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Qual é o valor mais preciso da constante gravitacional?


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          Provavelmente essa é uma das constantes mais familiarizadas entre estudantes de Física do ensino médio e superior. A tão famosa letra 'G' está presente na clássica fórmula de força gravitacional derivada das equações de Newton do século XVII. Porém, os cientistas há séculos encontram dificuldade em estimá-la com uma precisão ótima e, de fato, o valor de G permanece até hoje como a menos precisa das constantes fundamentais conhecidas. Recentemente, um estudo publicado na Nature (Ref.1) deu mais um avanço para resolver o problema, com o reporte das duas menores medidas de incerteza associadas à constante G anunciadas até o momento.


A força gravitacional (Fg) é representada pela equação acima, onde P1 e P2 são as massas de dois corpos em atração mútua e r é a distância entre eles, ou seja, a força gravitacional é diretamente proporcional à massa dos corpos e indiretamente proporcional à distância entre eles; G é a constante gravitacional

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   CONSTANTE GRAVITACIONAL

          A constante gravitacional Newtoniana (G) é uma das mais fundamentais constantes da natureza, o que torna ainda mais notável não termos um valor altamente acurado para ela. Essa constante física empírica está envolvida no cálculo dos efeitos gravitacionais na Lei da Gravitação Universal de Isaac Newton e na Teoria da Relatividade Geral de Einstein (1). Na lei de Newton, é a constante de proporcionalidade ligando a força gravitacional entre dois corpos com o produto das suas massas e o inverso quadrado da suas distâncias. Nas equações de campo de Einstein, G quantifica a relação entre topologia espaço-tempo e momento-energia.




         No final do século XVIII, tivemos a primeira "tentativa" de medir com a maior acuracidade possível da constante G, a partir do famoso e sofisticado experimento de Cavendish, estruturado sobre o suporte tecnológico anterior concebido por John Michell (1724-1793). Henry Cavendish (1731-1810) foi um cientista Britânico e o primeiro a realizar um experimento para medir a força da gravidade entre massas no laboratório e o primeiro a "encontrar" um valor razoavelmente acurado para G (apesar dessa constante não aparecer de forma explícita em seus trabalhos). O experimento envolveu medir as ínfimas movimentações geradas pela atração gravitacional de bolas bem densas (de chumbo) e de diferentes tamanhos (grandes e pequenas) através de uma balança de torção.

          Considerando o valor da densidade da Terra encontrada por Cavendish (um dos seus principais objetivos com o experimento), infere-se que a constante gravitacional envolvida em seus resultados possui um valor de 6,74 x 10-11 m3kg-1s-2, algo que difere apenas 1% do valor aceito no ano de 2014 pela CODATA (Committee on Data for Science and Thechnology : 6,67408(31) x 10-11 m3kg-1s-2. Isso mostra que mesmo após séculos de investigações e desenvolvimento de técnicas mais modernas de medida, não houve um significativo avanço na determinação mais exata dessa constante.

          Desde 1798, mais de 200 experimentos foram realizados para se determinar G, mas isso resultou na redução da incerteza dessa constante por um fator de apenas 10 a cada século. A incerteza relativa no valor de G da CODATA-2014 é de 47 partes por milhão (ppm), a qual é ainda várias ordens de magnitude maiores do que outras importantes constantes fundamentais. Para se ter uma ideia, enquanto a constante determinando a estrutura dos átomos - Rydberg - possui um incerteza de apenas 4 partes em 1012, e outras constantes possuem incertezas na ordem de partes em 108, a gravidade possui uma incerteza de 5 partes por 104.

          Somando-se a isso, entre os valores de G sendo adotados pela CODATA nas últimas quatro décadas, existe uma enorme diferença entre os menores obtidos e os maiores obtidos: 550 ppm. Nenhuma teoria física ou mecanismo é capaz de explicar essa absurda diferença, implicando talvez em erros sistemáticos em todos ou em alguns dos experimentos visando encontrar o valor de G.

          Hoje, o atual valor numérico de G em si possui pouca importância na Física: as órbitas dos planetas no nosso Sistema Solar, por exemplo, seguem bem a lei de Newton (no geral). A aceleração orbital de um planeta ao redor do Sol é determinada com uma alta acuracidade pelo produto da massa do Sol e da constante G. Portanto, achar um novo valor para G que é maior do que aquele hoje comumente visto nos livros acadêmicos - carregando uma incerteza em torno de 0,005% - simplesmente reduz nossa estimativa da massa do Sol por essa quantidade. No presente momento, nós não temos modelos para a estrutura do Sol que significativamente usufrui de uma maior acuracidade nesse nível. O que realmente importa não é o valor de G, mas sua incerteza. Podemos expressar o valor de uma massa em termos de G? Em princípio sim, mas não com uma precisão de apenas algumas partes em 104. Já em outra perspectiva, será que a constante gravitacional é a mesma em todo o Universo? Os substanciais erros sistemáticos associados à determinação de G são frutos das nossas estratégias falhas de medição e limitações tecnológicas, ou significa que G pode assumir mais de um valor?

