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Afinal, devo me preocupar com o colesterol do ovo?



- Atualizado no dia 3 de junho de 2024 - 

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           Há décadas existe uma grande controvérsia sobre o impacto do colesterol alimentar - proveniente principalmente de carnes e ovos - sobre a saúde cardiovascular. Por causa disso, o ovo foi por muito tempo visto como um vilão devido ao seu altíssimo teor de colesterol. Porém, nas últimas duas décadas, o consumo em moderação de ovos passou a ser considerado parte de uma dieta saudável, e, em 2014, as novas recomendações oficiais de alimentação saudável dos EUA trouxeram que o colesterol não era mais um nutriente de preocupação mesmo consumido acima do limite anteriormente estabelecido (300 mg/dia). No entanto, recentes estudos observacionais e de revisão continuam trazendo resultados conflitantes, com alguns sugerindo associação positiva entre o consumo alimentar de colesterol e um maior risco de doenças cardiovasculares e mortalidade em geral. Afinal, o ovo faz mal ou não faz? Colesterol alimentar é um vilão? O que os estudos clínicos randomizados têm mostrado?

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   SUPER-ALIMENTO

           O ovo é um dos alimentos mais nutritivos que existe. Seja se for de pato, galinha, codorna, entre outros, todos os ovos possuem grande quantidade de proteínas de alto valor biológico, as quais contém todos os aminoácidos necessários ao corpo. A principal proteína que encontramos nele é a albumina, cuja concentração é majoritária na clara. Um ovo grande de galinha possui cerca de 6,3 g de proteínas (!) e em torno de 78 Kcal.  Na gema, encontramos todos os outros nutrientes do ovo, entre minerais e vitaminas. Por causa da significativa presença de gorduras - porém com pouca presença de gordura saturada (um ovo grande de galinha possui cerca de  1,56 g/ovo de ácidos graxos saturados, 1,83 g de gorduras mono-saturada e 0,96 g de gordura poli-insaturada.) -, as vitaminas lipossolúveis são as mais presentes, incluindo especialmente a A e a D. Entre os minerais podemos destacar  o ferro, zinco, fósforo, manganês e potássio. Aliás, é o ferro o responsável pelo escurecimento da parte externa da gema depois do cozimento do ovo. .

Tanto a clara quanto a gema do ovo são altamente nutritivas; de fato, um animal vivo e totalmente funcional é gerado dentro do ovo.

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(!) A clara do ovo é rica em aminoácidos essenciais e contém várias proteínas, incluindo ovalbumina (54%), ovotransferrina (12%), ovomucina (3,5%), lisozima (3,4%) e avidina (0,5%). Algumas dessas proteínas são bioativas com funções imunoprotetoras e antimicrobianas (Ref.46).

> Proteínas de alto valor biológico são encontradas tanto na clara (~11 g/100 g) quanto na gema (~16 g/100 g). Quantidades significativas de minerais, vitaminas e outros micronutrientes estão presentes tanto na gema quanto na clara. Enquanto a gema fornece maior densidade de micronutrientes em geral, a clara é relativamente mais rica em magnésio, potássio e sódio. Ref.
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         Uma vitamina abundante na gema é a colina, a qual faz parte do complexo B e é de fundamental importância para as membranas das células, participando das transmissões nervosas do sistema nervoso. É um nutriente essencial para o fígado e funções musculares dos humanos, e sua ingestão via alimentação complementa sua síntese endógena (o fígado produz pequenas quantidades de colina). Estudos mostram que apenas 5% das mulheres depois da menopausa consomem a quantidade recomendada de colina. Entre as grávidas, onde esta vitamina é muito importante para a saúde do feto, quase 30% sofrem da sua carência. O ovo, junto com a soja, são boas fontes de colina.

