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Várias estrelas que vemos no céu são bolas de cristal


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          Há 50 anos, Físicos propuseram a hipótese de que estrelas destinadas a se transformarem em Anãs Brancas, como o nosso Sol, passariam por uma fase de transição que levaria à formação de estruturas cristalinas a partir do material remanescente após a explosão (morte). Em outras palavras, essas estrelas se transformariam em enormes bolas de cristal ao longo de bilhões de anos. Porém, até o momento, não existiam evidências de estrelas cristalinas no Universo. Agora, em um estudo publicado na Nature (Ref.1), pesquisadores revelaram as primeiras evidências diretas de Anãs Brancas cristalinas, e isso sugere que muitas delas são bilhões de anos mais antigas do que se especulava.

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   ANÃS BRANCAS

          Anãs Brancas são remanescentes muito quentes de estrelas depletadas de fontes de energia nuclear que estão em um processo de resfriamento, este o qual se estende por bilhões de anos. Essas estrelas, as quais são suportadas por pressão de degenerescência de elétrons, alcançam densidades de 107 gramas por centímetro cúbico em seus núcleos. Basicamente, quando o combustível nuclear se esgota, estrelas com tamanhos similares ao Sol sofrem uma drástica expansão, transformando-se em Gigantes Vermelhas, com subsequente expulsão da maior parte do material externo (elementos químicos diversos, especialmente hidrogênio e hélio) (1), criando uma Nebulosa Planetária. Com o tempo, apenas o núcleo quente da estrela original permanece.


          Estrelas de massa intermediária, como o nosso Sol, liberam bastante energia através da fusão de hidrogênio (1H) em hélio (2He) dentro dos seus núcleos. Isso é o que o Sol está fazendo neste exato momento, ao longo dos últimos 5 bilhões de anos, com o calor gerado nesse contínuo processo de fusão nuclear criando uma pressão de dentro para fora. Nós próximos 5 bilhões de anos, o Sol terá usado praticamente todo o hidrogênio no seu núcleo. Sem combustível (1H) para a fusão, a geração de calor no núcleo é cessada, a pressão diminuída e a enorme gravidade da nossa estrela fará com que ela entre em um processo de colapso. A gigantesca compactação associada funde o restante de hidrogênio presente na casca externa ao núcleo, levando essa camada a expandir, e tornando o Sol uma Gigante Vermelha. O Sol nessa fase ficará tão grande que Mercúrio será completamente engolido.

          Essa expansão da Gigante Vermelha diminui a temperatura geral da estrela, mas no núcleo a temperatura aumenta bastante, levando à fusão do hélio em carbono (hélio + hélio = berílio, berílio + hélio = carbono) e eventualmente em outros elementos mais pesados, especialmente oxigênio (16O) [carbono+hélio]. O Sol gastará apenas 1 bilhão de anos como uma Gigante Vermelha, após ter gastado 10 bilhões de anos fundindo hidrogênio.

          Após fundir todo o hélio, a massa original do Sol não será capaz de fundir carbono com carbono ou com outros elementos, levando a um novo colapso. Quando o núcleo da estrela contrair nesse processo, isso causará uma enorme liberação de energia que fará o envelope da estrela expandir a um tamanho comparável com a órbita da Terra em torno do Sol! Nossa estrela ficará bastante instável e perderá progressivamente massa, até uma enorme explosão expulsar completamente suas camadas externas, deixando o núcleo como o único material remanescente da massa original. Esse processo durará cerca de 75 mil anos. Finalmente, temos a nossa Anã Branca.




          O núcleo remanescente é extremamente quente - >100000 kelvin de temperatura superficial -, mas entra em processo de contínuo resfriamento. Caso não exista uma estrela próxima - um sistema binário original, por exemplo - para a Anã Branca se "alimentar" (usar sua gravidade para atrair e acumular material dessa estrela), o núcleo remanescente vai esfriando ao longo dos próximos bilhões de anos, até se transformar em uma Anã Negra (basicamente uma massa de gás não-radiativa).

          Uma típica Anã Branca possui cerca de metade da massa do Sol, porém é apenas um pouco maior do que a Terra (por isso sua enorme densidade). Comparada com o nosso planeta, a densidade desses corpos estelares é cerca de 200 mil vezes maior, algo superado apenas pelas Estrelas de Nêutrons (2) e pelos Buracos Negros (3). Uma colher de chá com o material de uma Anã Branca carregaria uma massa de 15 toneladas! Porém, devido ao seu relativo pequeno tamanho e ausência de processos nucleares emitindo largas quantidades de energia (pouco luminosa), é difícil observar uma Anã Branca diretamente no meio espacial.