          Um preciso conhecimento de G não é somente de considerável interesse metrológico, mas também importante por causa do papel chave de G em campos como gravitação, cosmologia, Física de partículas, geofísica e astrofísica. Além disso, como a gravidade é a única interação que não consegue ser descrita pela teoria quântica, apenas satisfatoriamente pela Relatividade Geral por enquanto, entender o mais preciso possível sua dinâmica é fundamental para fomentar esforços que buscam preencher a lacuna separando ambas as teorias. No entanto, essa constante é difícil de se medir de forma acurada porque a gravidade é uma força extremamente fraca e invulnerável a blindagem. Para exemplificar, a força gravitacional entre um par de esferas de cobre a ponto de se tocarem é cerca de 1 milionésimo de milhão do peso de cada uma, ou seja, em torno de 10-8 N! Por isso, mesmo a Terra possuindo cerca de 5,972 x 1024 kg de massa, ainda conseguimos pular sobre sua superfície com facilidade (2).

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CURIOSIDADE: A menor fonte de efeitos gravitacionais já mensurada por instrumentos laboratoriais é representada por um sistema com duas esferas de ouro de 1 milímetro de raio (~80,6 miligramas cada uma). No estudo associado - publicado em março (2021) na Nature (Ref.5) -, os pesquisadores foram capazes de realizar um mapa espacial da força gravitacional desse sistema, observando-se acoplamento tanto linear quanto quadrático consequente da não-linearidade do potencial gravitacional. A mensuração dos efeitos gravitacionais em várias escalas dimensionais - microscópicas e macroscópicas - é  também muito importante para o esclarecimento da real natureza da gravidade, e potencialmente entendê-la como uma entidade quântica.
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   NOVO AVANÇO

           Nesse contexto, pesquisadores da Universidade de Ciência e Tecnologia, Wuhan, na China, em associação com outras instituições e cientistas colaboradores, e liderados por Qing Li, Chao Xue, Jian-Ping Liu e Jun-Fei Wu, realizaram uma nova determinação de G usando experimentos baseados em pêndulos de torção sobre diferentes instrumentos com dois métodos completamente independentes - o método do tempo-de-balanço (TOS) e método de resposta-angular-aceleração (AAF) - para que erros sistemáticos desconhecidos em um método fossem improváveis de existirem no outro.

          O método TOS - primeiro usado na década de 1930 - mede a mudança na frequência de oscilação torsional de um pêndulo com as massas fontes de gravidade arranjadas em duas diferentes configurações: a posição 'próxima', onde a massas estão em linha com a posição de equilíbrio do pêndulo de torção, levando a uma oscilação mais rápida, e a posição 'distante', onde as massas estão perpendiculares à posição de equilíbrio do pêndulo de torção, resultando em uma oscilação mais lenta. Já no método AAF - usado primeiro no final da década de 1960 -, duas plataformas giratórias são usadas para rotacionar o pêndulo de torção coaxialmente e as massas fontes de gravidade individualmente. Com um sistema de controle de alto-ganho de resposta, o ângulo torcido é reduzido para quase zero e, portanto, a aceleração angular do pêndulo é igual à aceleração angular gravitacional gerada pelas massas.


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          Levando em consideração nos cálculos erros provenientes dos efeitos de interferência da não-homogeneidade de densidade das massas fontes de gravidade, dos amortecedores magnéticos, das camadas metálicas de cobertura, da densidade do ar, dos efeitos térmicos, dos efeitos magnéticos e do efeito eletrostático, os pesquisadores obtiveram um valor de G no método TOS de 6,674184(78) x 10-11 com uma incerteza combinada relativa de 11,64 ppm (baseada em três valores de G encontrados nesse experimento). Já no método AAF, o valor encontrado foi de 6,674484(78) x 10-11 com uma incerteza combinada relativa de 11,61 ppm.

          Mesmo trabalhando com dois sistemas independentes e de distintas metodologias, a diferença de valores absolutos de G encontrados entre os métodos AFF e TOS não conseguiu ser explicada pelos pesquisadores, reforçando o quão difícil é a determinação da constante gravitacional. De qualquer forma, as incertezas entre todos os valores de G encontrados nos dois experimentos foram notoriamente menores do que aqueles hoje oficialmente aceitos, revelando um grande avanço nos esforços de cálculo dessa constante. O uso de métodos independentes e distintos por um mesmo grupo e ambiente de pesquisa mostrou ser o mais satisfatório para esse tipo de investigação, onde erros sistemáticos podem ser minimizados, apesar de ainda presentes.


   CONCLUSÃO

          A busca por um valor altamente preciso da constante gravitacional - ou explicação dos erros metrológicos associados a essa busca - ainda continua, mas o novo trabalho de investigação científica na China deu uma nova lufada de esperança nessa jornada.



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.nature.com/articles/s41586-018-0431-5
  2. https://www.npl.washington.edu/eotwash/gravitational-constant 
  3. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4173273/ 
  4. https://asd.gsfc.nasa.gov/Stephen.Merkowitz/G/Big_G.html 
  5. https://www.nature.com/articles/s41586-021-03250-7