Potenay: O perigo da mefentermina!
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As atividades físicas estão ficando cada vez mais populares no Brasil, especialmente a musculação, algo que pode ser observado com a explosão e popularidade de vídeos no YouTube relativos a essa área. Apesar dessa ser uma ótima tendência, infelizmente um outro lado negativo está crescendo cada vez mais e de forma concomitante: o abuso de substâncias ilícitas para a otimização da performance física, principalmente entre atletas diversos e praticantes amadores de musculação. Além dos já disseminados esteroides anabolizantes e GH (Hormônio do Crescimento), temos também o mau uso e abuso de estimulantes (cafeína, efedrina, anfetaminas, etc.), muitos dos quais ilegais. Entre os estimulantes, a mefentermina, geralmente na forma de produtos comerciais como o Potenay e o Potemax, tem sido também utilizada abusivamente por vários praticantes de atividades físicas, na sua maioria jovens.
Pura, a mefentermina é um líquido com um odor de peixe, assim como muitas aminas. Na forma comercial, é encontrada em solução como sulfato de mefentermina |
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A mefentermina é uma fenetilamina derivada de uma anfetamina, compartilhando uma forte similaridade química com a perigosa metanfetamina, porém menos potente do que essa última. Um dos seus metabólitos principais, a fentermina, parece agir inibindo as monoaminoxidases A e B. Em humanos, essa substância é tradicionalmente utilizada no contexto médico para o tratamento de hipotensão durante a anestesia - e outro também usado para essa finalidade é a efedrina -, especialmente durante os procedimentos de cesáreas eletivas. É uma substância que possui como principal atividade um efeito como agente vasopressor (aumenta uma pressão sanguínea reduzida) com ação simpatomimética, causando, primariamente, a liberação de noraderanalina e o aumento do fluxo cardíaco devido a efeitos inotrópicos positivos no miocárdio. Além disso, pode ser usada também como um descongestionante nasal em alguns casos.
Atualmente, seu uso principal volta-se para o meio veterinário, onde habitualmente é administrada em animais de competição se recuperando de uma doença. Aqui no Brasil, o uso da mefentermina é restrito aos tratamentos veterinários, sendo utilizada para a fatiga, anemia, má nutrição e recuperação de infecções e doenças parasitárias. Porém, como ocorre com diversas outros fármacos,a mefentermina começou a ser utilizada de forma irresponsável por pessoas querendo aumentar o desempenho atlético/físico. Nos EUA, e em alguns outros países, essa substância foi banida.
Assim como as anfetaminas, a mefentermina é um estimulante que aumenta a performance atlética em termos de força e resistência, sendo utilizada geralmente em doses intramusculares ou intravenosas, mas podendo ser também ingerida oralmente. O total diário de consumo (mg/dia) entre os usuários que se automedicam varia muito, principalmente considerando os fatores de dependência. Comumente a droga é disponibilizada em tabletes orais de 10 mg ou em injeções de 15 mg/ml e 30 mg/ml. Por injeção intramuscular, age depois de 5 a 15 minutos, com uma duração de efeitos que ultrapassa as 4 horas. Através de injeção intravenosa, sua ação é imediata, durando acima de 30 minutos. Proibida pela Agência Mundial de Anti-Doping (WADA, na sigla em inglês), seu uso por humanos apenas para aumentar a capacidade física pode trazer efeitos colaterais graves para a saúde.
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Como o abuso dessa substância só chamou a atenção da comunidade médica em anos recentes, sua descrição na literatura acadêmica nesse contexto é bastante limitada, existindo apenas o reporte de casos isolados de dependência e pacientes buscando tratamento para os efeitos colaterais do abuso. No Brasil, o primeiro paciente, de 22 anos, com dependência em mefentermina foi descrito em 2011 por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (Ref.5). Apesar dos registros médicos serem escassos, é fato conhecido que essa droga encontra-se fartamente ofertada no mercado negro, sendo hoje bem conhecida pelos praticantes profissionais e amadores de atividades físicas.
