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Smartphone e dores no pescoço


- Artigo atualizado no dia 20 de junho de 2019 -

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         Agora que os smartphones fazem parte íntima da vida das pessoas, um potencial e preocupante problema veio junto de carona: ´Text Neck´ (não existe uma tradução literal com sentido para o português, mas poderia ser interpretado como 'Mandando mensagens com o pescoço'). O termo surgiu para se referir às potenciais fortes dores na região do pescoço e dos ombros que estariam sendo causadas pelo hábito comum das pessoas em passar grande parte do dia olhando para baixo, digitando e vendo mensagens/informações no aparelho dos celulares modernos e outros dispositivos móveis, como tablets. Porém, existem controvérsias.

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   TEXT NECK

          Nos dias de hoje já é mais do que normal vermos a todo momento pessoas andando usando o celular, comendo usando o celular, sentadas usando o celular... E na maior parte dessas situações, o pescoço tende a ficar sob um considerável estresse biomecânico ao se curvar acentuadamente para frente por longos períodos . Nosso pescoço é, anatomicamente, feito para sustentar o peso da nossa cabeça sem problemas, mas idealmente em uma postura reta pela maior parte do tempo. O peso que muitos especialistas acreditam que deveríamos estar sempre procurando apoiar no pescoço seria, no máximo, aquele gerado por uma massa de 5 a 6 quilos (cabeça ereta). Estudos analisando a questão apontam que para cada 2,5 centímetros de inclinação para a frente, o pescoço passa a ter que suportar o dobro desse peso (Ref.2-3)! Se você usa o aparelho smartphone com o queixo quase colado no peito, seu pescoço passa a suportar algo equivalente a quase 30 quilos!


         Esse peso extra pode acabar levando a desordens musculoesqueléticas inicialmente com efeitos de curto prazo mas com o potencial de levar a sérias debilidades crônicas a longo prazo. Especialistas sugerem que esse maior estresse mecânico a longo prazo sobre a coluna cervical pode também resultar em uma aceleração na degeneração de disco e contribuir para uma herniação.

         Para piorar a situação, o uso dos dispositivos móveis, especialmente smartphones, é viciante e prazeroso, fazendo com que a pessoa passe horas forçando a musculatura do pescoço e do ombro sem nem perceber possíveis desconfortos. E, talvez, a maior preocupação recaia nos riscos tragos para as crianças e adolescentes, os quais possuem a coluna vertebral ainda em desenvolvimento e crescimento. Com o uso dos dispositivos móveis começando cada vez mais cedo, o uso prolongado entre os mais jovens pode facilitar o surgimento de quadros de contraturas ligamentosas anteriores, aceleração na degeneração de disco e cifose cervical.

          No caso específico de dores nos ombros e pescoço associadas com o uso de tablets, e-books e iPads (apelidadas de 'iPad neck' ou 'tablet neck'), um estudo recente (Ref.17) encontrou que as mulheres são 2,059 vezes mais prováveis de desenvolverem sintomas músculo-esqueléticos do que os homens, a condição é mais prevalente em jovens adultos do que em adultos mais velhos e aqueles com um histórico de dores nessas regiões do corpo experienciam uma acentuação dessas dores durante o uso desses dispositivos eletrônicos. Sentar sem um suporte para as costas, sentar com o dispositivo no colo (o que faz o pescoço se curve bastante) e sentar em uma cadeira com o tablet posicionado em uma superfície plana de uma mesa são todos fatores que levam às dores. Sentar com um suporte para as costas durante o uso de tablets parece ser o maior fator de proteção neste caso.

        Somando-se às dores, alguns estudos apontam que ficar com a região do pescoço extremamente inclinada durante muito tempo pode causar danos significativos para a respiração, pois nessa posição menos ar preenche os pulmões, levando à uma menor oxigenação do corpo e sobrecarga do músculo cardíaco, o qual passa a ter que bombear mais sangue para manter as taxas de oxigênio normais nos diferentes órgãos do organismo.

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   CONTROVÉRSIAS

        As dores no pescoço são a quarta causa de incapacidades físicas ao redor do mundo. E esse problema de saúde pública tem aumentado consideravelmente desde a última década, junto também com dores na parte superior das costas. Antes um problema que afetava majoritariamente os adultos, especialmente os idosos, hoje a prevalência nos jovens no final da adolescência é quase a mesma do que aquela vista nos adultos, e tão alta quanto a prevalência de dores na parte inferior das costas. Nesse sentido, como essa tendência de aumento nas dores ligadas ao pescoço coincidiu com o aumento drástico relativo ao uso de smartphones e outros dispositivos móveis, principalmente entre os mais jovens, criou-se a hipótese biomecanicamente e observacionalmente baseada de que a postura inapropriada do pescoço para escrever mensagens ou ler conteúdo nos dispositivos móveis - text neck - seria a principal explicação para a crescente prevalência dessas dores entre os mais jovens.

