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O que é o Desvio para o Vermelho na Astronomia?


- Atualizado no dia 14 de julho de 2023 -

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          Quem gosta de Astronomia sempre se depara com o termo 'Desvio para o vermelho', ou Redshift ou Redshifting em inglês. Galáxias muito distantes possuem velocidade e distância relativas estimadas a partir desse desvio, mas o que exatamente esse desvio significa?

        Todos aqui já devem ter notado que o som da sirene de uma ambulância ou de um carro de polícia, à medida que o veículo vai se afastando ou se aproximando de você, muda de forma significativa. Isso ocorre por causa de uma mudança de frequência das ondas sonoras associadas. Assim, quando o carro de ambulância vem com sua sirene ligada (fonte do som) ao seu encontro (receptor do som), as ondas sonoras são "amontoadas" e, consequentemente, o comprimento de onda associado diminui, aumentando a frequência (som percebido mais agudo). Já quando a ambulância está se afastando de você, as ondas sonoras são "afastadas", aumentando o comprimento de onda associado e, consequentemente, a frequência diminui (som percebido mais grave). 



          Esse efeito de mudança da frequência sonora dependente das velocidades relativas entre os referenciais adotados (emissores e receptores), é chamado de Efeito Doppler, primeiro descrito em 1842 pelo Físico Austríaco Christian Doppler. Se uma fonte sonora e um receptor estão se movendo, um em relação ao outro, a frequência recebida não é a mesma frequência da fonte. Se eles estão se aproximando, a frequência recebida é maior do que a frequência da fonte; se eles estão se afastando, a frequência recebida é menor do que a frequência da fonte. 

          Esse efeito é amplamente usado para se medir velocidades, geralmente pela reflexão de uma onda transmitida por um objeto em movimento (ex.: ultrassom para o sangue nas artérias e radar para detectar a rapidez de um veículo). No caso dos radares de trânsito, as ondas emitidas pelo transmissor atingem o carro em movimento; o carro, então, atua tanto como um receptor em movimento quanto como uma fonte em movimento, quando a onda reflete nele de volta para o receptor do radar. A relação entre frequência emitida e percebida e velocidade do receptor e da fonte no efeito Doppler para ondas sonoras é dada pela equação abaixo:


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         De forma similar, isso acontece com a luz emitida pelos corpos no Universo. A luz, formada por fótons, é também uma onda e possui uma frequência característica para cada tipo de região do espectro de radiação eletromagnética (1). No espectro visível, a cor azul, por exemplo, possui uma maior frequência que a cor vermelha e, portanto, possui também maior energia. Caso uma fonte luminosa esteja indo de encontro a você, a frequência dos fótons emitidos aumentará, e caso a mesma fonte luminosa esteja se afastando de você, a frequência diminuirá. Mas como a velocidade da luz é altíssima (~3x108 m/s), não observamos um efeito Doppler no nosso cotidiano, porque as velocidades de objetos observáveis aqui na superfície do nosso planeta são muito pequenas. Mas quando consideramos o contexto intergaláctico, as enormes velocidades de afastamento das galáxias, por exemplo, produzem um efeito Doppler na luz emitida (melhor chamado de Desvio para o Vermelho, ou Redshift) bem notável. 



           O Desvio para o vermelho é representado pela letra z na astronomia e relaciona a diminuição da frequência das partículas de fótons com a velocidade de afastamento das galáxias. E é válido notar neste ponto que esse desvio não necessariamente tende a ir apenas para a região do vermelho no espectro e, sim, apenas indica que a frequência da radiação eletromagnética está diminuindo. Mas cuidado! Esse afastamento das galáxias não indica a velocidade intrínseca dessas estruturas, mas, em maior grau de importância, a expansão do Universo, prevista já em 1929 por Edwin Hubble. Em outras palavras, duas galáxias podem estar paradas relativamente entre si, mas a expansão do espaço entre elas força o afastamento uma em relação à outra (2). Por isso fica melhor dizermos que a velocidade de afastamento entre as galáxias provoca o redshift. O alargamento do espaço no Universo acarreta no alargamento do comprimento de onda dessas radiações. 

