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Churrasco e a sua saúde


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         Há uma certa preocupação em relação ao consumo de carnes preparadas em churrascos tradicionais, especialmente devido à fumaça liberada pela queima do carvão sobre o alimento. Apesar disso, existem relativos poucos esforços de recomendações das agências internacionais de saúde em relação ao churrasco, talvez por causa do baixo consumo desse tipo de comida quando analisamos o contexto global. Porém, aqui no Brasil e em outros países, o churrasco faz parte do nosso cardápio, sendo que muitos o consomem de forma quase diária. Nesse sentido, o que os trabalhos científicos dizem sobre o assunto?

         Existem três principais problemas relacionados com o preparo das carnes no churrasco: altas temperaturas, infecção alimentar e fumaça. E também existem dois tipos de pessoas a serem separadas nessa análise: quem apenas come e quem prepara/come o churrasco. Dependendo da conjuntura desses fatores, pode existir risco não muito significativo, risco moderado e risco alto de periculosidade à saúde. Já entrando na discussão dos riscos, a maior preocupação consequente do consumo de churrasco é o câncer, devido à ação de duas substâncias bastante discutidas no campo das pesquisas de oncologia preventiva. Então, vamos decifrar os supostos perigos rondando o prazer gastronômico dos finais de semana brasileiros.

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   PREPARO DAS CARNES

          Já é conhecido, desde a década de 80, que a exposição de carnes, e outros alimentos, às altas temperaturas produz compostos aromáticos com potencial efeito carcinogênico, conhecidos como Aminas Aromáticas Heterocíclicas (HCAs) e Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos (PAHs). As HCAs são produzidas quando aminoácidos, açúcares e creatina são superaquecidos e reagem entre si. As PAHs surgem quando gorduras e sucos diversos das carnes são superaquecidos, também reagindo entre si. Ambos os compostos irão apresentar sua produção aumentando em proporção direta com os aumentos de temperatura e tempo de preparo do alimento.

         Os PAHs, em especial, irão ser formados em maior proporção quando atingidos diretamente pelas chamas de aquecimento, algo que ocorre comumente no churrasco. De qualquer forma, não só no churrasco, mas em qualquer tipo de preparo de comida à altas temperaturas (como as frituras), irão ser produzidas essas substâncias. E, no caso de alimentos ricos em carboidratos, como pães, biscoitos, batatas-fritas, etc., temos ainda a acrilamida (1).

          E, no lado oposto da mesa, é preciso tomar cuidado com as carnes mal passadas demais, as quais podem conter bactérias prejudiciais à saúde. Mesmo queimando-se a carne por fora, ela pode estar em pedaços grossos demais que não permitem um bom aquecimento no seu interior. Neste último exemplo, além de você ingerir compostos aromáticos cancerígenos, estaria sendo exposto a altos riscos de infecção alimentar, especialmente se as condições de higiene do churrasco não forem das melhores.

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    FUMAÇA

           Agora analisando a fumaça, encontramos várias substâncias tóxicas nela, incluindo os PAHs. Muitas delas não ficam impregnadas na carne, indo embora com a fumaça, mas os PAHs, entre outras substâncias perigosas da fuligem (como os benzopirenos), acabam se acumulando na superfície da mesma. Além disso, temos particulados perigosos na fumaça que podem conter altas quantidades de metais danosos à saúde, como o V, Se, Zn, Cr, As, Cu, Ni, e Pb, além de outras substâncias cancerígenas, onde as próprias partículas podem danificar o tecido pulmonar. Quanto maior o tempo de exposição da carne à fumaça, maior o grau de impregnação.

          Mas o pior mesmo é para quem está preparando o churrasco, porque além de quase sempre estar consumindo a carne preparada, acaba ficando exposto à fumaceira toda. Pode parecer gostoso o cheiro da fumaça de churrasco, uma tentação para qualquer um, mas assim como a combustão do cigarro e outros insumos vegetais geram substâncias tóxicas e cancerígenas, o mesmo é válido para a queima do carvão vegetal. PAHs, monóxido de carbono, benzopirenos, acetaldeído, formaldeído, etc., são todos gerados durante os processos incompletos de combustão, devido à progressiva falta de oxigênio no ambiente em torno das chamas e fumaça (2). Quem faz o churrasco e fica exposto à fumaça está respirando tudo isso.

