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O Grego que calculou a circunferência da Terra com quase perfeição há mais de 2200 anos

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        Infelizmente, hoje estamos atravessando um período recheado pelas desinformações, onde a razão, lógica ou evidências científicas não mais são necessárias para a construção do conhecimento factual. E com a crescente popularização e acesso das pessoas às redes sociais e às tecnologias cada vez mais eficientes de disseminação da informação, a Pós-Verdade encontrou seu habitat ideal. Antes uma promissora ferramenta de divulgação científica e cultural, agora a internet está se transformando em uma vilã da verdade, e mecanismos urgentes de conscientização digital e promoção da boa informação precisam entrar em ação para que as pessoas aprendam a filtrar os conteúdos que elas consomem online e fiquem menos expostas às desinformações.

        Nesse ambiente de caos informativo, absurdos de todos os tipos podem ser encontrados, mas poucos deles conseguem superar a recente propagação da ideia de que a Terra é plana. Algo que deveria estar esclarecido desde a infância, hoje existem pessoas com amplo acesso à informação que negam o fato de que o nosso planeta é redondo. O mais triste ainda é lembrar que os Antigos Gregos, há quase 2500 anos, já sabiam que a Terra é esférica. Aliás, há mais de 2200 anos, o Grego Eratóstenes (Eratosthenes), com base na natureza esférica do nosso planeta, conseguiu calcular o raio, diâmetro e circunferência da Terra com um erro inferior a 2% quando comparado com os valores hoje aceitos!

        Sim, Terraplanista, você está passando muita vergonha.


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   A TERRA É REDONDA

        Já pelo século V a.C., os Gregos tinham firmemente estabelecido que a Terra era uma esfera. Antes disso, era uma crença amplamente disseminada que o mundo era plano, com o céu e suas nuvens formando uma cúpula física que cobria sua superfície. Porém, evidências começaram a se acumular refutando essa ideia. Por exemplo, era observado que durante um eclipse lunar, a Terra projetava uma sombra circular na Lua, e que a estrela Polaris era vista em uma altura menor no céu em relação ao horizonte à medida que alguém viajava para o Sul. Essas duas observações sugeriam fortemente que a Terra era esférica. Além disso, o famoso Pitágoras observou que o mastro dos navios sempre aparecia primeiro no horizonte, e, como esse fenômeno era visto em todos os lugares, ficou mais do que sugestivo para ele de que isso era devido ao fato do planeta ser uma esfera.



        Hoje, os cientistas usam geodésia (ramo da matemática aplicada que trata das medidas da Terra) para calcular sua forma, gravidade e rotação. Com o uso de GPS e outros satélites, os cientistas podem medir o tamanho e formato do nosso planeta com um erro de poucos centímetros. E, obviamente, não só temos cálculos teóricos, mas inúmeros registros fotográficos desde a década de 1970 mostrando claramente que a Terra é quase uma esfera, assim como a Lua e os outros planetas e estrela do nosso Sistema Solar.



        Porém, apesar do nosso planeta ter uma natureza esférica, ele está longe de ser uma perfeita esfera. Por causa das forças causadas pela rotação da Terra, os polos Norte e Sul são ligeiramente achatados. A circunferência polar da Terra é de 39916 km (raio 6356 km) e a circunferência equatorial 40070 km (raio 6378 km). A rotação da Terra, seu movimento vacilante e outras forças estão fazendo o planeta mudar seu formato muito lentamente, mas ela continua redonda. Além disso, temos a topografia irregular da superfície terrestre (montanhas, vales, níveis variantes das massas oceânicas, etc.). Mas, no quadro geral, não resta dúvidas: a Terra é redonda.

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   ERATÓSTENES E O DIÂMETRO DA TERRA

         Eratóstenes de Cirene (~276-195/194 a.C.) foi um Antigo Grego matemático, geógrafo, poeta, astrônomo e teórico de música. Entregando sua vida ao conhecimento, se tornou o bibliotecário chefe da imponente Biblioteca de Alexandria, no Egito, e é creditado como o pai da disciplina da Geografia (sendo também reconhecido como a primeira pessoa a criar um mapa do mundo com os conhecimentos disponíveis na época). Entre diversas invenções e contribuições acadêmicas, outro grande feito seu foi a criação da 'Peneira de Eratóstenes', um método algorítmico simples e eficiente utilizado para encontrar todos os números primos até um dado limite. Seus trabalhos acadêmicos marcaram a Antiguidade e muitos ainda fornecem base para os métodos científicos modernos.


