do Mioceno que durou ~3,7 milhões de anos (16,1 a 12,4 Ma). Esses dois intervalos de alagamento marinho também foram observados na Bacia do Amazonas/Solimões (noroeste da Amazônia), mas com duração mais curta: ~0,2 M (18,0 a 17,8 Ma) e ~0,4 M (14,1 a 13,7 Ma), respectivamente. Nesse sentido, o estudo concluiu que rasas águas marinhas cobriram a região no mínimo duas vezes durante o Mioceno, a partir de um desnivelamento causado pela formação dos Andes; sedimentos desse mesmo processo de formação montanhosa e fluxo de água do seu topo teriam eventualmente dispersado a água marinha, restaurando a Bacia Amazônica. De qualquer forma, os relativamente breves períodos de alagamento teriam sido suficientes para fomentar poderosos processos evolutivos.

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          Independentemente do cenário, a rica rica biodiversidade da Amazônia enfrenta várias ameaças, desde mudanças climáticas até o intensivo desflorestamento.



          A parte Brasileira da Amazônia estava amplamente intacta até a abertura de grandes estradas na região a partir da década de 1960. O estrago foi iniciado com a construção da Rodovia Belém-Brasília e piorado com a Rodovia Transamazônica, a qual compreende 4000 km e foi construída durante o governo do Presidente Emílio Garrastazu Médici na década de 1970. A colossal obra da Transamazônica deflagrou um alto nível de desflorestamento e, até o início desde século, as taxas de destruição da floresta permaneceram muito altas, alcançando dois picos, um em 1995 e o outro em 2004, quando o desmatamento atingiu 29059 km2 e 27772 km2 respectivamente, áreas comparáveis ao tamanho do Haiti.






           Nesse sentido, o governo Federal Brasileiro, em dois momentos do período democrático, lançou diversas e impactantes medidas de combate ao desmatamento. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, tivemos a  Medida Provisória 2166, a qual aumentou o percentual de reserva legal da Amazônia (englobando a criação ode várias Unidades de Conservação e terras indígenas), e a aprovação da lei de crimes ambientais de 1996, aumentando a capacidade do Estado de atuar contra o desmatamento e outras infrações ambientais. Durante o governo Lula, a expansão das unidades de conservação e da proteção aos povos indígenas foi reforçada, incluindo a criação em 2010 de uma rede de áreas protegidas que englobaram 54% da cobertura florestal na região Amazônica, e a criação do Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia, criado por sugestão da então Ministra Marina Silva. 

          Como visto no gráfico anterior, tais medidas tiveram expressivo sucesso e também entraram em ressonância com os esforços de combate ao Aquecimento Global, já que o desmatamento dramaticamente reduz a capacidade de sequestro de carbono (fixação de dióxido de carbono na estrutura das plantas). É estimado que uma única árvore de porte médio pode sequestrar até 1 tonelada de carbono quando essa atinge os 40 anos de idade. Aliás, apesar do aumento do uso de combustíveis fósseis nas últimas décadas, cerca de um terço das emissões globais de carbono são oriundas do desmatamento. E em específico na Amazônia, o desmatamento chega a gerar cerca de 4 a 5,5 vezes mais emissões de carbono do que em biomas como o Cerrado

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> Um parênteses aqui, no texto do Flávio Bolsonaro este cita que chamar a Amazônia de "Pulmão do Mundo" é uma mentira, pelo fato dela, de fato, não ser a maior fornecedora de oxigênio molecular (O2) para o ecossistema global. Cerca de 50% do oxigênio no mundo é fornecido pelos fitoplânctons, seres unicelulares procariontes e fotossintetizantes presentes massivamente na superfície marinha. Os outros 50% são produzidos pelas florestas e plantas em geral na superfície terrestre, porque estas também consomem grandes quantidades desse gás, diminuindo a produção líquida. No entanto, a floresta Amazônica ainda continua sendo referida como pulmão do mundo porque realiza um colossal trabalho de sequestro de carbono, via fixação de carbono (construção das plantas), ajudando a atmosfera a se livrar do excesso de dióxido de carbono. De qualquer forma, o objetivo do senador é tentar minimizar a todo custo a importância da Amazônia para justificar sua devastação.
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          Entre 2004 e 2015, com foco na conservação ambiental, redução das mudanças climáticas, e desenvolvimento econômico sustentável, o desmatamento foi de uma média de 19625 km2 (1994-2004) para 5012 km2, ou seja, uma redução superior a 75%. Investimentos na Ciência também dispararam, levando à criação de várias novas Universidades, novos laboratórios e dezenas de milhares de bolsas de estudo (nacionais e internacionais) voltadas para o desenvolvimento científico.

          Porém, após 2015, crises políticas e econômicas atingiram com força o país, e vários cortes severos foram feitos nas agências científicas e nas agências federais de proteção ambiental, como o Instituto Nacional de Pesquisa Amazonense, este o qual passou a operar com um orçamento de 60-70% menor. Isso enfraqueceu a inclusão da ciência nas políticas e serviços públicos que preservam a Amazônia, acarretando em um aumento expressivo do seu desmatamento, com este alcançando quase 8000 km2 em 2017-2018.

          Essa devastação da vegetação nativa decorreu principalmente das atividades ilegais, as quais estão presentes em quase todas as áreas protegidas da Amazônia. Segundo um estudo publicado em 2017 na Peer J (Ref.6), 37% dessas infrações são responsáveis pela degradação e supressão da vegetação, incluindo desmatamento, corte de espécies de árvores ameaçadas de extinção e uso não-autorizado de fogo; pesca ilegal corresponde a 27% das infrações e a caça por 18%. Entre os fatores fomentando o desmatamento, a mineração em áreas de preservação é um dos mais notáveis problemas, com um estudo publicado em 2017 na Nature Communications (Ref.7) encontrando que mesmo durante os anos de maior proteção à Amazônia (2005-2015), os garimpos e outras atividades do tipo foram responsáveis por 9,2% do desflorestamento registrado nesse período. E, desde o início deste ano, o desmatamento vem avançando de forma ainda mais agressiva.

          O desmatamento na Amazônia em julho deste ano teve crescimento de 278% em relação ao mesmo mês do ano passado, atingindo 2254 km2. Os dados são do Deter (Detecçaõ do Desmatamento em Tempo Real), sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Em junho, o aumento tinha sido de 88%. Entre janeiro e julho de 2019, houve um aumento de 67% no desmatamento em comparação com o mesmo período de 2018., quando o desmatamento na Amazônia Legal Brasileira atingiu 920,4 km2, um aumento de 88% em comparação com o mesmo mês do ano passado. Em julho,   Esses dados foram obtidos pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) (Ref.19). Entre as 10 unidades de conservação mais desmatadas - englobando parques e florestas nacionais onde são permitidas apenas atividades educacionais, de pesquisa e de turismo -, oito se encontravam no Pará. Cortada pela BR163, A Floresta Nacional do Jamanxim, no Sudoeste do Pará, é a que mais sofre com as derrubadas, e já perdeu mais de 3 mil hectares de vegetação nativa. Segundo ambientalistas, os maiores culpados têm sido os grileiros, os quais invadem essas áreas para a extração de madeira e a expansão das suas terras.