          E como esse efeito pode ser traduzido para a medição da distância e da velocidade das galáxias em relação à Terra? 

           Primeiro, é preciso entender que o redshift não pode ser calculado a partir da equação adotada para o efeito Doppler de ondas sonoras, isso porque a velocidade da luz (c) é constante em um meio independentemente do referencial. Além disso, o intervalo de tempo entre a emissão de cristas sucessivas, que é T=1/f no referencial da fonte, é diferente no referencial do receptor quando os dois referenciais estão em movimento relativo, por causa da dilatação do tempo e da contração do comprimento relativísticos. Nesse sentido, o tratamento matemático é baseado em cálculos relativísticos, derivados da Teoria da Relatividade Especial. No 'efeito Doppler relativístico', a frequência recebida depende apenas da rapidez relativa de aproximação (ou de afastamento) u, e relaciona-se com a frequência emitida por:

 

           Finalmente, recorrendo à Lei de Hubble, é possível medir a distância onde se encontra galáxias distantes se conhecermos a velocidade de afastamento desses corpos, através da fórmula v = H x d, onde v é a velocidade da galáxia, H é a constante de Hubble e d é a distância da galáxia em relação ao nosso planeta. A constante de Hubble é ainda um tanto incerta em seu real valor, mas fica em torno de 65 km/s para cada megaparsec de distância (1 megaparsec é igual a 3 milhões de anos-luz). Ou seja, uma galáxia a 1 megaparsec de distância de nós estará se afastando a uma velocidade de 65 km/s, enquanto uma a 100 megaparsec estará com uma velocidade de afastamento 100 vezes maior. Para, então, determinar a velocidade de um corpo no Universo, precisamos apenas conhecer sua velocidade e esta pode ser estimada pelo redshift associado à radiação eletromagnética emitida por esse corpo. Ao analisar o espectro luminoso sendo emitido pelas galáxias, por exemplo, os astrônomos conseguem determinar a intensidade do redshift e, portanto, podem estimar a velocidade de afastamento. Jogando o valor encontrado na fórmula acima mencionada, encontramos a distância entre essa galáxia e nós (Fig.1).

Figura 1. Relação entre redshift [desvio para o vermelho] e distância em anos-luz (e idade do universo associada à fonte luminosa).
  

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           Porém, no final desse assunto, precisamos ficar atentos com três pontos:

I. Assim como no efeito Doppler para as ondas sonoras, o desvio para o vermelho pode ser um desvio para o azul, ou seja, um aumento de frequência, em certas situações. No Universo, veremos mais um redshift por causa da expansão do mesmo, mas planetas, estrelas e galáxias próximas podem produzir um ´blueshift´, caso estejam vindo de encontro a nós.


II. Existe também o redshift gravitacional, onde um fóton perde energia ao tentar escapar de um campo gravitacional. Com a perda de energia, a frequência dos fótons nesse campo diminui. Quanto mais forte o campo, mais energia será perdida durante a resistência criada, aumentando o redshift. Esse fenômeno é resultado direto da dilatação gravitacional do tempo - prevista na Teoria da Relatividade Geral - onde o tempo é acelerado à medida que nos movemos para longe de uma fonte gravitacional isolada. Como a frequência é o inverso do tempo (1/t), esta é reduzida em uma área de maior potencial gravitacional (3).

III. A Lei de Hubble pode sofrer desvios consideráveis em largas escalas, o qual estará associado com a massa total do Universo. Aliás, os desvios no plot do gráfico esperado da velocidade (redshift) vs distância dá importantes informações sobre a quantidade de matéria no Universo, algo com grande utilidade para o entendimento da estranha matéria escura, por exemplo.