Entre os efeitos colaterais que podem facilmente surgir com o uso inadequado ou abusivo da mefentermina podemos citar sintomas psicóticos de alucinação-paranoia, distúrbios no sono, irritabilidade, mudança comportamental, forte dependência química, hipertensão secundária e várias doenças cardiovasculares, como arritmias e síndrome da morte súbita. O papel em induzir psicoses durante a dependência pode vir da demetilação da mefentermina em anfetamina, esta a qual costuma produzir sintomas psicóticos.
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RELATO DE CASO
Aliás, as pessoas estão usando mefentermina sem nem ao menos existir quaisquer tipos de recomendações na literatura médica sobre o seu uso em humanos fora de procedimentos clínicos específicos. Em outras palavras, muitos injetam doses aleatórias e perigosas de mefentermina no corpo sem nem saber com o que estão lidando. Se soubessem que essa substância apresenta uma similaridade química muito próxima da metanfetamina, será que comprariam? Se soubessem que pode causar forte dependência e danos cardiovasculares graves, será que utilizariam? Somando-se a isso, cada corpo responde de uma forma a estímulos externos. Alguém que usa a substância e possui uma maior resistência aos seus efeitos colaterais pode passar uma falsa e perigosa sensação de segurança para um outro indivíduo mais vulnerável.
Mais campanhas de conscientização são necessárias para alertar a população, principalmente os jovens, sobre o lado negativo do uso dessas substâncias. Muitos subestimam os efeitos colaterais e acabam encontrando mais desinformações do que informações responsáveis, especialmente dentro do mercado negro, onde o interesse é apenas lucro. E um exemplo famoso do poder destrutivo dessa droga aqui no Brasil é o fisiculturista Tiago Cojak (Thiago Celli), o qual enfrentou uma forte dependência do Potenay e tornou público o seu caso em 2017 durante um programa de recuperação associado ao canal do YouTube ABE Tv.
Relevante: A mefentermina NÃO possui efeitos de anabolismo muscular, sendo apenas um estimulante.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
Para exemplificar um quadro psicótico induzido pela mefentermina, podemos citar um relato de caso publicado em 2021 no periódico Journal of Psychative Drugs (Ref.12). No caso, um homem de 24 anos, lutador profissional no norte da Índia, apresentou-se ao hospital com um histórico de uso de injeção de mefentermina por 1 ano e meio. Aconselhado por colegas de profissão, o paciente havia iniciado o uso da substância para aumentar sua performance física. Inicialmente, um amigo injetou cerca de 1 mL (30mg/mL) no seu corpo, mas ele não notou qualquer diferença na estamina durante as lutas. Nesse sentido, o paciente aumentou a dose para 2 mL (60 mg) e observou um aumento de estamina na próxima competição de luta - e continuou com essa dose. Gradualmente, ele aumentou a quantidade para 6 mL/dia (120 mg) dentro dos próximos 6-8 meses.
Havia já uma forte compulsão em tomar mefentermina, junto com dificuldade de controlar o nível de uso. No dia final da competição, o paciente injetou 9 mL (270 mg), e abruptamente desenvolveu níveis de energia elevados, autoestima elevada, ideias de grandiosidade, paranoia e alta agressividade.
O paciente falsamente clamava de ter ganhado poderes especiais como ser capaz de controlar o tempo, e também sentia que tinha ganhado grande prestígio nas lutas e que os seus oponentes estavam com inveja dele e queriam prejudicá-lo. A condição do paciente piorou a tão ponto que seu assistente teve que trazê-lo para o departamento de emergência psiquiátrica. Os médicos e enfermeiros tiveram grande dificuldade de controlá-lo, e uma injeção intramuscular de olanzapina (10 mg) foi administrada para estabilização inicial. Exame do status mental revelou baixo contato olho-com-olho, atividade psicomotora elevada, reduzido tempo de reação e efeitos irritáveis. Conteúdo mental era sugestivo de grandiosidade e perseguição.