          Até o governo passado, o Ministério do Meio Ambiente, adereçou esforços para combater esse aumento do desmatamento. O orçamento do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi reforçado e o Ministério do Meio Ambiente articulou diretamente o apoio de outros órgãos federais. Por exemplo, entre 2017 e 2018, de acordo com os dados oficiais (Ref.15), o Ibama aumentou o número de autuações em 6%, de áreas embargadas em 56%, de madeira apreendida em 131% e de equipamentos apreendidos 183%, em operações voltadas a ilícitos contra a flora, em relação ao período anterior.

          Como consequência, aumentaram em 40% as autuações, 20% as áreas embargadas e 40% as apreensões de madeira e equipamentos, como resultado das ações de fiscalização em unidades de conservação federais realizadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Além disso, foram criadas mais 2 unidades de conservação de uso sustentável, que totalizam mais 600 mil hectares. Somando-se a isso, como o desmatamento ilegal muitas vezes está associado a outros crimes, como lavagem de dinheiro, tráfico de armas, drogas e animais e trabalho escravo, a Polícia Federal instaurou 823 procedimentos criminais no período.




          De fato, se todos os recursos legais que existem hoje no Brasil fossem inteiramente implementados para a proteção de territórios públicos e privados na Bacia Amazônica, cerca de 95% do que restou da sua floresta tropical úmida estaria protegido junto com quase 90% do seu bioma. No entanto, o processo contrário ocorre, com nossas leis sendo retalhadas para dar espaço para mais degradação. Segundo um estudo publicado no final de maio na Science (Ref.20), nosso país é o que mais altera leis que deveriam proteger a Amazônia, e essas alterações não obedecem critérios científicos, promovendo destruições desenfreadas nesse bioma. Foram 115 alterações legislativas entre 1961 e 2017, com 66 delas (61%) sendo feitas no Brasil, a maior parte visando reduzir a área protegida e 10 delas para a retirada total de proteção. Dos 18 milhões de hectares da Amazônia que tiveram o status de conservação alterado, 11 milhões de hectares estão no território Brasileiro. Sem o aval de análises científicas, houve alteração, por exemplo, dos limites de oito unidades de conservação na região do Tapajós que deram espaço para a construção de cinco hidrelétricas que englobaram uma área de 863 quilômetros quadrados.


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           E todo o  esforço de conservação ambiental encontrou mais uma sólida barreira com o novo governo encabeçado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, onde ações cientificamente baseadas e sustentáveis foram abandonadas em favorecimento à agroindústria e aos interesses das mineradoras, visando a intensificação das atividades exploratórias na Amazônia. Os sintomas mais preocupantes do descaso ambiental ficaram evidentes no constante ataque incoerente do novo governo ao trabalho do Ibama, nas acusações infundadas negando os dados do INPE - Bolsonaro chamou de mentirosos os dados liberados e exonerou o diretor do Instituto (1) -, na liberação recorde de diversos agrotóxicos, nos discursos inflamados a favor dos ruralistas e em detrimento da causa ambiental, na transferência da administração das terras indígenas do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura, e na fusão desse último ao Ministério do Meio Ambiente. Áreas protegidas e centenas de milhares de indígenas ficaram ameaçados. Para piorar, o novo Ministro do Meio Ambiente, o advogado Ricardo Salles, está mostrando ser um anti-ambientalista, anti-científico, disseminador de Fake News e, para completar, é condenado em processo de fraude ambiental.

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(1) Bolsonaro afirmou que os dados do Inpe sobre o aumento do desmatamento na Amazônia eram “mentirosos” e que Galvão estaria agindo "a serviço de alguma ONG". Nenhuma evidência concreta foi apresentada, mas Galvão perdeu o cargo assim mesmo, sob a justificativa de "quebra de confiança". Segundo a Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), "as críticas feitas não têm qualquer base científica e desconsideram a imensa contribuição que o Instituto Nacionais de Pesquisas Espaciais dá ao Brasil e ao mundo” (Ref.55).

Para mais informações, acesse: Grupo de cientistas lança manifesto em defesa ao Inpe

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> Para acompanhar com mais detalhes o rastro de preocupantes atitudes anti-ambientalistas do novo governo, acesse: Rastro do descaso ambiental
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          E essas linhas de ações e intenções do governo podem gerar consequências colossalmente catastróficas quando outras ameaças ao bioma da Amazônia são consideradas (e aparentemente ignoradas pelo núcleo do governo).

Estamos vivenciando a inédita situação de termos um ministro de Meio Ambiente que não defende, ao contrário, ataca o meio ambiente, e um ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações que é tímido na defesa da Ciência e silencia sobre a qualidade do trabalho de um dos mais conceituados institutos deste ministério e exonera seu diretor. Ambos contribuem assim com o rápido sucateamento da credibilidade, nacional e internacional, construída com esforço e perseverança por gerações de cientistas e tecnólogos ao longo de diferentes governos

            - Nota da Coalização Ciência e Sociedade, assinada por 65 cientistas, incluindo vários professores da USP.



          Uma das medidas legais mais importantes de proteção ambiental adotadas no Brasil é o Código Florestal Brasileiro, o qual determina que 80% da terra privada na região Amazônica seja protegida como reserva legal para a proteção da vegetação nativa. Além da Amazônia, o Código Florestal estipula reservas legais em todo o território Brasileiro, variando o percentual das áreas de proteção de 20% a 80% - dependendo do bioma (80% na Amazônia, 35% no cerrado, etc.) - que não podem ser desmatadas e onde, no máximo, agricultura sustentável é permitida. Porém, tal medida de proteção possui duas grandes principais ameaças.

          A primeira é o Artigo 12//§5 do Ato Florestal, o qual permite que as autoridades públicas dos estados reduzam o requerimento legal de 80% para 50% da área a ser protegida se mais de 65% do território de um estado específico esteja coberto por unidades de conservação ou reservas indígenas (UC&RI), levando a um potencial aumento do desmatamento legal da Amazônia. Estados como o Amazonas, Roraima, Acre e Amapá são amplamente cobertos por vegetações nativas e necessitam de uma expansão das UC&RI para mantê-las protegidas. Porém, essa expansão pode ativar o Artigo 12/§5. A utilização dessa brecha legal não é automática, dependendo de uma combinação de prioridades políticas e de decisões feitas em diferentes níveis administrativos. Um estudo publicado em 2018 na Nature (Ref.21) - e liderado pelo pesquisador Brasileiro Flávio Luiz Mazzaro de Freitas - mostrou que, se o artigo for ativado, cerca de 6,5-15,4 milhões de hectares de terras privadas antes protegidos como reservas legais podem se tornar disponíveis para o desmatamento legal. E esse risco se torna real considerando a ideologia anti-ambientalista do atual governo.

          A segunda ameaça, ainda mais grave, é o projeto de lei proposto pelos senadores Flávio Bolsonaro e Marcio Bitar e apresentado no último dia 16 de abril (Ref.2) que, se aprovado, acabará com as reservas legais nas propriedades rurais em todo território Brasileiro, deixando essas áreas livres para a exploração econômica e para um catastrófico desmatamento. E o Flávio Bolsonaro ainda tem a audácia de, em nota, afirmar em defesa ao projeto de lei que "é possível transformar as riquezas naturais que Deus nos deu em desenvolvimento para a população e, ao mesmo, preservar o meio ambiente." Novamente vemos integrantes do novo governo se agarrando à tecla religiosa para acionar a emoção e não a razão da população, sem apresentarem evidências científicas corroborando suas narrativas. Aliás, o projeto de lei tenta desfazer o Código Florestal que já tinha sido flexibilizado e pacificamente aceito pela própria bancada ruralista em 2012. (ATUALIZAÇÃO: Felizmente, no dia 16 de agosto, os senadores retiraram a proposta, em meio à crise ambiental vivida pelo Brasil)

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> Em nota, mais de 100 pesquisadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) assinaram uma nota repudiando o projeto de lei visando a abolição das reservas legais (RL). Em resumo, os principais pontos listados sobre a importância dessas reservas:

- A RL cumpre suas funções no âmbito da propriedade rural, na microbacia e na
região onde se insere. Portanto, não deve ser substituível por Unidades de Conservação,
muitas vezes distantes, com outra identidade ecológica e com permissão de uso
intensivo, como as Áreas de Proteção Ambiental.

