Mitos e Correções Históricas I
Lidar com a História é algo bem trabalhoso porque, diferente de hoje, transmitir e armazenar o conhecimento nem sempre foi fácil - o que é agravado pela longa passagem de tempo -, levando a situações onde os historiadores e arqueólogos só podem fazer especulações. Assim, muitos fatos ficam omissos ou acabam sendo alterados. E muitas dessas alterações acabam seguindo uma máxima que pode ser adaptada do famoso filme 'O Homem que Matou o Facínora' (1962): "Se a versão é melhor do que a verdade, publique-se a versão!" Mesmo nos dias de hoje, a verdade muitas vezes pode ser alterada ou escondida obedecendo a interesses particulares. Resumindo, a História acaba sendo permeada por mitos e meias-verdades.
Nesse sentido, o projeto Saber Atualizado começará a postar uma série conjunta de pequenos textos reunindo vários mitos ou desinformações os quais referências históricas da literatura acadêmica - englobando também estudos mais recentes - mostram serem frutos da imaginação ou especulação errônea. Neste artigo, serão explorados os cinco primeiros!
1. Polegar e Gladiadores
Praticamente todo mundo assume que o gesto durante o Império Romano de colocar o polegar para baixo, com o resto do punho fechado, significa apenas uma coisa: todos queriam ver o gladiador matar o outro derrotado. E se o polegar fosse para cima, é assumido que a plateia queria poupar esse gladiador. Mas apesar dessa tradicional ideia marcar o pensamento de quase todo mundo quando a visão do Coliseu vem à cabeça, na literatura acadêmica não existe confirmação de isso seja, necessariamente, uma verdade.
Toda essa história do polegar para cima e para baixo nas arenas dos gladiadores teve origem da interpretação da frase 'pollice verso' (ou ´verso pollice´), um termo do latim que significa 'com um virar do polegar'. Mas a precisa descrição do gesto feito com o polegar no contexto das lutas ainda é um mistério. Muitos historiadores argumentam que o gesto pode compreender polegar para cima, para baixo, horizontalmente, escondido atrás das mãos, entre outros, para descrever positivas ou negativas opiniões. Aliás, alguns especialistas dizem que a crença popular pode até estar invertendo os significados: dedo para cima pode significar 'morte' e dedo para baixo 'vida'. (Ref.1 e 2)
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2. Velho Oeste e Violência
Contrário à crença popular, o Velho Oeste nos EUA, durante o século XIX, não era um lugar assombrosamente violento como normalmente esse período é retratado nos filmes. A ideia de que tudo era resolvido no tiro e de que quase nenhum tipo de propriedade privada era respeitada é pura distorção da realidade. Na verdade, os imigrantes Europeus, nessa época, até se davam bem com os indígenas e a sociedade chegava a ser até menos violenta do que ela é hoje no território Norte-Americano. Quem realmente começou a quebrar essa paz, após meados do século XIX, foi o governo, com suas políticas de expansão de terras, as quais promoverem inevitáveis conflitos com os nativos e massacre destes. A sociedade do Velho Oeste, em si, era , relativamente, pacífica... (Ref.3)
3. Independência do Brasil e Riacho Ipiranga
O quadro acima, sem sombra de dúvidas, é o retrato mais popular e estimado da nossa Proclamação de Independência. Batizado de 'Independência ou Morte', a obra, supostamente, captura o momento em que o grito de mesmo nome foi dado às margens do Ipiranga, em um símbolo de libertação do domínio de Portugal. Bem, mas como todos sabem, a História é sempre pintada com floreios muitas vezes exagerados e suspeitos.
Para começar, esse quadro foi pintado apenas no ano de 1888, em Florença, na Itália, pelo pintor Pedro Américo e como uma encomenda da Corte. O cara que pintou nem tinha nascido em 1822 (ano da Proclamação)! Ou seja, tudo ali foi fruto da imaginação do pintor, em termos de imagem, orientado por seus estudos sobre o evento e encomendadores. A Casa do Grito, por exemplo, pode ser vista na obra (uma casa no canto direito, ao fundo), mas a mesma só foi construída muito tempo depois! Ela servia de pouso de descanso para tropas no 'Caminho do Mar', estrada que ligava São Paulo a Santos. Os belos e poderosos cavalos, na verdade, eram provavelmente mulas, estas as quais aguentam melhor o percurso seguido pela comitiva. E falando na comitiva, é certo que ela não era tão grande como representado no quadro, com o Dom Pedro provavelmente tendo entre 3 e 4 soldados o acompanhando, todos em trajes muito mais modestos do que os representados na obra. E apesar do quadro e do Hino Nacional sugerirem que tudo ocorreu às margens do Ipiranga, o grito foi dado no alto de uma colina próximo ao riacho, onde a tropa da cavalaria presenciava uma caganeira violenta do Príncipe Dom Pedro... (Risos).
O quadro possui 4,15 metros de altura e 7,6 metros de comprimento e se encontra no Museu Paulista da USP, em São Paulo. (Ref.4,5 e 6)
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4. Cores das Obras Gregas e Romanas
Normalmente assumimos que as esculturas Gregas e Romanas na Antiguidade eram todas brancas e "cruas". Isso era até uma questão de grande debate entre os historiadores, onde durante décadas persistiu a dúvida acadêmica sobre a presença ou a ausência de cores nos trabalhos Greco-Romanos arquitetônicos e artísticos. Mas em anos recentes, técnicas modernas de análise química já mostraram que as esculturas e outras estruturas construídas por essas civilizações eram, sim, coloridas, algo que confirma achados anteriores de pinturas que mostravam esses povos antigos pintando as obras esculpidas. (Ref.7-8)
5. Uso do pigmento índigo
Um estudo arqueológico publicado recentemente na Science (Ref.9), mostrou que o índigo azul, um dos pigmentos mais valiosos e mais disseminados na antiguidade e atualmente, já era utilizado no Peru no período pré-Hispânico, há cerca de 1500 anos antes do uso mais remoto possível conhecido até agora (há 4400 anos, durante a 5° Dinastia Egípcia no Velho Mundo).
A descoberta foi possível através do achado de tecidos de algodão na região de Huaca Prieta, no Peru, datados de 6 mil anos atrás e em um raro estado de preservação, algo que permitiu aos pesquisadores encontrarem traços do pigmento indigotina, provavelmente derivado da planta Indigofera spp. O índigo é o responsável pela cor das calças jeans azuis.
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Caso conheçam algum mito ou desconfiem da validade de algum fato histórico, deixem nos comentários para eu poder pesquisar a respeito e postar na próxima publicação...:)
Artigo Complementar: Mitos da História 2
REFERÊNCIAS
- http://penelope.uchicago.edu/~grout/encyclopaedia_romana/gladiators/polliceverso.html
- http://news.ku.edu/1997/97N/SepNews/Sept29/thumbs.html
- http://www.independent.org/publications/tir/article.asp?a=803
- http://www.museudacidade.sp.gov.br/grito-quadro.php
- http://www.crmariocovas.sp.gov.br/grp_l.php?t=036gi
- http://www.academia.edu/4912485/AN%C3%81LISE_DO_QUADRO_-_GRITO_DA_INDEPEND%C3%8ANCIA_DE_PEDRO_AM%C3%89RICO
- http://news.stanford.edu/news/2011/march/cantor-painted-ladies-031711.html
- http://academicworks.cuny.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1147&context=cc_etds_theses
- http://advances.sciencemag.org/content/2/9/e1501623