Crianças aprendem mais facilmente uma segunda língua?
Esse é outro mito mais do que clássico e um dos mais bem aceitos no meio popular: ´crianças aprendem uma segunda linguagem melhor e mais rapidamente do que os adultos porque o cérebro delas é mais flexível ( maior plasticidade) ´. Na verdade, não só no meio popular, mas muitos profissionais da área da educação também tomam isso como verdade. Porém, a verdade, muitas vezes, é o oposto disso.
Especialistas nessa área de pesquisa são consensuais em dizer que esse pensamento é falso e pode até trazer prejuízos no ensino de uma segunda língua para crianças e adultos. A premissa do mito é a de que o cérebro ainda novo da criança está em fase de desenvolvimento e encontra-se bastante plástico para novos aprendizados, incluindo o entendimento facilitado de uma segunda língua. Mas esse conceito, mesmo não sendo verdade, não é algo inventado do nada. Se formos realizar uma pesquisa de campo e aferir o tempo gasto para uma criança dominar uma segunda linguagem com a média do mesmo aprendizado entre adultos, veríamos, sem sombra de dúvidas, que as crianças são realmente muito mais rápidas. Ora, então não existe mito nenhum? O problema é que essa pesquisa só estaria apurando os resultados e não os processos de aprendizagem.
Vamos deixar uma coisa clara aqui, logo de início: adultos, e adolescentes, podem aprender melhor uma segunda linguagem do que uma criança! Sim, se pegarmos um ambiente controlado e colocarmos uma criança e um adulto para aprender uma nova língua, este último provavelmente se saíra muito melhor. Ora, um adulto conhece melhor as regras da linguagem, possui melhor experiência com a construção de sentenças e entende melhor o significado das palavras. Enquanto isso, a criança não está tão familiarizada assim com a linguagem e terá, logicamente, mais dificuldade em aprender uma nova língua. E a história do cérebro das crianças ser mais hábil no aprendizado não encontra base científica. Adultos aprendem tão bem quanto crianças. Então, o que está acontecendo aqui?
O pulo do gato para explicar essa confusão é que as pessoas tendem a não analisar a diferença social básica entre adultos e crianças. Enquanto os primeiros normalmente são muito atarefados, sendo cobrados a toda hora no trabalho e família, e têm uma organização de tarefas muito mais complexa, as crianças tem uma vida mais simples e exploradora. Enquanto adultos estão cercados de distrações e estresse, dedicando mínimos períodos de tempo para o ensino, as crianças estão sempre procurando aprender e podem passar mais tempo do dia concentradas em uma única tarefa, especialmente se não começaram a vida escolar ainda. Assim, elas ficam o dia inteiro aprendendo e digerindo as novas informações mesmo tendo maior dificuldade do que os adultos e adolescentes em entender o significado daquilo que estão absorvendo. Isso é ainda mais verdade quando elas são enviadas para países estrangeiros com o intuito de aprenderem uma ou mais línguas. Em um ambiente cheio de crianças falando o novo idioma, elas passam mais tempo tentando entender o que elas estão querendo dizer, já que querem formar mais laços de amizade e explorar melhor aquele mundo. Por outro lado, os adultos raramente possuem essa oportunidade de estudar fora e quando o fazem tendem a continuar conversando em sua língua nativa por grande parte do tempo com amigos e familiares através da tecnologia ( internet/celulares/computadores). Já a criança acaba ficando presa em seu novo mundinho de palavras estranhas.
É importante desbancar esse mito porque isso gera dois graves problemas educacionais:
1. Professores podem acabar ficando mais relapsos e se dedicando menos quando estão ensinando as crianças, por acharem que elas aprendem o conteúdo linguístico com grande facilidade. Isso faz com que dificuldades que as crianças possam estar enfrentando sejam ignoradas ou que métodos de ensino fiquem estagnados.
2. Adultos podem ficar desmotivados a aprender uma nova língua, tendendo a desistir mais de começar ou continuar um curso, por acharem que isso é algo difícil para uma idade mais avançada devido a fatores biológicos que não podem ser vencidos.
A única coisa que se salva dentro dessa falsa premissa de aprendizado é o fato das crianças que aprendem uma segunda língua o fazem sem ter muito sotaque. No geral, sim, isso costuma ser verdade. Como as crianças não estão há muito tempo falando seu idioma nativo, os padrões musculares da fala ( língua e outras movimentações da boca) ainda não estão tão impregnados pelo vício quanto em falantes mais velhos. Assim, certas sonorizações ficam mais fáceis de serem incorporadas à fala da criança, diminuindo consideravelmente o sotaque e, em muitos casos, chegando a inexistir. Porém, a habilidade de aprender a nova língua ainda continua sendo maior nos indivíduos mais velhos quando consideramos ambientes controlados. Além disso, adultos e adolescentes podem também aprender a minimizar os sotaques com muito treino. De qualquer forma, ter ou não sotaque, não faz muita diferença para uma conversação. Os brasileiros, por exemplo, meio que ficam nessa neura em querer dizer tudo certinho, especialmente com o inglês britânico ou norte-americano. Caso você esteja pronunciando as palavras corretamente, com um mínimo de erros, não importa o sotaque para o pleno entendimento do ouvinte. Existem, claro, exceções, onde certos idiomas sofrem grandes mudanças no pronunciamento e aglutinação das palavras, como quando comparamos o inglês norte-americano e o irlandês ( eu, por exemplo, tenho grande dificuldade em entender plenamente o inglês de certos filmes irlandeses, apesar de ter extrema facilidade em entender o britânico e norte-americano, e os falantes nativos dos EUA também costumam relatar o mesmo problema).
Resumindo, não tenha medo de começar a aprender um novo idioma, não importando a sua idade. Ter uma segunda língua hoje é especialmente importante na área profissional e no ensino universitário, principalmente o inglês, língua internacional das transações econômicas e compartilhamento científico. E uma dica: aprender um novo idioma de forma forçada e estritamente acadêmica não costuma gerar bons resultados. Tente sempre incorporar a nova língua às atividades de que você gosta. Assistir a filmes/séries, ouvir músicas e ler livros no idioma que você pretende aprender facilita bastante o processo. Por exemplo, quando você assiste a uma série que você gosta em outro idioma, você acaba querendo saber o que está acontecendo, e não será algo forçado como estar em uma sala de aula ( claro, dependendo do curso sendo ministrado).
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- http://eclkc.ohs.acf.hhs.gov/hslc/tta-system/cultural-linguistic/Dual%20Language%20Learners/prof_dev/conferences/Genesee.pdf
- http://www.hanen.org/Helpful-Info/Articles/Bilingualism-in-Young-Children--Separating-Fact-fr.aspx
- http://people.ucsc.edu/~mclaugh/MYTHS.htm
- http://unesdoc.unesco.org/images/0021/002122/212270e.pdf
- http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1467-1770.1974.tb00505.x/abstract
- http://doe.concordia.ca/copal/documents/02_p_lightbown.pdf
- http://www.mx1.educationforthinking.org/sites/default/files/pdf/04-04DoChildrenAndAdultsLearnDifferently.pdf
- http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED350885.pdf
- http://esl.fis.edu/parents/advice/myth1.htm
- http://static.globalenglish.com/files/reports/GlobEng_Whitepap_Nunan_EN_US_FINAL.pdf?q=files/reports/GlobEng_Whitepap_Nunan_EN_US_FINAL.pdf