- A RL desempenha papel fundamental na provisão de serviços ecossistêmicos
como polinização, manutenção de inimigos naturais de pragas agrícolas e balanço
hídrico, para boa parte das culturas agrícolas brasileiras.

- A RL complementa a conservação de populações e espécies não representadas
nas raras e mal distribuídas Unidades de Conservação do país, especialmente nos
biomas extra-amazônicos.

- A RL tem função de manutenção da conectividade ecológica e facilitação do
fluxo gênico de populações e espécies silvestres nas paisagens rurais.

- A RL representa uma oportunidade de uso econômico da propriedade. Para isso,
é preciso envidar esforços de pesquisa, desenvolvimento e inovação para estes
ambientes. É preciso também avançar na regulamentação da Política Nacional de
Pagamento por Serviços Ambientais.

- A proteção da vegetação nativa do Brasil é valorizada nas relações de comércio
das commodities agrícolas, de modo que retrocessos na legislação ambiental poderão
prejudicar as exportações do agronegócio.

- É preciso avançar na busca soluções que ampliem a produtividade e a produção
agropecuária, sem avanços destrutivos sobre a vegetação nativa protegida por lei,
buscando sustentabilidade e conservação dos recursos naturais do país.

Leia aqui na íntegra a nota da Embrapa.
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          O Código Florestal sofre outras importantes ameaças que podem ser citadas. Com o relatório do deputado ruralista Sérgio Souza (MDB-PR) da Medida Provisória 867/2018, que altera pontos do novo Código Florestal (Lei 12651/2012) (Ref.22). Historicamente a floresta mais devastada do Brasil, a Mata Atlântica registrou recentemente a menor taxa de desmatamento nas últimas três décadas (Ref.23). Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, entre 2017 e 2018, foram destruídos 113 quilômetros quadrados do bioma, uma queda de 9,3% em comparação com o período anterior. Essa conquista foi fruto de anos de esforços ambientais, especialmente após o estabelecimento de uma lei em 2006 que detalha quais tipos de atividades são permitidos no bioma e como sua proteção deve ser feita. Porém, se as emendas na MP 867 forem aprovadas, a Mata Atlântica - e outros biomas - podem ser novamente colocados em risco. Essas emendas podem incentivar o aumento do desmatamento, e entre as mudanças mais críticas na MP apontadas por diversas organizações, temos a flexibilização da obrigatoriedade de reflorestamento para aqueles que desmataram ilegalmente e a dispensa da recomposição de Reserva Legal. Isso significa uma anistia ampla, geral e irrestrita do desmatamento ilegal que aconteceu na Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica, e compromete a meta assumida pelo Brasil no Acordo de Paris de recompor 12 milhões de hectares de florestas.

           E mais recentemente, no final de maio (2019), uma medida provisória empurrada pelos ruralistas na Câmara dos Deputados visou flexibilizar partes cruciais do Código Florestal. Até mesmo representantes das indústrias agroexportadoras não concordaram e fizeram oposição. Pelo Código Florestal de 2012, vigente hoje, estavam desobrigados de promover a recomposição de áreas desmatadas os proprietários que tivessem promovido o desmatamento antes de 1965, quando uma lei estabeleceu percentuais de 50% de preservação da Amazônia e 20% para as demais vegetações do país. A alteração que estava sendo defendida pelos ruralistas esticava o prazo da desobrigação tomando como base os anos em que os biomas passaram a ser explicitamente citados na lei. No caso do cerrado, o início da proteção seria considerado como 1989. Já no caso dos pampas e do Pantanal, em 2000. Se a medida provisória tivesse passado, 5 milhões de hectares de vegetação nativa perdidos deixariam de ser recompostos, compensados ou regenerados. Felizmente, o Senado barrou a proposta (Ref.24).

           Por fim, temos que destacar um antigo e principal problema associado com as terras privadas na Amazônia e que precisa urgentemente ser sanado: a ocupação desregrada de terras da União. Por causa da falta do registro de quem ocupa as áreas, não é simples encontrar o responsável pelo corte de árvores ou qualquer outra exploração irregular dos recursos naturais. Em uma tentativa de tentar resolver o problema, o governo federal criou em 2012 o Cadastro Ambiental Rural (CAR). A ferramenta é autodeclaratória: a pessoa diz que é dona da terra e informa dados ambientais. Depois, a confirmação deve ser feita junto ao governo. Porém, a CAR não conseguiu resolver o "caos fundiário", onde também existe massiva sobreposição de registros do CAR - quando duas ou mais pessoas alegam ter propriedade das terras. Até 2017, já foram reveladas mais de 11 mil declarações sobrepostas em terras indígenas homologadas no Brasil (Ref.25). Convenientemente, o Flávio Bolsonaro também não menciona esse problema no seu texto.



          Um estudo de alerta publicado recentemente na Nature (Ref.31) revelou que apenas um terço (37%) dos 246 maiores rios do mundo, incluindo o notável Rio Amazonas, permanecem com seus fluxos hídricos livres. Represas e reservatórios estão drasticamente reduzindo os vários benefícios que rios saudáveis fornecem às pessoas e aos ecossistemas ao redor do globo. E apesar das hidrelétricas fornecerem energia renovável e sem emissão direta de gases do esfeito estufa, os danos à biodiversidade e às comunidades locais, além das emissões indiretas de gases estufa (especificamente metano), tornam essa alternativa energética nada sustentável e longe de ser ecologicamente amigável.

          Hidrelétricas são a fonte em torno de 71% da energia renovável ao redor do mundo, e foram essenciais para o desenvolvimento econômico de vários países. Porém, na maior parte das vezes as hidrelétricas são construídas visando somente o barateamento da eletricidade sem levar em conta os custos ambientais e sociais. Nesse sentido, a grande maioria das represas vêm causando graves danos ao ecossistema dos rios, desalojamento de milhões de pessoas e substancialmente contribuindo para o Aquecimento Global ao deflagrarem grande liberação de gás metano oriundo da decomposição anaeróbica da matéria orgânica (plantas e outros organismos vivos) submersos nas áreas inundadas.