        Além disso, um estudo recente publicado na Environmental Science & Technology (Ref.14) mostrou que, provavelmente devido à presença de óleo junto à fumaça de churrasco, os PAHs entram até em maior quantidade pela nossa pele do que pelos pulmões. Os pesquisadores responsáveis pelo estudo também alertaram que mesmo com bastante roupa cobrindo o corpo, os compostos cancerígenos da fumaça podem se acumular no tecido e continuar impondo grande risco. Nesse sentido, é recomendado trocar a roupa o mais rápido possível após ficar exposto durante muito tempo à fumaça.

          O pessoal que trabalha fazendo churrasco, especialmente em restaurantes, está sob um sério risco de saúde, o qual é muitas vezes ignorado. Dependendo da ventilação local, a intoxicação por monóxido de carbono também pode representar grande perigo de asfixia (A sensação de sufocamento é devida à falta de oxigênio?).

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   BALANÇO DE RISCOS

          Estabelecendo as causas de preocupação com o preparo das carnes no churrasco, vamos então estabelecer a importância que esses riscos impõem à saúde. Caso você consuma churrasco de vez em quando, não é preciso se preocupar muito. Mesmo com o consumo diário (sem exageros, claro), churrasco e carnes fritas no óleo apresentam baixas quantidades desses compostos, e as agências internacionais de saúde pedem apenas um consumo moderado, especialmente do churrasco feito de forma tradicional, já que o contato direto com as chamas e a fumaça deixam a carne com maior quantidade de PAHs e HCAs.

         Testes em animais, por exemplo, mostram efeitos tumorais claros dessas duas classes de compostos, mas as quantidades usadas nesses estudos costumam ser 1000 vezes maiores do que as normalmente encontradas nos alimentos. O mesmo raciocínio vale para a aspiração da fumaça do churrasco, mas é preciso evitar o máximo possível ficar exposto a ela de forma diária e prolongada. Muito mais substâncias cancerígenas são encontradas nela, além de outros tóxicos perigosos como o monóxido de carbono. Funcionários em restaurantes que ficam mergulhados na fumaça do churrasco estão sob riscos de saúde que não podem ser ignorados.

         Como a maioria dos brasileiros, por exemplo, consomem churrasco de forma esporádica, mais no final de semana, os riscos impostos pela carne preparada dessa forma são mínimos (apesar de existirem). Para aumentar a segurança à saúde em torno dessas carnes, você pode seguir essas dicas:

1. Evite a exposição das pessoas ao redor da churrasqueira à fumaça do churrasco. Isso pode ser feito de forma eficiente canalizando a fumaça com a ajuda de uma chaminé ou de forma menos eficiente preparando o churrasco ao ar livre;

2. Evite deixar a carne assando por muito tempo. Apenas deixe o necessário para o seu ideal preparo;

3. Evite que a carne fique em contato direto com as chamas, afastando ela o máximo possível do interior do carvão em combustão;

4. Fazer um pré-cozimento da carne antes de colocá-la na churrasqueira é uma excelente estratégia, já que diminuirá o tempo em que a mesma ficará exposta ao alto aquecimento e fumaça. Isso pode ser feito com a ajuda de um micro-ondas;

5. Ficar virando a carne mais vezes, ao invés de deixá-la parada assando, diminui a formação de PHAs e HCAs, já que os lados ficarão menos tempo exposto às chamas;

6. Tirar o excesso de queimados e fuligem da carne ajuda a diminuir bastante os excessos de substâncias tóxicas. As partes queimadas em carnes e outros alimentos costumam concentrar compostos aromáticos prejudicais à saúde.

