O que é o cheiro de chuva?
- Atualizado no dia 18 de agosto de 2024 -
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Já parou para pensar naquele cheiro característico de chuva? É só começar a chuvarada para subir aquele "aroma de terra molhada". Este aroma fica ainda mais forte quando estamos próximos de uma área com bastante terra seca exposta, principalmente em áreas rurais. Mas o que é esse cheiro?
         O aroma de terra molhada é tão comum no nosso dia a dia que acabamos nos desprendendo de perguntar o porquê dele. Podemos resumir esse cheiro em três principais causas: 
1. Gás ozônio (O3): com um cheiro bem forte e característico, esse gás é criado na chuva quando moléculas de gás oxigênio (O2) e gás nitrogênio (N2) são quebradas pela energia dos raios de tempestade e rearranjadas para criar óxido nítrico (NO) e ozônio (O3). As moléculas de ozônio são carregadas no sentido da superfície pelas gotas de chuva, contribuindo para o cheiro de chuva. O ozônio é também um dos principais responsáveis pelo cheiro distinto no ar momentos antes da chuva cair.
Já parou para pensar naquele cheiro característico de chuva? É só começar a chuvarada para subir aquele "aroma de terra molhada". Este aroma fica ainda mais forte quando estamos próximos de uma área com bastante terra seca exposta, principalmente em áreas rurais. Mas o que é esse cheiro?
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| Molécula da geosmina | 
2. Mas um componente bem mais relevante e um dos constituintes majoritários do famoso 'cheiro de terra molhada' vem de uma substância orgânica chamada geosmina, secretada principalmente por bactérias do filo Actinobacteria e da ordem Myxococcales, presentes em todos os continentes e muito comuns em quase todos os tipos de solo. Previamente ao evento de chuva, após um longo período de tempo seco, o ar se torna mais úmido, umidificando também o solo e acelerando a atividade metabólica e reprodutiva dessas bactérias - e consequentemente aumentando a produção de geosmina (um subproduto metabólico). Quando as gotas de chuva atingem a terra, bolhas de ar são presas e expandem rapidamente no choque, liberando pequenas partículas de água que englobam a geosmina e que são dispersadas na atmosfera (aerossóis), até chegarem ao nosso nariz. Nosso órgão olfativo é muito sensível à geosmina, podendo detectá-la mesmo em concentrações menores do que 0,7 parte por bilhão!
Aliás, a produção de geosmina é altamente conservada entre bactérias no solo, cianobactérias e é produzida também em vários fungos (eucariota) e em algumas plantas vasculares (ex.: cactos e beterraba vermelha), frequentemente ocorrendo com outro terpeno odorífero, o 2-metilisoborneol. Em um estudo publicado recentemente no periódico Applied and Environmental Microbiology (Ref.9), pesquisadores trouxeram forte evidência experimental que a produção de geosmina age como um sinalizador químico contra predadores de bactérias e de outros procariontes. No caso, eles demonstraram em laboratório que o nematódeo Caenorhabiditis elegans, um verme bacteriófago encontrado em todo o mundo, incluindo na Antártica, é repulsado pela geosmina e pelo 2-methylisoborneol produzidos pela Streptomyces coelicolo (uma bactéria tóxica ao C. elegans). Nenhuma outra função foi encontrada para a geosmina na S. coelicolor, além da plausível sinalização química. De fato, os pesquisadores também mostraram que o consumo de bactérias S. coelicolor ou de Myxococcus xanthus (outra espécie produtora de geosmina) levava à morte do C. elegans. Seria algo similar às cores chamativas de uma rã altamente venenosa alertando potenciais predadores do seu conteúdo tóxico. O achado também explica a alta prevalência de genes ligados aos caminhos biossintéticos de geosmina em microrganismos que produzem metabólitos tóxicos.
          A geosmina é um sesquiterpenoide volátil e bicíclico associado com odor terroso/mofado. Entre espécies diversas no reino animal, essa substância engatilha comportamentos tanto de atração quanto de repulsa. Humanos conseguem detectar esse composto a concentrações entre 4 e 10 ng/L, algo equivalente a uma colher de chá do composto diluído em 200 piscinas olímpicas. Aliás, esse é o motivo por que conseguimos perceber essa substância no ar durante chuvas mesmo em centros urbanos muito asfaltados e com pouca presença de solo exposto.