          No final de 2018, um estudo publicado na PNAS (Ref.32) mostrou que várias hidrelétricas de larga-escala na Europa e nos EUA, construídas até 1975, foram um desastre para o meio ambiente, com dezenas delas sendo removidas anualmente por motivos frequentemente ligados à periculosidade das instalações e à falta de retorno financeiro. Os pesquisadores encontraram que mais de 90% das represas construídas desde a década de 1930 foram mais caras do que o antecipado, causando prejuízos ambientais não compensados. Nos EUA, hoje, as hidrelétricas respondem apenas por 6% da eletricidade total gerada. No entanto, nos últimos anos, a tendência nos países em desenvolvimento, na América do Sul, Ásia, e na África, está sendo de investir cada vez mais nas mega-hidrelétricas, e o pior: em bacias de rios associadas com mega-biodiversidades, como o Amazonas, o Congo e o Mekong. Os pesquisadores do estudo, por exemplo, mostraram que duas represas no Rio Madeira - maior tributário do Rio Amazonas -, finalizadas  há 6 anos, produzirão apenas uma fração da potência esperada por causa das mudanças climáticas. Espelhando os problemas enfrentados na Europa e nos EUA, o estudo concluiu que as grandes represas nos países em desenvolvimento não são sustentáveis e geram impactos ambientais ainda mais graves do que as represas Europeias e Norte-Americanas.



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(3) Para saber mais, acesse: Tesla, o Gênio dos Raios


          Mesmo com todos esses problemas, mais de 3700 represas para hidrelétricas estão sendo construídas ao redor do mundo, a maioria nos países em desenvolvimento. No Brasil, 428 represas já atuantes ou propostas na bacia do Rio Amazonas - o maior e mais importante sistema fluvial na Terra - representam um enorme risco para o bioma da Amazônia e de toda a América do Sul. Dessas centenas de represas, cerca de um terço já estão construídas ou estão sob construção. Nesse sentido, dois estudos de 2017, um publicado na Nature (Ref.33) e o outro na PLOS ONE (Ref.34), mostraram que um caos ambiental irá atingir a biodiversidade da Amazônia se todas as represas planejadas forem construídas.



          O primeiro estudo, publicado na Nature, e realizado por um time internacional de pesquisadores, incluindo representantes da NASA e do Conselho Científico Brasileiro, mostrou que se todas as represas planejadas forem construídas, o efeito cumulativo delas irá engatilhar massivos distúrbios bióticos e hidrofísicos, especialmente em termos de mudança no fluxo de sedimentos indo do Andes até o Oceano Atlântico, que podem trazer grandes prejuízos para o clima regional e reduzir drasticamente o aporte de nutrientes para diversos pontos da Bacia Amazônica. Sedimentos transportados por rios fornecem nutrientes que sustentam a vida selvagem, contribuem para o abastecimento de comida para as comunidades locais e modulam as dinâmicas fluviais que resultam em uma alta diversidade biótica e de habitats tanto para organismos aquáticos quanto para os não-aquáticos. As represas interrompem os fluxos de sedimentos, dificultando a circulação de nutrientes. Segundo o estudo, as duas gigantescas represas no Rio Madeira - Santo Antônio e Jiaru - já diminuíram a concentração de sedimentos ali circulantes em 20% e as outras 25 represas planejadas para esse rio irão aprisionar ainda mais sedimentos/nutrientes.




          Já o segundo estudo, publicado na PLOS ONE, e também realizado por um time internacional de pesquisadores - incluindo representantes da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (WCS) e o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia - reforçou o estudo anterior, mostrando que seis potenciais ou planejadas mega-represas na região Andina da Bacia do Rio Amazonas - Peru: Pongo de Manseriche, Inambari, TAM 40, e Pongo de Aguirre; Bolívia: Angosto del Bala e Rositas - trariam consequências ambientais catastróficas se concretizadas, incluindo a retenção de quase 900 milhões de toneladas de sedimentos. Essa redução representa 69% de todos os sedimentos que fluem do Andes e 64% de todo o suprimento de sedimentos da Amazônia, e é esperado de se estender para o canal do rio principal, impactando toda região do delta e de terras alagadas.

          Apesar das Montanhas dos Andes ocuparem apenas 11% da Bacia Amazônica, essas formações fornecem em torno de 93% dos sedimentos e a maior parte de nutrientes carregados pelo sistema fluvial Amazônico. Cortar drasticamente esse suprimento de sedimentos levaria prejuízos incalculáveis à vida selvagem e às comunidades que dependem dos rios na região para a prática de agricultura e para a pesca. Reduzindo o fornecimento de sedimentos Andinos por 69%, a quantidade de fósforo e nitrogênio indo para o sistema do Rio Amazonas pode cair em torno de 51% e 23%, respectivamente, dificultando o crescimento dos seres vivos ali presentes. E sem a deposição suficiente de sedimentos nos leitos dos rios, estes ficam mais fundos, dificultando alagamentos sazonais que são importantes para levar nutrientes para a terra firme.

          Felizmente, em 2017, o governo Peruano decidiu temporariamente não promover o desenvolvimento de grandes plantas hidrelétricas na parte Amazônica do Peru, devido aos alertas sobre os impactos ambientais dessas obras e devido aos estudos mostrando a falta de eficiência e baixo retorno financeiro que tendem a acompanhar as grandes represas.

          "A influência da Bacia do Rio Amazonas é sentida literalmente por bilhões de pessoas ao redor do mundo," disse a Dra. Julie Kunen, Vice-Presidente da Wildlife Conservation Society nas Américas, em entrevista ao site da organização (Ref.47). "Qualquer desenvolvimento infraestrutural planejado na região Amazônica dos Andes deve considerar os impactos cumulativos em todo o ecossistema, especialmente para a populações de peixes que são vitais para a seguridade alimentar na região da Amazônia."

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          Para corroborar esses dois estudos, outro estudo bem mais recente e publicado no começo deste ano no periódico da PNAS (Ref.35), alertou que os planejamentos das grandes hidrelétricas estão sendo feitos sem uma análise mínima dos custos totais, das mudanças climáticas e dos impactos ambientais e às comunidades locais. Liderado pelo pesquisador Brasileiro Emilio Moran, da Universidade de Campinas - e hoje trabalhando na Universidade Estadual de Michigan, EUA -, o estudo apontou que se os altos custos de desmontamento das hidrelétricas não mais funcionais fossem levados em conta, muitas delas não seriam nem mesmo construídas. Ainda segundo o estudo, enquanto que as primeiras represas construídas na América do Norte e na Europa forneciam energia elétrica para as áreas rurais e água para os sistemas de irrigação (projetos com propósitos sociais), as grandes represas hoje em construção ao longo dos rios na Amazônia, na África e no sudeste Asiático são em grande parte projetados para suprir energia elétrica a companhias produtoras de aço, por exemplo, sem beneficiar comunidades locais.

          O caso mais emblemático analisado pelo estudo é o projeto da Grande Represa de Inga, no Rio do Congo, nas Quedas de Inga, a maior queda d´água do mundo por volume. Essa represa possui o potencial de aumentar o total de energia elétrica produzido na África em quase 35%, mas o projeto visa a exportação dessa absurda quantidade de energia para as companhias mineradoras na África do Sul, longe do Congo e mais longe ainda das comunidades locais afetadas pela gigantesca represa. No território Congolês, 91% das pessoas não possuem acesso à eletricidade e, mesmo assim, o projeto bilionário do governo (US$80 bilhões) - o maior investimento infraestrutural do continente Africano - não possui quaisquer prioridades para o seu próprio povo. Isso sem contar os dramáticos danos ambientais.




          Na Bacia Amazônica, onde existem 147 represas planejadas, incluindo 65 no Brasil, 2320 espécies de peixes já foram afetadas pelas hidrelétricas em funcionamento. No Tocantis, o número de peixes - muitos endêmicos da Amazônia - já caiu 25% depois da instalação das represas. Na área da represa do Tucuruí, a pesca de peixes caiu 60% imediatamente após sua construção, com mais de 100 mil pessoas negativamente afetadas, recessão da produtividade agrícola, entre outros danos aos recursos naturais. Dispositivos presentes em represas Brasileiras que deveriam facilitar a migração de peixes de um lado para o outro dessas estruturas não funcionam ou mesmo são colocados para funcionar na maioria dos casos, levando à morte de dezenas de toneladas de peixes anualmente.

