"Alergia" à água: O que é a urticária aquagênica?
- Atualizado no dia 23 de agosto de 2021 -
Os sintomas deflagrados pela exposição à água em contato com a pele duravam 10-20 minutos, e então se resolviam espontaneamente. Não havia angioedema, hipotensão ou dificuldade respiratória associadas. Nenhum vermelhidão se desenvolvia após exercícios físicos leves, mas em exercícios intensos acompanhados de suor, os sintomas apareciam. O paciente não apresentava dermografismo. Seus parentes não possuíam histórico sintomático similar.
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Testes sorológicos revelaram níveis elevados de imunoglobulina E (1965 IU/L; normal: 0-170) e de fosfatase alcalina (349 U/L; normal: 106-322). Após suspeitarem de urticária aquagênica e pararem tratamento com anti-histamínico por uma semana, os médicos iniciaram a realização de testes de provocação. Para isso, eles dividiram as costas do paciente em quatro partes, e colocaram toalhas impregnadas com água de torneira, água destilada e solução aquosa de cloreto de sódio (NaCl 5%, dissolvido em água destilada) sem nenhum pré-tratamento, assim como uma toalha impregnada com solução NaCl 5% após completa remoção do estrato córneo da pele com acetona. Todas as quatro soluções estavam sob temperatura ambiente (22-25°C).
O paciente reclamou de irritação e prurido após 15 minutos nos locais de aplicação de água de torneira e de água destilada, especialmente acompanhado de eritema edematoso no local da água destilada. Após 20 minutos, eritema relativamente leve foi observado no local de aplicação da solução NaCl 5% sem pré-tratamento com acetona. Todos os sintomas desapareceram dentro de 20 minutos após a remoção das toalhas.
Para descartar outros tipos de urticárias físicas, os médicos realizaram um teste de pressão sobre a pele com um cubo de gelo por 10 minutos sobre o braço direito do paciente, mostrando um resultado positivo. Eles também realizaram um teste de calor local, colocando uma caneca com água quente (40°C) sobre seu braço esquerdo por 5 minutos, com resultado negativo. O paciente também foi exposto ao ar frio (4°C) com e seu exercícios físicos, mas com resultados negativos. Eritemas e pápulas na pele do paciente apareceram quando estava se exercitando a temperatura ambiente e suando.
Com base nos resultados experimentais, o paciente foi diagnosticado com urticária aquagênica e urticária induzida por frio local. Ele foi tratado com hidrocloreto de levocetirizina (5 mg) e cápsulas de pregabalina (75 mg) uma vez ao dia, mas a eficácia foi limitada.
O relato de caso foi reportado e descrito em 2020 no periódico Journal of Dermatology (Ref.15). Curiosamente, no mesmo ano, foi reportado no periódico Asthma Allergy Immunlogy (Ref.16) o caso de uma adolescente de 16 anos também apresentando urticária aquagênica e urticária induzida pelo frio. Essa coincidência é relevante, já que a urticária aquagênica é uma condição raríssima.
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URTICÁRIA AQUAGÊNICA
Urticária aquagênica - erroneamente chamada de 'alergia à água' - é uma rara condição de pele na qual contato dérmico com água a qualquer temperatura e de qualquer fonte serve como um gatilho para a manifestação de urticária (!) e de prurido. Essa condição foi inicialmente descrita por Shelley e Rawnsley em 1964, mas não tem sido até hoje amplamente reconhecida, o que pode resultar em subdiagnósticos ou diagnóstico não acurado.
A urticária aquagênica apresenta vários sintomas de diferentes dimensões, incluindo eritema, pápulas ou vermelhidão foliculocêntrico, geralmente caracterizados por vergões com prurido cercados por manchas eritematosas de 1-3 cm. Essas manifestações cutâneas se desenvolvem dentro de 20-30 minutos seguindo o contado da pele com água, incluindo o suor e lágrimas do próprio paciente, e então se resolvem dentro de 1 hora. O sintoma de prurido pode também ser acompanhado ou substituído por uma sensação de picada, queimação ou formigamento. Como gatilhos estão presentes em todo lugar, inclusive a partir do próprio corpo do indivíduo afetado, a condição pode resultar em significativa redução na qualidade de vida. Existe também um subtipo de urticária aquagênica sal-dependente, a qual se manifesta exclusivamente após o contato com água salina (ex.: água do mar) (Ref.5, 18).
Figura 2. Vermelhidões e vergões causados pela urticária aquagênica, onde na foto à direita podemos ver as lágrimas como gatilho dos sintomas |
A urticária aquagênica apresenta vários sintomas de diferentes dimensões, incluindo eritema, pápulas ou vermelhidão foliculocêntrico, geralmente caracterizados por vergões com prurido cercados por manchas eritematosas de 1-3 cm. Essas manifestações cutâneas se desenvolvem dentro de 20-30 minutos seguindo o contado da pele com água, incluindo o suor e lágrimas do próprio paciente, e então se resolvem dentro de 1 hora. O sintoma de prurido pode também ser acompanhado ou substituído por uma sensação de picada, queimação ou formigamento. Como gatilhos estão presentes em todo lugar, inclusive a partir do próprio corpo do indivíduo afetado, a condição pode resultar em significativa redução na qualidade de vida. Existe também um subtipo de urticária aquagênica sal-dependente, a qual se manifesta exclusivamente após o contato com água salina (ex.: água do mar) (Ref.5, 18).