        De fato, uma significativa quantidade de estudos nos últimos anos vem adereçando o problema e encontrando evidências que reforçam essa hipótese (Ref.1-13). Um estudo de grande porte e longitudinal, realizado na Suécia em 2018 e envolvendo mais de 7 mil jovens adultos (idades de 20 a 24 anos) durante um período de 5 anos (Ref.14), encontrou fortes evidências que dores persistentes no pescoço e na parte superior das costas está associado com o tempo gasto enviando mensagens de texto pelos dispositivos móveis (apesar da associação encontrada ter se mostrado bem mais forte em relação a efeitos de curto prazo do que de longo prazo). Ainda mais recente, dois estudos, um publicado na PLOS ONE (Ref.18) e o outro na Telemedicine and e-Health (Ref.19), analisando via questionários 500 e 522 jovens estudantes Universitários, respectivamente, também encontraram uma associação positiva entre o uso de dispositivos portáteis e dores no pescoço e na região cervical, especialmente em indivíduos que inclinam muito o pescoço para digitar nas telas.

        Apesar do crescente acúmulo de evidências positivas indicando uma clara relação entre uso de dispositivos móveis, base teórica biomecânica, inclinação da cabeça e dores na região do pescoço, os estudos sobre o tema em específico ainda são relativamente escassos, inexistindo até o momento trabalhos científicos de alta qualidade e com a maior parte deles sendo observacionais e muito limitados. Nesse sentido, um estudo brasileiro publicado em janeiro deste ano (Ref.15), analisando jovens de 18-21 anos em escolas públicas do Rio de Janeiro, não encontrou uma associação entre text neck e dores no pescoço ou frequência nas dores de pescoço nessa população. Esse achado desafia a hipótese de que uma postura inapropriada durante o uso de smartphones é a principal causa da crescente prevalência de dores de pescoço entre os mais jovens.

         Somando-se a isso, uma revisão sistemática de 2012 (Ref.16), analisando os fatores de risco para o desenvolvimento de dores de pescoço não-específicas dentro do ambiente de trabalho, não encontrou fatores de risco que previam o desenvolvimento dessas dores entre os empregados, como atividades físicas lesivas, má postura, baixo suporte social e alto estresse físico-social. Ou seja, ainda é incerta a ligação entre postura do pescoço e dores nessa parte do corpo.

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   PLASTICIDADE FENOTÍPICA

           Mas o mais curioso estudo sobre o tema, e publicado na Scientific Reports (Ref.20) no começo de 2018, reportou uma estranha tendência associada com o uso cada vez maior das novas tecnologias móveis. Segundo os pesquisadores responsáveis pelo estudo, os jovens adultos estão exibindo de forma mais prevalente e substancial uma protuberância no crânio (na escama do ocipital) chamada de 'exostose prominente' quando comparados com grupos mais velhos (antes quase que exclusivamente associados com tais saliências ósseas).

           Uma amostra de 218 indivíduos analisada previamente pelos pesquisadores apontou uma prevalência de 41% desse tipo de protuberância nos jovens adultos, e as quais exibiam tamanhos variando de 10 a 31 mm. No novo estudo, eles estimaram uma prevalência de 33% na população total através de análise dos fatores de risco. Além disso, o tamanho médio das protuberâncias registrada na amostra mostrou ser bem maior do que as médias anteriores ao ano de 1996 (um período anterior ao uso disseminado e robusto das tecnologias móveis de comunicação).




          Uma exostose prominente décadas atrás não era pensada possível nessa faixa de idade (18-30 anos), mas os pesquisadores mostraram que uma combinação de sexo, grau de extensão da cabeça para frente e idade explicam o fenômeno. A carga mecânica no pescoço - durante sua inclinação - mostrou atuar de forma crucial para o desenvolvimento e a manutenção da saliência óssea associada à entese (inserção) (1) na região craniana, principalmente nos homens, e, segundo os autores do estudo, isso fortemente sugere culpabilidade no uso de tecnologias portáteis de interação visual e manual contemporâneas que induzem a posturas aberrantes e prolongadas, como tablets e smartphones. Nesse sentido, o aumento da carga sustentada pelo pescoço leva ao aumento da síntese de colágeno e formação da estrutura protuberante.