           E além das já cidades represas no Rio Madeira, o novo estudo mostra que a represa Belo Monte no Xingu, completada em 2016, irá produzir bem menos energia do que o previsto devido aos efeitos das mudanças climáticas. É estimado agora que a hidrelétrica associada irá gerar somente 4,46 GW ao invés dos projetados 11,23 GW, e isso no melhor dos cenários. A maioria dos modelos climáticos atuais preveem maiores temperaturas e menor volume de chuva nas Bacias do Xingu, Tapajós e de Madeira, reduzindo ainda mais a geração de energia elétrica nessas regiões via hidrelétricas. E o desmatamento descontrolado no Xingu pode levar a produtividade energética na Belo Monte ficar abaixo dos 50% de capacidade. O desmatamento, ao diminuir a evapotranspiração via vegetação, diminui enormemente o potencial de chuvas.

          Aliás, aproximadamente metade das chuvas na Bacia Amazônica são estimadas de cair devido à reciclagem da umidade interna da floresta tropical associada, e em boa parte (~20%) devido à evapotranspiração (I). Ou seja, o projeto de lei do Flávio Bolsonaro, de incentivo ao desflorestamento, piora ainda mais a situação das problemáticas represas de grande porte, e condena os produtores rurais a fortes prejuízos a médio e a longo prazo. E para deixar a situação mais grave: em seu texto anti-científico, Flávio Bolsonaro vai contra as evidências científicas e afirma que as florestas não interferem no ciclo de chuvas, uma mentira que chega a ser criminosa. Novamente, é a tentativa de minimizar a importância do bioma Amazônico como uma justificativa supostamente plausível para o seu desmatamento.

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          Outro estudo publicado também este ano, no periódico Journal of Applied Ecology (Ref.36), concluiu que as mega-represas não devem ser construídas em florestas tropicais de baixa altitude, devido aos grandes impactos ambientais. O estudo, realizado por pesquisadores da Universidade de Stirling, EUA, analisou o sistema associado à Hidrelétrica de Balbina, na Amazônia Brasileira, e mostrou que as mega-represas causam extensiva e intolerável fragmentação das florestas, em um nível que coloca em risco inúmeras espécies a curto, médio e a longo prazo.

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(I) RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO

Geralmente as pessoas associam as chuvas como o resultado da evaporação da água oriunda dos oceanos. Isso é verdade para grande parte das precipitações nas regiões costeiras. Porém, no interior dos continentes, a maior parte das precipitações são oriundas da evaporação de água de lagos, rios, solo úmido e via evapotranspiração das plantas, especialmente árvores. Em grandes florestas tropicais úmidas, como a Amazônica, o processo de evapotranspiração influencia substancialmente no regime e no volume de precipitações e no clima de forma local e global.

A evapotranspiração tem efeito pronunciado quando o fluxo de umidade inter-regional é menos significativo, transferindo grande quantidade de água da superfície terrestre para a atmosfera. A evapotranspiração, por sua vez, depende da disponibilidade de umidade na área ou abaixo da superfície (zona insaturada), que é evaporada diretamente ou através da transpiração da vegetação. As árvores, através das suas raízes e poros nas folhas, servem de pontes para o lançamento de água de regiões profundas no solo para a atmosfera. Nesse sentido, mudanças na cobertura das terras e do clima que influenciem esse processo afetam o regime de precipitação em grande parte da América do Sul.



No geral, a Bacia Amazônica se comporta como um sumidouro de umidade da atmosfera, recebendo vapor d'água tanto do transporte de origem oceânica quanto da evapotranspiração da floresta por meio do processo de reciclagem de precipitação. Em escala regional, a Amazônia representa uma importante fonte de umidade para outras regiões da América do Sul, contribuindo para o regime da precipitação em outras áreas do continente. Aproximadamente 50% da precipitação anual média de 2300 mm retorna para a atmosfera via evapotranspiração. Estudos científicos estimam uma média da reciclagem de precipitação da ordem de 20-25% na Bacia Amazônica, com valores variando entre 10-15% na porção norte e 40-50% na porção sul (Ref.42-46, 48-51). Dessa forma, do total da precipitação na bacia, aproximadamente, 20% é decorrente do processo de evapotranspiração local, com importantes implicações para o ciclo hidrológico Amazônico.

Com relação à circulação regional em específico, a Amazônia representa uma importante fonte de umidade para o Centro, Sudeste e Sul do Brasil, assim como para o norte da Argentina, incluindo a bacia do Prata, contribuindo para o regime da precipitação nessas regiões, vital para uma ótima produtividade do setor agropecuário. De modo geral, a reciclagem de precipitação é mais intensa sobre a porção centro-sul do continente, sendo diretamente influenciada pela evapotranspiração dessa região. Aliás, os padrões de precipitação no bioma do Pantanal mostram-se fortemente dependentes da reciclagem hídrica que ocorre na Bacia Amazônica (Ref.26).

A Amazônia como um todo gera aproximadamente metade da sua própria chuva ao reciclar umidade 5 a 6 vezes à medida que as massas de ar se movem do Atlântico ao longo da bacia até o oeste. Umidade oriunda da Amazônia é importante para a chuva e o bem-estar humano porque contribui para as precipitações de inverno para partes da bacia da La Plata, especialmente o sul do Paraguai, sul do Brasil, Uruguai e centro-leste da Argentina. Como as florestas mantêm uma taxa constante de evapotranspiração ao longo de todo o ano, um maior desmatamento leva a períodos de seca mais longos. Aliado ao aquecimento global, um desmatamento afetando mais de 20-25% da área original da Amazônia pode transformar irreversivelmente o bioma em uma savana, com extrema perda de biodiversidade.

Desempenhando um importante papel nas trocas de energia, umidade e massa entre a superfície continental e a atmosfera, fundamentais para a manutenção do clima regional e global, temos no final que a floresta Amazônica atua de forma muito importante no armazenamento e absorção do excesso de carbono da atmosfera, no transporte de gases traço, aerossóis e vapor d’água para regiões remotas e, também, a reciclagem de precipitação, de grande importância para a manutenção de seus ecossistemas. A floresta Amazônica também atua como fonte indispensável de calor para a atmosfera global através de sua intensa evapotranspiração e liberação de calor latente na média e alta troposfera tropical, contribuindo na geração e manutenção da circulação atmosférica em escalas regional e global

Portanto, as falas do Flávio Bolsonaro sobre esse tema são falácias absurdas e deveriam ser tratadas como um crime ambiental.