O paciente foi eventualmente diagnosticado com diagnóstico de psicose aguda e transiente devido ao uso abusivo de mefentermina. Tratamento ao longo de 1 semana com olanzapina oral e clonazepam (1 mg) melhorou significativamente o quadro do paciente, com consequente liberação do hospital. Olanzapina continuou com doses cada vez menores de olanzapina ao longo das próximas 6 semanas. O paciente permaneceu bem após acompanhamento por um período de 3 meses.
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Pessoas com problemas cardíacos - ou em maior risco de desenvolver problemas cardíacos - podem sofrer sérios danos à saúde e até morte mesmo com um uso em pequenas doses e a curto prazo. E mesmo com o uso iniciando em doses relativamente baixas, o efeito de dependência pode rapidamente aumentar em várias vezes a dosagem inicial, já tendo sido registrado casos em que o acumulado alcançou os 1500 mg/dia após intenso vício (Ref.6) Além disso, o uso crônico de mefentermina pode interferir negativamente com a administração de anestésicos durante procedimentos médicos (Ref.7). E isso sem contar que versões de uso veterinário na forma de Potenay, por exemplo, podem trazer outros riscos, como uma hipervitaminose, já que essas formulações contêm alta quantidade de vitaminas do complexo B junto à solução injetável.
Aliás, as pessoas estão usando mefentermina sem nem ao menos existir quaisquer tipos de recomendações na literatura médica sobre o seu uso em humanos fora de procedimentos clínicos específicos. Em outras palavras, muitos injetam doses aleatórias e perigosas de mefentermina no corpo sem nem saber com o que estão lidando. Se soubessem que essa substância apresenta uma similaridade química muito próxima da metanfetamina, será que comprariam? Se soubessem que pode causar forte dependência e danos cardiovasculares graves, será que utilizariam? Somando-se a isso, cada corpo responde de uma forma a estímulos externos. Alguém que usa a substância e possui uma maior resistência aos seus efeitos colaterais pode passar uma falsa e perigosa sensação de segurança para um outro indivíduo mais vulnerável.
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Mais campanhas de conscientização são necessárias para alertar a população, principalmente os jovens, sobre o lado negativo do uso dessas substâncias. Muitos subestimam os efeitos colaterais e acabam encontrando mais desinformações do que informações responsáveis, especialmente dentro do mercado negro, onde o interesse é apenas lucro. E um exemplo famoso do poder destrutivo dessa droga aqui no Brasil é o fisiculturista Tiago Cojak (Thiago Celli), o qual enfrentou uma forte dependência do Potenay e tornou público o seu caso em 2017 durante um programa de recuperação associado ao canal do YouTube ABE Tv.
Relevante: A mefentermina NÃO possui efeitos de anabolismo muscular, sendo apenas um estimulante.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.3109/10826084.2014.907653
- http://www.asianjournalofpsychiatry.com/article/S1876-2018(15)00164-1/abstract
- http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1570023216304433
- http://www.sciencedirect.com/topics/page/Mephentermine
- http://www.scielo.br/pdf/rbp/v33n1/v33n1a19.pdf
- https://www.researchgate.net/publication/225277507_Mephentermine_Dependence_An_Emerging_Challenge
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4383106/
- http://www.gjpsy.uni-goettingen.de/gjp-article-sawant.pdf
- http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0163834313001400
- https://www.researchgate.net/publication/225277507_Mephentermine_Dependence_An_Emerging_Challenge
- http://www.bioline.org.br/pdf?ms09023
- Bhardwaj et al. (2021). Mephentermine Misuse: An Impending Crisis among Sportspersons. Journal of Psychoactive Drugs, 1-3. https://doi.org/10.1080/02791072.2021.1936701
- Nair et al. (2023). “Mephentermine Abuse for Stamina, Resulting in Mania - a Case Report”. Kerala Journal of Psychiatry, vol. 35, no. 2, Jan. 2023, pp. 148-51. https://doi.org/10.30834/KJP.35.2.2023.361