   JAMES WEBB E GALÁXIAS DISTANTES

           Em uma série de estudos publicados recentemente no periódico The Astrophysical Journal Letters (Ref.6-8), pesquisadores estão reportando galáxias capturadas pelo Telescópio Espacial James Webb (4) com redshifts fotométricos [desvio para o vermelho] iguais ou superiores a Z = 14, indicando galáxias que emergiram pouco tempo depois do Big Bang, dentro de 300 milhões anos de idade do Universo (estimado ter ~13,8 bilhões de anos de idade). Um desses candidatos galácticos, chamado de Galáxia de Maisie e com Z = 14, foi determinado com alto grau de confiança ter menos de 300 milhões de anos pós-Big Bang, provavelmente 280 milhões de anos (Fig.2). Mais notavelmente, em um total de 88 candidatos galácticos amplificados (lente gravitacional) pelo agrupamento de galáxias SMACS
0723-73, os pesquisadores detectaram valores de Z variando de 11 até 20 (Ref.7). Um valor de Z = 20 significa que o James Webb capturou galáxias que existiram menos de 200 milhões após o Big Bang!  


Figura 2. Imagem da Galáxia de Maisie (azul, na sua cor mais realista), obtida pelo James Webb. Ref.6

Figura 3. (A) Imagem ampliada captura pelo James Webb na faixa do infravermelho-próximo, com detecção de galáxias tão distantes e antigas quanto 470 milhões a 675 milhões de anos pós-Big Bang (Z ≃ 8−10). (B) Imagem destacada associada à galáxia CEERS 1019, com o mais antigo buraco negro já detectado, no caso um supermassivo buraco negro ativo com 9 milhões de massas solares e formado 570 milhões de anos pós-Big Bang (Z > 6). Ref.8

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(1) A luz, visível ou não, é uma radiação eletromagnética formada por pacotes de energia chamados 'fótons'. Os fótons são partículas e, ao mesmo tempo, são ondas, mostrando comportamentos físicos de ambos os perfis.

(2) Isso também é importante para esclarecer a confusão que muitos fazem ao afirmarem que diversas galáxias no Universo quebram as "regras" da Teoria da Relatividade Especial por alcançarem uma velocidade de afastamento maior do que a velocidade da luz, esta a qual deveria ser o limite máximo de velocidade no Universo. Porém, enquanto existem galáxias se afastando de nós, por exemplo, a velocidades maiores do que aquela da luz, isso não representa a velocidade intrínseca desses corpos, mas, sim, isso ocorre devido à expansão do próprio espaço entre as galáxias (O que é a Expansão do Universo?). 

(3) Para saber mais sobre o assunto, acesse: Qual a relação entre GPS, Núcleo Terrestre e Teoria da Relatividade?

(4) O Telescópio Espacial James Webb faz registros do universo em uma ampla faixa do infravermelho, complementando as observações do Telescópio Hubble. Para mais informações: Primeira imagem histórica do Telescópio James Webb é finalmente liberada
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://starchild.gsfc.nasa.gov/docs/StarChild/questions/redshift.html
  2. http://www.esa.int/Our_Activities/Space_Science/What_is_red_shift
  3. http://coolcosmos.ipac.caltech.edu/cosmic_classroom/cosmic_reference/redshift.html
  4. https://einstein.stanford.edu/content/relativity/q56.html
  5. Paul A.Tipler - Física para cientistas e engenheiros – Quarta edição; V1.
  6. Finkelstein et al. (2022). A Long Time Ago in a Galaxy Far, Far Away: A Candidate z ~ 12 Galaxy in Early JWST CEERS Imaging. The Astrophysical Journal Letters, Volume 940, Number 2. https://doi.org/10.3847/2041-8213/ac966e 
  7. Yan et al. (2023). First Batch of z ≈ 11–20 Candidate Objects Revealed by the James Webb Space Telescope Early Release Observations on SMACS 0723-73. The Astrophysical Journal Letters, Volume 942, Number 1. https://doi.org/10.3847/2041-8213/aca80c 
  8. https://iopscience.iop.org/collections/apjl-230504-220_Focus-on-CEERS-JWST-Survey