OBSERVAÇÃO: Como regra geral, evite expor os alimentos à temperaturas muito altas, para garantir o máximo de segurança ao consumi-los. As altas temperaturas fornecem energia para diversas reações entre os constituintes nutricionais da comida ocorrerem e produzirem substâncias nem sempre bem vindas. Além disso, temperaturas excessivas geram grandes perdas nutricionais na comida. Caso as frituras ou churrascos, por exemplo, sejam consumidos de vez em quando durante a semana ou em baixas quantidades diariamente, não existe risco mensurável. Caso contrário, fique em alerta. De qualquer forma, sempre procure cozinhar os alimentos, ou assá-los em baixas temperaturas (abaixo de 145°C). O uso do micro-ondas também é uma opção segura, já que estará limitado pela temperatura de ebulição da água (em torno de 100°C, dependendo da altitude local). As panelas de pressão também são seguras, apesar de cozinharem os alimentos à temperaturas bem maiores do que 100°C, porém, ficando sempre inferiores a 120°C na média.

Curiosidade da observação: No cozimento, panela de pressão, banho-maria e micro-ondas o limite de temperatura será o ponto de ebulição da água, em torno de 100°C, ou seja, a temperatura necessária para fazer a água evaporar de forma rápida. Até a água não evaporar completamente, não existirá variação quase nenhuma na temperatura, independente se a fonte de aquecimento estiver à temperaturas absurdas, como o fogo do cozimento, banho-maria e panela de pressão. Como a água estará misturada com sais e outros compostos solúveis junto ao alimento, sua temperatura de ebulição será um pouco maior do que a temperatura da água pura, aumentando aos poucos à medida que a água vai evaporando já que a concentração dos compostos solúveis vai aumentando por consequência. Mas esse aumento não chega nem perto dos 140°C, ficando em uma zona segura para a saúde. No caso específico da panela de pressão, os vapores da água que ficam presos dentro delas geram uma enorme pressão no seu interior ( daí o nome) forçando o restante da água a se aquecer ainda mais do que o normal para poder ebulir, ou seja, forçar a expansão de mais gases. Mas, como foi dito na observação, o aumento do ponto de ebulição não ultrapassa os 120°C.

(1) Artigo recomendado: Alerta de acrilamida nos alimentos!

(2) Em uma combustão completa dos compostos orgânicos encontrados nos alimentos e carvão vegetal, é formado, em sua quase totalidade, água e gás carbônico, ambos inofensivos à saúde. Porém, durante esse tipo de combustão na prática, o meio   sendo queimado consome rapidamente o gás oxigênio disponível ao seu redor, além da fumaça acabar impedindo ainda mais que esse gás entre em contato com o material sendo queimado. Assim, a reação final de combustão fica incompleta, por escassez de oxigênio, permitindo que outros produtos sejam formados, incluindo os mencionados neste texto.

ATUALIZAÇÃO ( 29/07/16): Se você consome churrasco todos os dias, é preciso maneirar na ingestão de carne de vaca, porque esta contém gordura trans. Tente dar uma maior preferência para as carnes de aves e porco, consumindo com muita moderação as carnes de ruminantes. O assunto é melhor explorado em Gordura trans nos ruminantes?

Artigo relacionado: A sensação de sufocamento é devida à falta de oxigênio?

REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://www.cancer.gov/about-cancer/causes-prevention/risk/diet/cooked-meats-fact-sheet
  2. http://www.cfs.gov.hk/english/programme/programme_rafs/files/ra_pah.pdf
  3. https://www.food.gov.uk/news-updates/campaigns/barbecue
  4. http://www.fda.gov/ForConsumers/ConsumerUpdates/ucm094562.htm
  5. http://www.fsis.usda.gov/wps/portal/fsis/topics/food-safety-education/get-answers/food-safety-fact-sheets/safe-food-handling/barbecue-and-food-safety/CT_Index
  6. http://www.fsis.usda.gov/shared/PDF/Barbecue_Food_Safety.pdf?redirecthttp=true
  7. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26948589
  8. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20506023 
  9. https://www.nzma.org.nz/journal/read-the-journal/all-issues/2010-2019/2011/vol-124-no-1330/letter-wilson
  10. http://link.springer.com/article/10.1007/s11356-015-4837-4
  11. http://pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/acs.est.5b01494
  12. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969713003094
  13. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969711014173 
  14. http://pubs.acs.org.doi/abs/10.1021/acs.est.8b01689