Até o momento, na literatura acadêmica, menos de 100 pacientes têm sido reportados com essa condição, dos quais os indivíduos do sexo feminino tendem a ser mais afetados do que aqueles do sexo masculino. Poucos pacientes com urticária aquagênica têm mostrado sintomas sistêmicos adicionais como dor de cabeça, tontura, estresse respiratório e palpitações. A maioria dos casos são esporádicos, apesar de parte considerável estar ligada a um histórico familiar - para exemplificar, aqui no Brasil um caso acometendo mãe e filha foi reportado em 2009 (Ref.9) e, em 2013, um estudo publicado na Biomed Central (Ref.3) relatou um caso dessa urticária em dois irmãos gêmeos de 18 anos, reforçando possível causa genética. Existem casos isolados associados com a síndrome de Bernard-Soulier, erupção polimórfica de luz, intolerância à lactose familiar e carcinoma papilar da tireoide, mas é incerto se existe alguma relação causal. O diagnóstico é baseado tanto no histórico de urticária recorrente quanto por testes de provocação com água.
Mais recentemente, no periódico Contact Dermatitis (Ref.17), foi reportado o caso de uma enfermeira na China de 22 anos de idade que desenvolveu uma dermatite alérgica de contato e uma urticária aquagênica seguindo intenso uso de equipamentos de proteção no hospital - para enfrentar a pandemia da COVID-19 - que causavam intenso suor. A paciente também possuía um histórico de 7 anos de prurido generalizado e pápulas eritematosas dispersados ao longo do troco e dos membros 10 minutos após contato com água marinha ou água morna de banho, com resolução espontânea.
Os emolientes não são eficazes em controlar a urticária, porem há relatos de melhora dos sintomas com cremes hidratantes de barreira contendo ceramidas antes da exposição à água. Ceramidas são lipídios importantes do estrato córneo que participam da manutenção de barreira, adesão celular, proliferação, diferenciação epidérmica e apoptose.
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(!) Urticária: A urticária é um espectro de erupções cutâneas bastante comum dentro da população mundial, chegando a afetar cerca de 20% do total em algum momento da vida do indivíduo, e pode ser causada por uma infinidade de fatores, como certos alimentos, medicamentos e estresse. Em casos mais raros, ela pode ser ativada pela sensibilização por luz, pressão cutânea e até mesmo água, como foi explorado neste artigo. Os sintomas universais são vergões na pele elevados, vermelhos ou cor de pele, e que coçam bastante. As urticárias costumam desaparecer sem tratamento, de forma espontânea, mas podem variar bastante no tempo de duração, com alguns casos crônicos chegando a durar dezenas de anos. Porém, no geral, é bem difícil a urticárias durarem mais de 6 semanas. Medicamentos específicos, especialmente os anti-histamínicos, podem ser utilizados para o alívio dos sintomas em grande parte dos casos.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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Para o tratamento da urticária aquagênica os anti-histamínicos como hidroxizina e cetirizina são tradicionalmente as medicações de escolha e com relativo sucesso de alívio sintomático, porém há casos refratários a esses fármacos. A cetirizina, por exemplo, é um antagonista seletivo do receptor H1 conhecido de reduzir a formação de pápulas e modular a cascata inflamatória através de vários caminhos. Também podem ser usados anticolinérgicos como a escopolamina. Omalizumabe - uma imunoterapia inespecífica anti-IgE baseada em um anticorpo monoclonal - também tem se mostrado nos últimos anos uma opção farmacológica efetiva.
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(!) Urticária: A urticária é um espectro de erupções cutâneas bastante comum dentro da população mundial, chegando a afetar cerca de 20% do total em algum momento da vida do indivíduo, e pode ser causada por uma infinidade de fatores, como certos alimentos, medicamentos e estresse. Em casos mais raros, ela pode ser ativada pela sensibilização por luz, pressão cutânea e até mesmo água, como foi explorado neste artigo. Os sintomas universais são vergões na pele elevados, vermelhos ou cor de pele, e que coçam bastante. As urticárias costumam desaparecer sem tratamento, de forma espontânea, mas podem variar bastante no tempo de duração, com alguns casos crônicos chegando a durar dezenas de anos. Porém, no geral, é bem difícil a urticárias durarem mais de 6 semanas. Medicamentos específicos, especialmente os anti-histamínicos, podem ser utilizados para o alívio dos sintomas em grande parte dos casos.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1081120610630712
- http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S019096220200107X
- https://waojournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/1939-4551-6-2
- http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=169645639011
- http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ced.12147/full
- http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8833171
- http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22994854
- http://www.jaci-inpractice.org/article/S2213-2198(13)00124-4/fulltext?mobileUi=0
- Seize MBMP, Ianhez M, Souza PK, Rotta O, Cestari SCP. Urticária aquagênica familiar: relato de dois casos e revisão da literatura. An Bras Dermatol. (2009);84(5):530-3. https://doi.org/10.1590/S0365-05962009000500015
- http://www.jaci-inpractice.org/article/S2213-2198(16)00008-8/abstract
- http://acaai.org/allergies/types/skin-allergies/hives-urticaria
- http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15317326
- http://210.101.116.28/W_files/kiss8/27733192_pv.pdf
- http://acaai.org/allergies/symptoms
- https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/1346-8138.15615
- http://www.aai.org.tr/index.php/aai/article/view/529
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8239518/
- https://www.ejpd.com/journal/index.php/EJPD/article/view/2183
- Robles-Tenorio et al. (2020). Aquagenic urticaria: Water, friend, or foe? Volume8, Issue11, November, Pages 2121-2124. https://doi.org/10.1002/ccr3.2880