          Devido ao fato de que uma Anã Branca não é capaz de criar pressão interna - já que o processo de liberação de calor a partir da fusão nuclear de elementos é cessado -, a gravidade da massa remanescente compacta o material de fora para dentro até que os elétrons compondo seu material sejam esmagados bem juntos. Em circunstâncias normais, elétrons com o mesmo 'spin' (uma propriedade quântica intrínseca de partículas subatômicas) não são permitidos de ocuparem o mesmo nível de energia. E como existem apenas dois valores de spin (+1/2 e -1/2), no máximo 2 elétrons podem ocupar um mesmo nível de energia (Princípio de exclusão de Pauli). Em estados da matéria usuais (sólido, líquido, gasoso, plasma), não expostos a pressões extremas, existem muitos estados de energia disponíveis. Porém, sob pressões muito altas, como observadas nas Anãs Brancas, os elétrons dos átomos ficam muito próximos uns dos outros, limitando os estados de energia que podem ser ocupados a um ponto em que todos eles estarão eventualmente ocupados por elétrons, ou seja, alcançando uma fase conhecida como 'degenerada'.

          Nesse sentido, o núcleo degenerado da Anã Branca não colapsa sob sua própria gravidade porque esta não é suficiente para vencer o Princípio de Exclusão de Pauli. Assim, uma Anã Branca sobrevive não por fusão interna, mas por fundamentos da mecânica quântica que previnem o colapso completo. Se a massa da estrela original for muito grande, no final da sua vida ela irá reter uma gravidade muito grande associada à maior massa remanescente, a qual forçará uma fusão entre prótons e elétrons (originando Estrelas de Nêutrons), ou o colapso em um buraco negro, o corpo mais denso conhecido. Esse limite de massa diferindo o destino final de uma estrela como uma Anã Branca ou uma Estrela de Nêutrons é chamado de "Limite de Chandrasekhar". Para a existência de uma Anã Branca do tamanho da Terra, o máximo de massa suportado é de 1,4 vezes aquela do Sol.




          Com uma gravidade superficial ~100000 vezes aquela do nosso planeta, a atmosfera de uma Anã Branca é bem peculiar. Os átomos mais pesados da sua atmosfera afundam, e os mais leves permanecem na superfície, onde a maioria dessas estrelas possuem uma composição atmosférica de quase hidrogênio ou hélio puros (os mais leves elementos da tabela periódica). E com a gravidade impondo uma enorme atração, a atmosfera é extremamente fina, com uma altitude não superior a algumas centenas de metros.

          Algumas Anãs Brancas observadas pelo telescópio espacial Hubble são quase tão antigas quanto o Universo, com idades estimadas em 12-13 bilhões de anos.

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   BOLA DE CRISTAL

          Há 50 anos, astrônomos hipotetizaram que uma fase de transição de primeira ordem ocorre durante o resfriamento de uma Anã Branca, levando à cristalização de íons de carbono e de oxigênio não-degenerados no núcleo, algo que libera uma considerável quantidade de calor latente e atrasa o processo de resfriamento em cerca de 1 bilhão de anos. Em uma cristalização, átomos em fase líquida passam para uma estrutura ordenada sólida. No entanto, observações diretas de suporte a essa previsão não existiam.

          Nesse sentido, pesquisadores do Departamento de Física da Universidade de Warwick, Reino Unido, liderados pelo Dr. Pier-Emmanuel Tremblay, realizaram uma análise dos dados de observação do satélite Gaia, pertencente à Agência Espacial Europeia. Eles selecionaram, então, mais de 15 mil candidatas a Anãs Brancas dentro de um raio em torno de 300 anos-luz a partir da Terra, analisando a luminosidade e cores dessas estrelas.

          Os pesquisadores identificaram um excesso de estrelas emitindo cores e luminosidades específicas que não correspondiam a nenhuma massa ou idade únicas. Quando comparado com modelos de evolução estelar, esse excesso fortemente coincidiu com a fase de desenvolvimento das Anãs Brancas no qual calor latente é predito de ser liberado em largas quantidades do processo de transição cristalina, desacelerando o resfriamento. Em alguns casos, foi estimado que algumas dessas estrelas desaceleram o resfriamento equivalente a 2 bilhões de anos durante a cristalização.