           Recentemente pesquisadores conseguiram detectar o receptor responsável pela detecção da geosmina: receptor OR11A1 (Ref.11). E o gene associado a esse receptor parece ter sido conservado entre animais diversos há pelo menos 100 milhões de anos. Notavelmente, no rato-canguru (Dipodomys sp.), a sensibilidade do ortólogo desse receptor é >100x maior do que aquele de humanos - seria por causa da dieta contendo cactos e outras plantas produtoras de geosmina?
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> Enquanto em certos contextos (ex.: chuva, perfumes e fragrâncias) o cheiro de baixos níveis de geosmina ("terra fresca") é agradável para humanos, no contexto alimentar temos reação oposta. A geosmina é proeminente responsável por afetar de forma adversa a qualidade de alimentos e de bebidas, como peixes, água potável, cacau, suco de uva, entre outros, fornecendo um sabor "terroso/mofado".   
> Em ambientes áridos e semiáridos, espécies como camelos ou elefantes podem associar o cheiro de geosmina com fontes de água a longas distâncias, ou seja, são atraídos por essa substância. Potencialmente explica por que humanos são atraídos por geosmina no ar: indica chuva e, portanto, água fresca nas proximidades. Por outro lado, na mosca da fruta Drosophila melanogaster, a geosmina causa aversão, potencialmente sinalizando que uma fruta está potencialmente contaminada com alto nível de toxinas microbianas. Talvez a aversão de humanos à geosmina em alimentos seja também uma defesa contra toxinas.
> Humanos modernos (Homo sapiens) possuem um total de ~400 diferentes genes de receptores odoríferos, os quais codificam em torno de 600 diferentes variantes de receptores na mucosa nasal, responsáveis pelo olfato e detecção de múltiplos odorantes.
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3. Pelo mesmo mecanismo descrito anteriormente, as gotas de chuva também dispersam na atmosfera partículas de água preenchidas com óleos aromáticos presentes no solo (ex.: ácidos esteárico e palmítico). Esses óleos são produzidos por plantas e acabam se acumulando nos troncos de árvores, gramíneas, pedras, etc. Quando a chuva vem, essas substâncias aromáticas são capturadas e dispersadas pelas gotas de água até o nosso nariz.
Outros componentes no solo podem também ajudar a compor o aroma, com o cheiro sendo intensificado à medida que a terra vai ficando cada vez mais seca. A intensidade da chuva também parece influenciar na intensidade da fragrância, onde chuvas mais moderadas são melhores do que chuvas pesadas para criar cheiros mais fortes. Chuvas muito intensas dificultam a dispersão dos aerossóis de água (muitas gotas arrastando essas partículas de volta ao solo).
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De qualquer forma, o aroma de chuva é, no geral, bem agradável e transmite uma espécie de conforto. Alguns cientistas sugerem que gostamos do cheiro de chuva porque esta sempre foi muito importante ao longo da evolução humana, ou seja, ficar muito feliz e animado com a sua chegada pode talvez ter representado uma pressão seletiva.
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- http://resp.llas.ac.cn/C666/handle/2XK7JSWQ/118711
- http://www.metoffice.gov.uk/learning/rain/petrichor
- http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4850397/
- http://www.scientificamerican.com/article/storm-scents-smell-rain/
- http://chemse.oxfordjournals.org/content/17/1/23
- https://www.acs.org/content/dam/acsorg/education/students/highschool/chemistryclubs/infographics/petrichor-the-smell-of-rain.pdf
- http://blogs.scientificamerican.com/guest-blog/smelling-the-rain/
- http://www.rsc.org/chemistryworld/podcast/CIIEcompounds/transcripts/geosmin.asp
- Findlay et al. (2022). The Ubiquitous Soil Terpene Geosmin Acts as a Warning Chemical. Applied and Environmental Microbiology. https://doi.org/10.1128/aem.00093-22
- Nabhan et al. (2022). "Health Benefits of the Diverse Volatile Oils in Native Plants of Ancient Ironwood-Giant Cactus Forests of the Sonoran Desert: An Adaptation to Climate Change?" International Journal of Environmental Research and Public Health, 19(6), 3250. https://doi.org/10.3390/ijerph19063250
- Ball et al. (2024). Geosmin, a Food- and Water-Deteriorating Sesquiterpenoid and Ambivalent Semiochemical, Activates Evolutionary Conserved Receptor OR11A1. Journal of Agricultural and Food Chemistry, Vol. 72, Issue 28, 15865–15874. https://doi.org/10.1021/acs.jafc.4c01515
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/gene?Db=gene&Cmd=DetailsSearch&Term=26531
- https://www.youtube.com/watch?v=R42aKPSXYZQ (Natural History Museum)
 




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