> HIPÓTESE: Existe também a hipótese, ainda sem significativo suporte científico e alvo de várias críticas céticas no meio acadêmico, de que as florestas podem não apenas fomentar chuvas como também criar vento. Essa circulação de ar extra teria origem também do processo de transpiração, onde a água evaporada das folhas se condensaria e criaria áreas de menor pressão atmosférica, dirigindo como consequência a produção de ventos. Isso poderia explicar parte do motivo dos ventos com umidade atingirem com substancial força áreas no interior dos continentes longe das áreas costeiras (Ref.57).
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   ALTERNATIVAS ENERGÉTICAS

          Além de exigirem um preço de construção muito elevado - frequentemente não compensando o investimento - e causarem graves prejuízos ambientais, as mega-hidrelétricas não são a única opção para o Brasil e outros países que compartilham a Amazônia aumentarem a oferta de energia elétrica. A demanda de médio e de longo prazos para a eletricidade pode ser atendida sem sacrificar os ecossistemas costeiros e fluviais da região Amazônica e sem precisar recorrer às poluidoras usinas de carvão e às extremamente custosas usinas nucleares. Energia solar, energia eólica, pequenas hidrelétricas estrategicamente implementadas, e energia hidrocinética de rios podem suprir as necessidades energéticas dos países Sul-Americanos - especialmente o Brasil - de forma ambientalmente amigável e financeiramente atrativa.

          Medidas mais flexíveis nos países da Amazônia poderiam facilitar uma transição suave para uma matriz energeticamente mais diversa e baseada em fontes renováveis, protegendo os serviços ecológicos fornecidos pelos rios Amazonianos. O Brasil, por exemplo, possui um enorme potencial desperdiçado para a produção de energia eólica (>143 GW), energia solar, e uma variedade de alternativas de menor escala para as energias hídricas que não dependam de grandes represas. O Peru também possui um grande potencial para as energias solar, eólica e geotérmica, mas pouco dela está sendo explorado no país. E os preços e a eficiência dessas tecnologias vêm só diminuindo e aumentando, respectivamente.

          Aproveitando apenas a energia cinética do fluxo dos rios, turbinas submergidas poderiam suprir a demanda energética de comunidades locais sem desvio do curso dos rios, sem a necessidade de quedas d´águas, sem substanciais impactos ambientais e a baixo custo. Além disso, pequenas turbinas podem ser instaladas próximo de represas já construídas de forma a suplementar a geração de energia e eliminar a necessidade de construção de mais represas. No caso da instalação de represas de pequeno porte, essas podem ser bem-vindas se muito bem planejadas e limitadas em número, respeitando análises técnicas sobre os riscos e benefícios, e adotando as mais modernas inovações ecologicamente sustentáveis. Experimentos na Suécia, por exemplo, simulando o fluxo natural dos rios, foram capazes de otimizar as dinâmicas ecológicas no sistema das represas - incluindo a migração segura de peixes - com apenas pequenas reduções na produção energética (Ref.37).




          Além disso, o Brasil está perdendo aproximadamente 20% do total de energia produzido dentro do seu território devido às transmissões deficientes. Investimentos na otimização dos sistemas de transmissão e distribuição, e na modernização das plantas de hidrelétricas já existentes, poderiam aumentar significativamente a entrega de energia sem a necessidade de novas fontes energéticas.

          Em um momento onde o Brasil enfrenta uma grave crise econômica, focar recursos de investimento nessas alternativas energéticas é uma opção muito melhor e ecologicamente sustentável do que gastar fortunas em mega-hidrelétricas e usinas nucleares. Considerando que possuímos a sexta maior reserva de urânio - combustível para a energia nuclear -, investimento em usinas nucleares além de Angra 3 é relativamente atrativo a longo prazo, mas talvez em uma economia mais estável. Hoje a energia nuclear responde por pouco menos de 3% da eletricidade gerada no país via Angra I e II.

          Somando-se a isso, e considerando a importância da Amazônia no contexto global, um foco em alternativas ecologicamente sustentáveis de produção energética pode atrair grandes somas de investimentos estrangeiros pela causa ambiental, desde proteção à biodiversidade até o combate às mudanças climáticas, e tanto a nível governamental quanto a nível individual.

          Nesse cenário, por que então essas alternativas não vêm sendo melhor estudadas e consideradas pelo governo Brasileiro? Por que a insistência com as problemáticas grandes represas? Bem, considerando os recentes escândalos de corrupção no Brasil associados à represa de Belo Monte, onde grandes propinas foram pagas a políticos para a aprovação da represa apesar das fortes evidências científicas contrárias à sua construção, fica sugerido que a motivação no favorecimento das represas de grande escala pode estar ligada a complexas redes de corrupção ou a interesses financeiros particulares. De fato, a realização dessas colossais obras são um prato cheio de oportunidades para o desvio de fundos. Dos $11,1 trilhões estimados que serão gastos em infraestrutura global entre 2005 e 2030, $1,9 trilhões serão gastos em projetos de hidrelétricas, onde 60% desse montante estão associados com construção civil e relocação de pessoas, duas áreas conhecidas de serem suscetíveis ao desvio inapropriado de fundos.

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          As hidrelétricas existentes no Brasil já produzem substancial energia para a grade integrada, e o que é necessário é o maior investimento na diversificação energética, com foco primário na exploração das energias solar e eólica, mais do que abundantes no território Brasileiro.



           Em 2018, os EUA entraram em uma acirrada disputa econômica com a China, introduzindo tarifas de até 25% em produtos importados Chineses que somam um total de US$250 bilhões. Em retaliação, o governo Chinês impôs tarifas de 25% em US$110 bilhões válidos de produtos Norte-Americanos, incluindo a soja.

          Agora, o presidente Norte-Americano Donald Trump aprovou mais um aumento de tarifas de 10% para 25% em um montante total de mercadorias Chinesas que representam um valor de $200 bilhões. Essa decisão veio há pouco mais de uma semana, quando Washington e Pequim falharam em alcançar um acordo na área comercial. Em retaliação, o governo Chinês anunciou planos de aumentar as tarifas em $60 bilhões de importações dos EUA a partir de 1 de junho deste ano.

          Nesse sentido, um estudo recentemente publicado na Nature (Ref.38) levantou um alerta de que essa guerra comercial pode acelerar ainda mais o desmatamento da Amazônia. Isso porque o Brasil ficaria sob forte pressão em fornecer até 38 milhões de toneladas de grãos de soja - usadas principalmente para a alimentação na pecuária - para a China anualmente. Em 2018, os aumentos nas tarifas levaram ao corte de metade da soja exportada dos EUA para a China. Com a intensificação da guerra comercial, essas exportações podem cair ainda mais, forçando os Chineses a voltarem agressivamente os olhos para o segundo maior exportador de soja, ou seja, o nosso país.

           Essa pressão Chinesa pode levar o governo Brasileiro a liberar mais terras para o plantio de soja, ao custo da floresta Amazônica. O novo estudo estimou que o aumento de uso da terra para produção agrícola pode aumentar em 39% - cerca de 13 milhões de hectares. Aliás, um aumento no mercado de soja Brasileiro nas últimas duas décadas já levou a um desmatamento extra de larga escala nas nossas florestas tropicais




          No final de 2018, 75% das importações de soja da China vieram do Brasil, significando que toda a redução de importações do produto oriundas dos EUA foram compensadas com as exportações Brasileiras. E mesmo em um cenário otimista onde os EUA resolvam suspender as tarifas extras dos produtos Chineses, especialistas argumentam que a China continuará buscando se livrar da dependência dos Norte-Americanos, de forma a prevenir futuras ameaças. Isso significa que milhões de hectares da Amazônia ainda estarão ameaçados mesmo se a guerra comercial tiver um fim.