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(1) Enteses são locais de ligamento, tendão ou junta capsular anexados aos ossos. Uma das principais funções das enteses é a distribuição de força sobre uma grande área da superfície óssea. Porém, esses locais são inerentemente vulneráveis a danos já que as enteses englobam zonas transicionais, transferindo força entre tecidos moles e duros. Portanto, o desenvolvimento de protuberâncias/saliências (entesófitos) nesses locais pode ser um mecanismo adaptativo para aumentar a área superficial na interface do tendão/osso que esteja sendo submetida a estresses de tensão frequentes, com a crescimento ósseo progressivo seguindo a direção do estresse agindo sobre o osso no ponto de inserção. Frequentemente essas saliências ósseas são assintomáticas.
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         Essa plasticidade do tecido ósseo ficando cada vez mais prevalente nos jovens pode implicar consequências para a saúde musculoesquelética futura desses indivíduos, o que reforça uma maior preocupação com a educação postural da população no contexto das novas tecnologias da informação.

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   CONCLUSÃO

        Apesar da postura da cabeça inclinada para frente aumentar a carga mecânica nas articulações e ligamentos da coluna cervical e aumentar a demanda sobre a musculatura posterior do pescoço por causa do aumento do momento gravitacional, ainda é inconclusivo se o uso dos smartphones e de outros dispositivos móveis está diretamente associado com o aumento de dores na região do pescoço entre as pessoas, especialmente os mais jovens, pelo menos como a causa principal. Mas, no geral, parece existir uma real associação, independentemente da sua extensão, e a hipótese do text neck é a melhor até o momento para explicar o crescente número de dores na região superior da coluna vertebral dentro da população mais jovem.

          De qualquer forma, como medida máxima de prevenção, crie o hábito de usar o smartphone na altura dos olhos ou, no mínimo, o menos inclinado com a cabeça possível. Uma boa recomendação é parar de tempo em tempo para relaxar o pescoço e realizar profundas inspirações de ar. Além disso, é importante lembrar que o esforço repetitivo excessivo - principalmente dos polegares e de músculos no antebraço - durante o uso dos dispositivos móveis é um forte fator de risco para lesões musculoesqueléticas, como tendinite, tenossinovite e artrite carpometacarpal. E não podemos nos esquecer de outro grande risco: ficar fixado demais no smartphone tira muita atenção visual do ambiente ao seu redor. Nas ruas, como pedestre ou como motorista, acidentes já estão se tornando comuns envolvendo o uso inapropriado desses dispositivos. Portanto, mais do que usar corretamente o celular, saiba moderar esse uso e saiba escolher os momentos certos de usá-lo.



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/00140139.2014.967311
  2. https://www.jmptonline.org/article/S0161-4754(17)30010-6/abstract
  3. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1529943017300967
  4. http://pro.sagepub.com/content/59/1/1788.short
  5. http://www.ijarcsms.com/docs/paper/volume3/issue5/V3I5-0085.pdf
  6. http://www.sersc.org/journals/IJBSBT/vol7_no3/19.pdf
  7. http://www.theacupuncture.org/journal/view.php?number=2162
  8. http://digitalcommons.mtech.edu/stdt_rsch_day_2013/18/?utm_source=digitalcommons.mtech.edu%2Fstdt_rsch_day_2013%2F18&utm_medium=PDF&utm_campaign=PDFCoverPages
  9. http://search.proquest.com/openview/3ef9c2f0dc379156d42a161749be0dd9/1?pq-origsite=gscholar&cbl=2035952
  10. http://www.koreascience.or.kr/article/ArticleFullRecord.jsp?cn=OGGHBK_2013_v32n3_273 
  11. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0003687016301235
  12. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0003687016301739 
  13. http://ijcmph.com/index.php/ijcmph/article/view/2970
  14. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0003687016301235?via%3Dihub
  15. https://link.springer.com/article/10.1007/s00586-017-5444-5
  16. http://oem.bmj.com/content/69/9/610
  17. https://www.jstage.jst.go.jp/article/jpts/30/6/30_jpts-2018-027/_article
  18. https://www.liebertpub.com/doi/abs/10.1089/tmj.2018.0231
  19. https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0217231
  20. https://www.nature.com/articles/s41598-018-21625-1