          Biotina (vitamina B7) também é abundante na gema de ovo. A biotina é um micronutriente essencial para o corpo, e cofator para cinco carboxilases que catalisam passos críticos no metabolismo de ácidos graxos, glicose e aminoácidos. Biotina também atual de forma importante nas modificações de histonas, regulação de genes e sinalização celular. Um humano adulto precisa consumir 30 microgramas (mcg) de biotina diariamente, e um ovo inteiro fornece ~10 mcg (Ref.55). E enquanto a biotina se liga fortemente à avidina (glicoproteína na clara do ovo), impedindo sua absorção pelo sistema digestivo humano, o simples cozimento do ovo desnatura a avidina e permite a absorção efetiva da biotina. Portanto, para aproveitar a biotina do ovo, não consuma esse último cru (isso evita também potenciais infecções).

          Na gema, além de colina e 16 vitaminas e minerais, encontramos vários outros micronutrientes benéficos ao nosso corpo, como carotenoides, principalmente luteína e zeaxantina. A única ausência notável é a vitamina C.

          Soma-se a tudo isso o fato de que os ovos são alimentos muito baratos e de fácil acesso à população, algo especialmente importante em regiões com baixo desenvolvimento econômico.

          Em 2017, um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Washington, mostrou que o consumo de ovos pode aumentar substancialmente o crescimento corporal e reduzir em 47% o déficit de estatura em crianças, especialmente em regiões mais pobres, onde os ovos se mostram um recurso alimentar facilmente acessível (Para saber mais sobre o estudo, acesse: Ovos: potencial arma contra o déficit de estatura e desnutrição em crianças!). Estudos mais recentes também têm defendido que os ovos representam uma importante arma contra a insegurança alimentar e a desnutrição tanto para crianças quanto para adultos (Ref.45)

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    ESTUDOS CONFLITANTES

          Um alto consumo de colesterol alimentar (oriundo da dieta) tem sido, de forma inconsistente e relativamente incerta, associado com um aumento no risco de doenças cardiovasculares e mortalidade. Essa associação foi primeiro fomentada em 1913, quando o pesquisador Russo Nikolay Anitschkow descobriu que o colesterol alimentar aumentava o colesterol sanguíneo em coelhos e produzia experimentalmente aterosclerose (Ref.).

          O ovo é o principal alvo de atenção nesse cenário, já que uma unidade grande de ovo de galinha contém cerca de 185 mg de colesterol em sua gema, ou seja, dois ovos grandes são o suficiente para ultrapassar o tradicional limite de 300 mg/dia (!). Nos EUA, tradicionalmente, a média de consumo de colesterol diário é em torno de 600 mg, provenientes principalmente da ingestão de carnes. Nesse sentido, a preocupação com o ovo aumentou consideravelmente no país, tanto que em 1968, com base na literatura acadêmica disponível na época, a Associação Americana de Cardiologia limitou o consumo de colesterol em 300 mg/d, incluindo a forte recomendação de que as pessoas deveriam consumir no máximo 3 ovos inteiros (clara e gema) por semana. Foi aí que a má fama do ovo teve início.   

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> A instabilidade da homeostase de colesterol no corpo leva a um quadro de hipercolesterolemia, este o qual engatilha o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, um termo generalizado englobando várias doenças, incluindo doença cardíaca, derrame, falha cardíaca, arritmia e problemas nas válvulas cardíacas. Níveis mais elevados de colesterol no plasma sanguíneo na forma de LDL-C está positivamente associado a doenças cardiovasculares, enquanto maiores níveis de colesterol na forma HDL-C está negativamente associado a doenças cardiovasculares. Nesse contexto, quanto maior a razão LDL/HDL, e maior o nível de LDL, maior o risco de doenças cardiovasculares. Para mais informações, acesse: O HDL realmente protege o coração?