         Para resolver a questão em qualquer um dos cenários, existem duas principais opções:

1. China e EUA deveriam se conscientizarem dos danos ambientais que estariam promovendo com a guerra comercial, evitando o aumento de tarifas em produtos do setor agrícola;

2. A China poderia também procurar um maior número de fornecedores de soja, incluindo a Europa e a Argentina, e também começar a produzir soja e outras plantas ricas em proteínas nas suas próprias terras. De fato, a China diminuiu a quantidade de terras destinadas à produção de soja em cerca de 25% em parte porque é mais barato importar do Brasil.

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            Os pesquisadores do novo estudo também recomendaram que o Brasil melhore seus esquemas de proteção ambiental via recompensa financeira a desenvolvedores e negociadores que promovam atividades de exploração que não exijam desmatamento.


   É NECESSÁRIO DESMATAR PARA PRODUZIR MAIS?

          Aproveitando o caso da China, podemos observar claramente que boa parte da demanda de soja do país poderia ser fornecida pelo próprio país, caso este estivesse disposto a diminuir um pouco os lucros em prol da conservação da Amazônia. Mas não são apenas ações solidárias dos grandes importadores as únicas formas eficientes de se aumentar a produtividade sem promover desflorestamento. Aliás, como grande fornecedora de serviços, desmatar a massa florestal Amazônica é um tiro no próprio pé, especialmente quando lembramos do papel crucial da evapotranspiração para a reciclagem e regime de chuvas.

          Diversos estudos nos últimos anos vêm apresentando inovadoras e muitas vezes simples propostas que podem aumentar substancialmente a produtividade das terras nos países em desenvolvimento, como o Brasil. E várias delas não ficam apenas no papel, sendo testadas com sucesso na prática. Podemos começar com um estudo recente mostrando que uma simples mudança nas relações entre arrendador e arrendatário é suficiente para aumentar a produtividade agrícola em 60%!

          O estudo, publicado na The Quarterly Journal of Economics (Ref.39), mostrou que aumentar a fatia da produção dos campos destinada aos arrendatários para 75% em vez do habitual 50/50% leva a um grande aumento de produtividade das terras visadas, através do maior incentivo oferecido ao agricultor via maiores investimentos e maior tomada de risco. Os pesquisadores chegaram a essa conclusão via resultados obtidos em um experimento de campo na Uganda.

          Regras de parceria rural - em termos de partilha agrícola - que garantem 50% da produção agrária ao proprietário das terras e 50% para o agricultor efetivo, comum nos países em desenvolvimento, têm sido frequentemente culpadas pela baixa produtividade na agricultura. Em uma famosa proposição, Alfred Marshall, em 1890, argumentou que "quando o agricultor têm que dar ao seu arrendador metade dos retornos para cada dose de capital e trabalho que ele aplica na terra, não será do seu interesse aplicar quaisquer doses ao retorno total para o qual é menos do que duas vezes suficiente para recompensá-lo".

          Para testar essa hipótese, os pesquisadores dividiram 304 arrendatários, localizados em 237 vilas, em três grupos: um grupo manteve o acordo de 50-50%, o segundo grupo passou para o acordo de 75-25%, e o terceiro grupo continuou com o acordo de 50-50%, mas os arrendatários receberam um dinheiro extra, para controlar se quaisquer mudanças na produtividade eram devidas ao efeito da renda adicional.

          O resultado corroborou as ideias de Marshall, mostrando que o grupo 75-25% teve uma produtividade média 60% maior do que os outros dois grupos, estes dois últimos os quais tiveram similar saída de produção. E a maior produtividade ocorreu sem a necessidade de mais terras ou de degradação do solo. De acordo com os pesquisadores, o efeito observado é creditado em partes iguais ao maior investimento capital nas terras pelos arrendatários (120% mais fertilizantes e 29% mais ferramentas agrárias) e à maior tomada de risco (campos mais rentáveis, mas mais suscetíveis às chuvas).

          No geral, o aumento da fatia de produção ao arrendatário foi traduzido em um aumento de 140% na sua renda, com um alto ganho em qualidade de vida, mas com 20% de queda nos lucros do arrendador. Nesse sentido, os pesquisadores sugerem que medidas governamentais de compensação aos proprietários de terra podem cobrir essas perdas de lucro e mesmo assim garantir grandes ganhos para o país.

          Já um estudo publicado no periódico Frontiers in Sustainable Food Systems (Ref.40) mostrou que mudanças no uso de terra e nos métodos de agricultura podem preservar as áreas florestais do Vietnã, aumentar a produtividade agrícola, economizar ao país um total de US$2,3 bilhões até 2030, e reduzir as emissões de carbono de modo a cumprir o compromisso com o Acordo de Paris. Entre as 41 ações sugeridas para tal estão a implantação de agroflorestamento nas plantações de café, irrigação intermitente das plantações de arroz ao invés de mantê-las permanentemente alagadas, e o fornecimento ao gado de uma alimentação melhorada. Todas as propostas são facilmente alcançáveis dentro das limitações do país.

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          Voltando o foco agora para o Brasil, uma carta à Science (Ref.41) publicada em abril deste ano e assinada por cinco cientistas europeus, um cientista brasileiro e mais 604 signatários, os pesquisadores afirmam que, através da restauração das terras degradadas e melhora dos campos de cultivo, é possível atender ao aumento da demanda na agricultura Brasileira por no mínimo duas décadas sem a necessidade de desmatar mais áreas florestais. Na carta, os pesquisadores também pedem que a União Europeia, um dos nossos grandes parceiros comerciais, pressione mais o Brasil de forma que este se esforce mais na defesa do seu bioma.

          E em entrevista recente para o G1 (Ref.27), o pesquisador Eduardo Assad, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), enfatizou que não só é possível aumentar a produtividade do Brasil sem desmatar mais áreas, como esse modelo garante mais lucro no futuro. Basicamente, Assad defende o uso de terras que já foram desmatadas, e cita como base um estudo do Inpe apresentado em 2014, que traz o balanço dos números de terras que poderiam ser aproveitadas na Amazônia sem destruir mais floresta primária. Assad faz a soma e diz que 87 milhões de hectares podem ser ocupados sem a necessidade de alterar qualquer parte do Código Florestal em vigência. Segundo o pesquisador, isso permite, no mínimo, mais 240 milhões de toneladas de grãos sem a necessidade de desmatar.

          Já o projeto TerraClass (Ref.54), uma parceria entre o Inpe e a Embrapa, e cujo objetivo é qualificar o desflorestamento da Amazônia legal, tem por base as áreas desflorestadas mapeadas e publicadas pelo Projeto PRODES (Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite) e imagens de satélite, apresentando os resultados do mapeamento do uso e cobertura da terra na Amazônia Legal para todas as áreas desflorestadas mapeadas pelo PRODES até o ano de 2014. Nesse sentido, após o fim da coleta de dados, o projeto realizou um estudo avaliando o que aconteceu com as áreas desmatadas na Amazônia desde a década de 1980. O estudo concluiu que 63% dessas áreas estão ocupadas por pecuária de baixa produtividade (pouquíssimo gado espalhado em grandes espaços) e 23% foram abandonadas e estão hoje se regenerando. Em outras palavras, grande parte do desmatamento na região, a médio e a longo prazo, se torna inútil, gerando terras sub-utilizadas ou abandonadas. Por que continuar devastando? Por que não utilizar as áreas já desmatadas?