          O processo de resfriamento associado à cristalização é predito de depender da massa, onde Anãs Brancas mais massivas entram nessa fase de transição mais cedo. Quando o núcleo resfria para 10 milhões de graus Celsius no núcleo, bastante energia foi liberada e o fluído ali presente começa a se solidificar, formando um núcleo metálico no centro e um manto concentrado em carbono (12C). Outro principal evento na evolução de uma Anã Branca é o acoplamento direto entre seu núcleo degenerado e o envelope convectivo, o qual resulta em em uma diminuição inicial na taxa de resfriamento seguido de um aumento nessa taxa. Em Anãs Brancas de baixa massa (~0,55 M, onde M é a massa solar) presentes em populações estelares de grupos globulares, esse evento ocorre em uma idade similar à cristalização mas com uma assinatura mais forte. Porém, em contraste, a cristalização ocorre muito mais cedo do que o acoplamento convectivo nas Anãs Brancas mais massivas do que 0,7M. Isso resulta em uma sequência isolada de cristalização. Sabendo dessas diferenças de evolução estelar, é possível identificar mais claramente o processo de cristalização ao analisar as Anãs Brancas de massa intermediária ou maiores.

          Mas por causa do pequeno raio das Anãs Brancas - na ordem de 0,01R (onde R é o raio do Sol) -, esses remanescentes estelares possuem luminosidades muito fracas e, consequentemente, até pouco tempo atrás as medidas de distância para essas corpos estavam associadas a erros consideráveis, o que leva a substanciais incertezas quanto à intensidade de luminosidade individual dessas estrelas, algo necessário para uma boa estimativa de massa. Essa situação mudou com a missão Gaia da Agência Espacial Europeia (Gaia DR2).

          Com o auxílio do satélite Gaia, os pesquisadores conseguiram obter os dados fotométricos e astrométricos para 15109 fontes, possibilitando a obtenção da temperatura superficial, gravidade superficial e massa ao extrapolar os dados com modelos atmosféricos e de evolução padrão de estrelas com a composição de 12C/16O no núcleo e grossura dos envelopes H (camada em volta do núcleo). Assim, foi possível acusar processos de emissão radiativa exclusivamente associados com o processo de cristalização com a ajuda de um diagrama Russel-Hertzsprung.

          Além disso, quando os pesquisadores analisaram a luminosidade de Anãs Brancas com massas de 0,9M a 1,1M, dois picos emergiram em uma função de luminosidade: um em maiores valores de luminosidade, o qual é atribuído à cristalização, e o outro em menores valores de luminosidades, atribuídos à idade finita do disco Galático, como mostrado na figura abaixo. Isso reforça a presença da cristalização.


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          Concluindo, o novo estudo reporta evidências diretas de uma transição de primeira ordem realmente ocorrendo em plasmas de Coulomb de alta densidade (característicos das Anãs Brancas) - uma teoria que não pode ser testada em laboratório por causa das extremas densidades envolvidas. Esse processo caracteriza uma cristalização que substancialmente desacelera o processo de resfriamento nas Anãs Brancas. A cristalização observada também leva à liberação de energia gravitacional da separação de um um fluído inicialmente homogêneo em um sólido estratificado com uma razão 16O/12C que aumenta em direção ao núcleo da Anã Branca.

"Essa é a primeira evidência direta que as Anãs Brancas cristalizam, ou transitam do líquido para o sólido. Era previsto há 50 anos que nós deveríamos observar um acúmulo no número de Anãs Brancas em certas luminosidades e cores devido à cristalização e somente agora nós observamos esse fenômeno," disse Dr. Tremblay em entrevista para o jornal da Universidade de Warwick (Ref.6). "Todas as Anãs Brancas irão cristalizar em algum ponto das suas evoluções, apesar das mais massivas entrarem nesse processo mais cedo. Isso significa que bilhões de Anãs Brancas na nossa galáxia já completaram o processo e são essencialmente esferas de cristal no céu. O próprio Sol irá se tornar um grande cristal daqui a cerca de 10 bilhões de anos."

"Não só temos agora evidência da liberação de calor devido à solidificação, mas energia extra considerável foi também observada sendo emitida. Nós acreditamos que isso é devido ao oxigênio cristalizando primeiro e então afundando para o núcleo, um processo similar à sedimentação em um rio. Isso irá empurrar o carbono para a superfície, com essa separação liberando energia gravitacional," adicionou Tremblay.

          Como as Anãs Brancas são muito utilizadas para a determinação da idade de diversos corpos no Universo, confirmar e entender os processos físicos de cristalização dessas estrelas é extremamente importante na Astronomia.



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.nature.com/articles/s41586-018-0791-x 
  2. https://imagine.gsfc.nasa.gov/science/objects/dwarfs2.html 
  3. https://www.nasa.gov/multimedia/imagegallery/image_feature_734.html 
  4. https://www.nasa.gov/topics/universe/features/whitedwarf_pulsar.html
  5. https://www.jpl.nasa.gov/spaceimages/details.php?id=PIA04231
  6. https://warwick.ac.uk/newsandevents/pressreleases/thousands_of_stars