         Mas o mais famoso feito de Eratóstenes foi, sem dúvida alguma, o cálculo do diâmetro e circunferência da Terra de forma incrivelmente acurada. Antes dele, outros acadêmicos como Platão (400 a.C.) e Arquimedes (250 a.C.) já tinham tentado obter essas medidas, mas a partir de bases de cálculo não conhecidas e com estimativas finais muito aquém do valor hoje estabelecido. Somente em torno de 200 a.C. é que Eratóstenes, utilizando uma base de cálculo elegante e eficaz, conseguiu tal proeza. Primeiro, obviamente, ele considerou a Terra como uma esfera, um consenso entre os Gregos há centenas de anos. Em seguida, ele usou a ideia de Aristóteles de que, se a Terra era redonda, estrelas distantes na noite do céu apareceriam em diferentes posições para os observadores em diferentes latitudes.

         Baseando-se nessas considerações, Eratóstenes também assumiu que, devido ao fato do Sol estar muito distante de nós, os seus raios de luz estariam atingindo duas regiões na superfície da Terra que não estivessem tão distantes de forma paralela. Continuando seu raciocínio, ele sabia que os raios solares atingiam diretamente a região de Siene, Egito, no primeiro dia do verão (solstício) ao meio-dia - ou seja, não faziam sombras laterais ao atingirem os corpos e objetos - e que Siene estava a uma distância de 5000 stadia (uma unidade de comprimento; o singular é stadium) de Alexandria, onde ele se encontrava. Em seguida, Eratóstenes tomou como referência um gnômon (ponteiro de quadrante solar) de altura conhecida e observou a sombra que ele projetava ao ser atingida pelos raios solares do meio-dia em Alexandria, anotando o comprimento da sombra. Ele, então, colocou todas essas informações em um diagrama como o mostrado abaixo (obviamente, exagerado nas escalas e curvaturas para fins didáticos).


        Seguindo o diagrama, primeiro vemos que a fração da circunferência da varrida pelo arco BD é precisamente φ/2π (se medirmos φ em radianos). E esse arco mede 5000 stadia, ou seja, a distância entre Alexandria e Siene. Isso reduz o primeiro problema em descobrir o valor de φ. Como os raios solares estão sendo considerados como virtualmente paralelos, isso significa que o ângulo φ deve ter praticamente o mesmo valor do ângulo θ (lembra-se das aulas de matemática no ensino médio? Se temos duas retas paralelas cortadas por uma reta transversal, isso significa que os ângulos internos alternados são iguais). Para um grande estudioso da geometria, essas noções geométricas eram muito familiares ao Eratóstenes.

         Agora, falta descobrirmos o valor de θ, o qual pode ser determinado se soubermos os comprimentos de SB (altura da barra) e BT (comprimento da sombra projetada):


         Na época, Eratóstenes não teria expresso essa equação usando o termo "arco-tangente" (fruto da trigonometria moderna), mas ele era capaz de determinar os ângulos a partir das tangentes, pelo menos de forma aproximada. Ele encontrou que θ era equivalente a 1/50 de um ângulo completo (2π/50 ou 360°/50), o que significa que a circunferência da Terra era 50 x 5000 = 250000 stadia. Esse valor, de fato, entra em concordância com o valor do ângulo θ se calcularmos via trigonometria, ou seja, ~7,2°. Sabendo agora o valor da circunferência, fica fácil também calcular o raio (r) e o diâmetro da Terra, utilizando a famosa fórmula C=2πr.



        Até hoje os historiadores discutem o valor exato que uma stadia valia. Se Eratóstenesutilizou o valor de 157,2 metros (o qual era adotado no Antigo Egito e é aceito por muitos historiadores modernos), isso significa que o valor da circunferência encontrada por ele foi de 39300 km e o raio sendo 6366 km. Hoje, os valores estabelecidos para a circunferência e raio da Terra são de, respectivamente, 40070 km e 6378 km (equatorial) - lembrando que, na época, os Gregos não sabiam que a Terra era levemente achatada nos polos e consideravam o planeta uma esfera perfeita. Em outras palavras, Eratóstenes parece ter cometido um erro menor do que 2% do valor atual! E isso há mais de 2200 anos! Caso o valor de 1 stadium tenha sido um pouco maior ou menor (166,7 metros como sugerido por alguns autores, dando um valor de ~41500 km), isso não diminui em nada seu magnífico método científico utilizado para seus cálculos, além do resultado ainda continuar muito próximo da referência atual.