           E, claro, não podemos deixar de mencionar que não só de agricultura intensiva e pecuária vive o setor primário no país. Nas áreas protegidas da Amazônia diversas atividades produtivas são e podem ser realizadas pelas comunidades locais e indígenas, as quais rendem hoje bilhões de reais todos os anos, englobando a exploração controlada de madeira, extração de óleo, borracha, sementes, produção de mel, plantio de açaí, entre diversas outras. Maior investimento e planejamento pode gerar ainda mais riqueza com os recursos naturais oferecidos pela floresta, e sem prejuízos para a biodiversidade.

          Podemos citar a cadeia produtiva do mencionado açaí. Até duas décadas atrás, um fruto de consumo tradicional local. Hoje, da polpa do açaí derivam dezenas de diferentes produtos para as indústrias alimentícia, nutracêutica, cosmética etc., gerando já mais de 1,5 bilhão de dólares para a economia Amazônica a cada ano, tendo melhorado a renda de mais de 250 mil produtores. Se este mesmo caminho fosse aplicado a várias dezenas de produtos Amazônicos - com ciência e tecnologia para agregação de valor desde a base de produção para beneficiar as populações locais -, essa nova bioeconomia seria muito maior do que aquela proveniente de pecuária, grãos e exploração madeireira.

          Nesse sentido, temos que destacar o projeto Amazônia 4.0, desenvolvido pelo climatologista e um dos mais importantes cientistas brasileiros Carlos Alberto Nobre, o qual visa explorar justamente o enorme potencial dos ativos biológicos e biomiméticos da biodiversidade (Ref.55). Em alinhamento com a Quarta Revolução Industrial, que marca o século XXI, esse modelo de exploração verde pode trazer um robusto desenvolvimento local, principalmente se forem criadas inúmeras bioindústrias na própria região Amazônica, produzindo e exportando produtos de muito maior valor agregado, gerando melhores empregos e inclusão social. E uma maior força econômica para a Amazônia, sem prejudicar os serviços ecológicos por ela fornecidos, traria, obviamente, um grande avanço socioeconômico para todo o país.

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Vídeos recomendados e complementares:

- Uma breve palestra do Eduardo Assad, engenheiro agrônomo da Embraba, no USP Talks: Amazônia: Como produzir sem devastar 

- Produção do Observatório do Clima sobre a importância de se proteger a Amazônia e trazendo o esclarecimento de desinformações sobre o tema produtividade vs preservação ambiental: Fatos Florestais: caem mitos que opõem produção à conservação no Brasil 



          Citando no encerramento mais um importante estudo, publicado no periódico Environmental Science and Pollution Research (Ref.28), pesquisadores mostraram que, na China, se reservas ambientais não tivessem sido estabelecidas, as áreas protegidas veriam um aumento de 50% no desmatamento. Comunidades locais hoje legalmente administram 13% das áreas florestais ao redor do mundo, uma medida que diminui o nível de pobreza entre a população rural e ajuda a proteger meio ambiente (Ref.4). Povos indígenas também são um fator extra de proteção, porque assim como as comunidades locais, eles promovem uma exploração sustentável dos recursos naturais. Portanto, reservas precisam ser protegidas e ampliadas, e comunidades locais e indígenas precisam ser preservadas e ouvidas. Além disso, no caso da Amazônia, é necessário buscar um trabalho em conjunto com os países que compartilham esse bioma, ou esforços de um lado podem ser prejudicados pelo descaso do outro, notavelmente em relação à expansão desenfreada de hidrelétricas ao longo da bacia hidrográfica Amazônica .

          O novo governo Brasileiro se auto-declara como a representação da 'nova política', portanto deve agir como tal, e apostar em alternativas modernas que aumentem a produtividade energética e do setor agrícola sem o sacrifício das nossas florestas e do nosso ecossistema em geral. Por que não investir mais em fontes limpas e sustentáveis de energia, como a solar e a eólica? Por que não aplicar novos métodos que otimizam o uso das terras para uma maior produtividade na agricultura sem a necessidade de mais terras? Por que não buscar alternativas ao uso excessivo de agrotóxicos altamente venenosos, dando preferência aos métodos naturais de controle de pragas ou aos novos agrotóxicos menos nocivos? Por que ainda insistir em uma economia primária, de exportação de matéria-prima, sendo que poderíamos investir em outras áreas que não dependam da exploração excessiva do campo? Será que, como provavelmente ocorre no persistente problema das mega-hidrelétricas, a corrupção ainda continua falando mais alto? Promover o novo ameaça as rédeas do antiquado?

          Está na hora dos nossos governantes pararem com as declarações baseadas em achismos, e confiarem áreas ambientais a especialistas  que se baseiem em reais evidências científicas nas suas propostas, não em um texto ridículo escrito pelo filho alienado do presidente, o qual aliás está sendo pesadamente acusado de corrupção. A Amazônia está, sim, sob grande ameaça, e precisamos protegê-la, não dar o aval para a sua devastação. Mudanças climáticas são reais e o volume das evidências científicas deixa pouco espaço para outros fatores além das atividades antropogênicas como causa principal do Aquecimento Global.

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          Ninguém sensato é contra a agricultura ou despreza a pecuária, como tentam insinuar os anti-ambientalistas no governo, especialmente porque nosso país depende e muito do setor agropecuário. O que precisamos combater é a devastação das nossas florestas, algo que, infelizmente, o Flávio Bolsonaro não consegue dissociar da produtividade. A conservação das nossas florestas favorece a todos,incluindo os grandes proprietários de terra. E como todo sistema vivo e interconectado, danos aparentemente pequenos nesses biomas podem levar a graves prejuízos generalizados via efeito cascata, e por isso as análises ambientais técnicas são tão importantes antes de quaisquer projetos nas áreas florestais. Ao invés de ataques contra cientistas e ambientalistas, o governo deveria começar a trabalhar mais com a ciência, porque essa é a única forma a garantir o nosso futuro.

          A restauração dos ecossistemas - o que não deve ser confundido com a recuperação de áreas degradadas - é tarefa que ainda está fora do alcance da nossa espécie, Homo sapiens. Por isso é tão importante conservar a rica biodiversidade que ainda resta no Brasil, especialmente a Amazônia.


REFERÊNCIAS
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  2. https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/04/projeto-de-flavio-bolsonaro-quer-fim-de-reserva-legal-em-propriedades-rurais.shtml
  3. https://arxiv.org/pdf/1809.00340.pdf
  4. https://advances.sciencemag.org/content/3/5/e1601693
  5. https://www.nature.com/news/brazilian-amazon-still-plagued-by-illegal-use-of-natural-resources-1.22830Artaxo, P. (2019). Working together for Amazonia. Science, 363(6425), 323–323.
  6. https://peerj.com/articles/3902/
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  9. Yu Wu & Erin O. Sills (2018). The Evolving Relationship between Market Access and Deforestation on the Amazon Frontier. Selected Paper prepared for presentation at the 2018 Agricultural & Applied Economics Association Annual Meeting, Washington, D.C., August 5-7, 2018.
  10. http://mrdivis.yolasite.com/resources/Deforestation%20in%20the%20Amazon.pdf
  11. https://link.springer.com/article/10.1007/s12665-018-7411-9
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  14. https://peerj.com/articles/3902
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  23. https://www.sosma.org.br/108410/atlas-da-mata-atlantica/
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  25. https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/06/21/na-ponta-da-linha-quem-demarca-terra-indigena-e-o-presidente-diz-bolsonaro.ghtml
  26. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969717332229
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  28. https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs11356-019-05232-9
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  57. https://www.sciencemag.org/news/2020/06/controversial-russian-theory-claims-forests-don-t-just-make-rain-they-make-wind