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   250000 OU 252000?

        Aqui vale lembrar também que nenhum registro direto dos cálculos e medidas realizadas por Eratóstenes sobreviveram, e sabemos do seu trabalho via reportes escritos por Gregos Antigos que vieram depois dele, como Cleomedes. Nesse sentido, muitas outras fontes Gregas, como aquelas de Geminus, Herói da Alexandria, e Martianus Capella, citam que o valor final alcançado por Eratóstenes era de 252000. Para explicar essa diferença de valores, muitos historiadores propuseram hipóteses que incluem uma própria correção de Eratóstenes no seu valor original de 250000 para corrigir erros incluídos no primeiro cálculo, ou que o resultado original foi simplesmente arrendondado para que fosse convenientemente divisível por 60 ou por 360.

         Um estudo publicado em 2015, no entanto, fornece uma interessante explicação alternativa (Ref.12). Os autores argumentam que Eratóstenes calculou ambos os valores de forma independente para obter um limite inferior e superior para a circunferência da Terra. No valor final inferior (250000), ele estaria considerando o Sol como uma fonte de luz situada a uma distância infinita (muito longe), tornando seus raios paralelos, ou seja, o método hoje considerado consensualmente aquele utilizado por Eratóstenes para os seus cálculos. No valor final superior, Eratóstenes estaria considerando o Sol a uma distância finita conhecida (252000), aproximando mais do real suas estimativas e tornando os raios incidentes não-paralelos. De fato, um número de fontes antigas atribuem valores das distâncias Terra-Sol e Terra-Lua a Eratóstenes - além do cálculo com boa precisão da inclinação do eixo de rotação do nosso planeta. Existem divergências do valor exato entre diferentes registros históricos, mas é bem aceito que a distância Terra-Sol estimada por Eratóstenes era de 4080000 stadias. Nesse sentido, teríamos o esquema abaixo, com o surgimento de dois novos ângulos suplementares.


         Com esse novo sistema para ser resolvido, chegamos no valor de 252483 stadia. Por motivos talvez de arrendondamento ou limitação de cálculo, ele teria arredondado o valor para 252000 stadia. Utilizando o valor de 157,2 metros, teríamos uma circunferência da Terra de 39614,4 km, um valor ainda mais próximo do aceito hoje (40070km)!

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   CONCLUSÃO

        Sabemos que a Terra é redonda há mais de 2500 anos, e temos a circunferência, raio e diâmetro dela com boa estimativa há mais de 2200 anos. Se temos defensores da 'Terra plana' hoje, tenham medo, muito medo. Se você é pai ou mãe, passe a ensinar desde cedo seu filho ou filha a filtrar o oceano de conteúdo na internet, porque assim como nossos mares na vida real, o oceano virtual está bem poluído.


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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.nasa.gov/audience/forstudents/5-8/features/nasa-knows/what-is-earth-58.html
  2. https://imagine.gsfc.nasa.gov/features/cosmic/earth_info.html
  3. https://www.nature.com/articles/152473a0
  4. http://www.math.utah.edu/~pa/Eratosthenes.html
  5. http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/Biographies/Eratosthenes.html
  6. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0315086084900259
  7. http://people.ku.edu/~jlmartin/courses/math410-S13/circum.pdf
  8. http://www.mitacs.ca/sites/default/files/Eratosthenes_Teachers.pdf
  9. http://www.geo.hunter.cuny.edu/~jochen/GTECH201/Lectures/Lec6concepts/Datums/Determining%20the%20earths%20size.htm
  10. https://jps.library.utoronto.ca/index.php/aestimatio/article/viewFile/25968/19106
  11. http://www.math.wichita.edu/history/men/eratosthenes.html
  12. https://soundideas.pugetsound.edu/faculty_pubs/3348/
  13. https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet/earthfact.html/