(!) O perfil nutricional dos ovos vai mudar substancialmente dependendo do animal que o produziu. Tipicamente, ovos de galinha possuem aproximadamente 180-200 mg de colesterol por unidade.
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           Porém, estudos clínicos e observacionais (retrospectivos e prospectivos) mais robustos nas décadas seguintes mais robustos e de melhor qualidade começaram a gerar dados inconsistentes e inconclusivos sobre o impacto da ingestão de colesterol no perfil lipídico do sangue e na incidência de doenças cardiovasculares. Nesse sentido, muitos estudos clínicos controlados, analisando a resposta direta entre consumo de ovos/colesterol e o colesterol total circulante no corpo passaram a reportar resultados dramaticamente variáveis, com a maioria dos indivíduos analisados (~2/3 da população) expressando apenas respostas mínimas-modestas à ingestão desse esteroide, enquanto aqueles com significativa resposta mostravam um aumento tanto do LDL-colesterol quanto do HDL-colesterol (geralmente mantendo a razão de ambos inalterada). Estudos analisando o impacto do colesterol alimentar em marcadores sanguíneos de pré-diabéticos têm se mostrado também inconclusivos, com alguns reportando variações não significativas no LDL, HDL e colesterol total mesmo com um alto consumo de ovos (>12 ovos/semana). Estudos têm encontrado inclusive benefícios do consumo de ovos para indivíduos com com problemas cardiovasculares.

           Apesar do modelo de coelho no início do século XX ter mostrado uma clara associação positiva entre colesterol alimentar e níveis de colesterol circulante, mais tarde descobriu-se que essa associação varia de forma robusta entre diferentes espécies. Humanos ficam entre ratos e coelhos,  esses últimos os quais respondem, respectivamente, com alta e baixa capacidade de produzir ácidos biliares, e baixa e alta capacidade de aumentar o colesterol circulante.

   ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS EM 2018

           Um estudo de meta-regressão analítica (Ref.27) encontrou que o consumo de colesterol na dieta estava positivamente associado a um aumento no LDL-colesterol, mas não houve clara associação com variações no HDL-colesterol nos homens, mas positiva para as mulheres. Para cada 100 mg adicionais de colesterol consumidos, houve um aumento observado de 1,90 mg/dL de LDL-colesterol, com base na análise de 55 estudos envolvendo 2652 participantes.

          Nesse mesmo caminho, uma revisão sistemática e meta-análise publicada no periódico Journal of American College of Nutrition (Ref.34), analisando 28 estudos clínicos randomizados, encontrou que o consumo de ovos de fato aumenta de forma significativa o colesterol total circulante (TC), HDL-C e LDL-C - em cerca de 5,60 mg/dL (TC), 5,55 mg/dL (LDL-C) e 2,13 mg/dL (HDL-C) -, mas que um aumento no consumo diário de ovos não estava associado com um maior aumento desses componentes lipídicos em comparação com um baixo consumo de ovos.       

          Mas em outra virada da maré, um estudo conduzido por pesquisadores Chineses encontrou que a ingestão diária de ovos pode reduzir a incidência de doenças cardiovasculares quando comparado com as pessoas que não consomem ovos (Ref.21). Para chegarem nessa conclusão, eles analisaram dados do estudo China Kadoorie Biobanck (CKB), o qual englobou 512891 adultos com idades de 30 a 79 anos de diferentes áreas geográficas do território Chinês. Dentro desse grupo, os pesquisadores selecionaram 416213 participantes que nunca tiveram câncer, doenças cardiovasculares e diabetes, coletando também dados sobre o consumo diário de ovos e as taxas de mortalidade e de morbidade. Os resultados mostraram que pessoas comendo até 1 ovo por dia tinham 26% menos risco de ter derrame hemorrágico (tipo de derrame com alta prevalência na China), 28% menos risco de morte por derrame hemorrágico, 18% menor risco de morte por doença cardiovascular e 12% menor risco de doença cardíaca isquêmica em comparação com pessoas que nunca ou raramente (2 ovos/semana) consomem ovos.

   ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS EM 2019

          Um robusto estudo observacional publicado no periódico JAMA (Ref.29) reportou que cada 300 mg/dia de colesterol adicionado na dieta está associado com um aumento de 17% na incidência de doenças cardiovasculares e um aumento de 18% em todas as causas de morte. Cada metade de ovo diariamente adicionado na dieta - maior fonte de colesterol, seguido das carnes vermelhas - estava associado com um aumento de 6% na incidência de doenças cardiovasculares e de 8% de aumento em todas as causas de morte. O estudo analisou dados coletados de 29615 adultos seguidos por uma média de 17,5 anos entre 1985 e 2016.       

         Subsequentemente, um estudo publicado no American Journal of Clinical Nutrition (Ref.33), analisando a população masculina Finlandesa, não encontrou uma relação direta significativa entre consumo de colesterol alimentar (em específico via ingestão de ovos) e derrames, mesmo entre pessoas com problemas no metabolismo de colesterol. Derrames ocorrem quando existe danos ao cérebro ocasionados pela interrupção do fornecimento de sangue, e, entre os fatores de risco estão um alto nível de colesterol na circulação sanguínea e, principalmente, hipertensão. Se existe uma significativa associação entre consumo de colesterol alimentar e doenças cardiovasculares, é de se esperar que exista também um maior risco de derrames. O estudo - que teve início em 1948-1989 - acompanhou 2682 homens vivendo na cidade de Kuopio e nas comunidades rurais ao redor, e com idades de 42 a 60 anos.

          Além de não encontrarem um maior risco de derrames com um maior consumo de ovos, os pesquisadores não encontraram associação significativa entre ovos e pressão sanguínea elevada. Aliás, os pesquisadores apontaram duas meta-análises, analisando as populações Chinesa e Sueca, que encontraram um substancial menor risco (-9%) de derrame hemorrágico com um maior consumo de ovos (>1 ovo/dia).

          Um maior risco de derrame não foi encontrado nesse estudo Finlandês nem para as pessoas carregando o alelo do gene para a apolipoproteína E 4 (apoE4), o qual deixa o indivíduo negativamente suscetível à influência do colesterol alimentar (no caso uma relação positiva entre colesterol alimentar e LDL). O fenótipo apoE4 é aliás comum entre os Finlandeses, com cerca de um terço da população na Finlândia possuindo esse alelo.

          Relevante mencionar que outros três estudos dos mesmos autores encontraram que um maior consumo de ovos ou de colesterol alimentar não estava associado com um perfil lipídico menos favorável ou um maior risco de doença coronária arterial, mesmo quando o alelo apoE4 era levado em conta, mas, sim, associado a um menor risco de diabetes e uma melhor performance em testes neuropsicológicos.             

          Mas virando novamente a maré, tivemos um estudo de revisão sistemática publicado no final de 2019 (Ref.35) analisando o financiamento da indústria de ovos - como a Amercan Egg Board - nos estudos explorando a associação entre o consumo de colesterol alimentar e o perfil lipídico do sangue. Nesse estudo, os pesquisadores encontraram que nas décadas de 1950 e 1960, o financiamento da indústria para estudos do tipo era de 0%, aumentando para 60% em estudos publicados no período de 2010-2019. Segundo a análise dos autores, embora a vasta maioria dos estudos reportarem tanto significativo quanto não-significativo aumento no colesterol sanguíneo como resultado do consumo de ovos, os estudos financiados pela indústria tendiam a ser mais favoráveis em reportar efeitos positivos ou neutros do consumo de ovos para a saúde cardiovascular. Os autores também notaram que se o consumo de ovos não tivesse um efeito nas concentrações lipídicas no plasma, resultados entre os estudos nas últimas décadas eram esperados de serem homogêneos, o que passa longe de ser o caso.

   ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS EM 2020

        No começo de 2020, um robusto estudo publicado no periódico The American Journal of Clinical Nutrition (Ref.36), analisando mais de 177 mil indivíduos de 50 países - incluindo quase 12 mil mortes e quase 14 mil eventos de doenças cardiovasculares - a partir de cinco grandes estudos prospectivos, encontrou que um maior consumo de ovos (≥7 ovos/semana comparado com <1 ovo/semana) não estava significativamente associado com efeitos deletérios no perfil lipídico, mortalidade total ou doenças cardiovasculares de maior importância. Esse foi provavelmente o estudo mais inclusivo em termos geográficos - englobando países da América do Sul (Brasil incluído), África, Ásia, América do Norte e Europa. Na conclusão geral, os autores encontraram que um consumo moderado de ovos (1/dia) não está associado com um aumento no risco de mortalidade ou de doenças cardiovasculares de maior importância.

          Um estudo Chinês publicado no periódico Science China Life Sciences (Ref.37) encontrou uma curva em formato de U relacionando o consumo de ovos e o risco para problemas cardiovasculares e morte por todas as causas entre a população em geral na China, com aqueles consumindo de 3 a 6 ovos por semanas possuindo o menor risco associado. Mais especificamente, o consumo de <1 ovo/semana estava associado com um risco 22% mais alto para doenças cardiovasculares e 29% mais alto para morte total; já o consumo de >/= 10 ovos/semana estava associado com um risco 39% e 13% mais alto para doenças cardiovasculares e morte por todas as causas, respectivamente. Os resultados do estudo sugerem que o consumo moderado de ovos deve ser recomendado para a prevenção de doenças cardiovasculares, pelo menos na China.

           Em um estudo de revisão sistemática e meta-análise publicado em julho de 2020 no periódico The American Journal of Medicine (Ref.38), pesquisadores analisaram 23 estudos prospectivos com um acompanhamento médio de 12,28 anos e englobando um total de 1415839 participantes, e visando esclarecer a associação entre consumo de ovos e risco de eventos ligados a doenças cardiovasculares (ex.: derrame). Eles encontraram que um maior consumo de ovos (>1 ovo/dia) não estava associado com o aumento de risco de doença cardiovascular, e, sim, associado com uma significativa redução no risco de doença coronária arterial. Segundo os autores, essa redução específica de risco pode estar associada aos efeitos benéficos de compostos bioativos do ovo (ex.: luteína e zeaxantina) na saúde cardiovascular. 

   ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS EM 2022-2024

          Um estudo de revisão sistemática e meta-análise atualizada, publicada no periódico Circulation (Ref.39), englobando dados de 482316 anos acumulados de acompanhamento dos participantes e 22035 mortes (incluindo 9110 mortes por doença cardiovascular), encontrou uma relação positiva entre consumo de ovos e risco de mortalidade por doença cardiovascular. Na população Norte-Americana, cada aumento de 50 g no consumo diário de ovos estava associado com risco aumentado de 8% no risco de doença cardiovascular; na população Europeia, um aparente maior risco de 5% também foi encontrado. Os pesquisadores concluíram, com base no achado epidemiológico, que o consumo de colesterol alimentar precisa ser restrito para melhorar a saúde a longo prazo e a longevidade. 

          Nesse mesmo caminho, outro estudo investigando uma população Oriental (Sudeste da China) e publicado no periódico BMC Pregnancy and Childbirth (Ref.40) encontrou que o consumo de ovos e de colesterol alimentar estavam associados com um maior risco de diabetes gestacional (distúrbio metabólico). Foram analisadas retrospectivamente 1617 grávidas, e cada ovo adicional consumido diariamente estava associado a um aumento de 32% no risco de diabetes gestacional. Análise adicional também indicou que o consumo de colesterol alimentar estava associado a um aumento no nível plasmático de colesterol, mas que outros caminhos distintos do perfil lipídico no sangue estavam associados ao desenvolvimento de diabetes.

           Também investigando a população Chinesa, um estudo publicado no periódico Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics (Ref.41), analisando 8241 adultos Chineses saudáveis (em 1991) e 2580 desse total (31,3%) que desenvolveram síndrome metabólica até 2009, encontrou que o consumo de >1 ovo/dia e >1/2 ovos fritos/dia estava associado com uma maior prevalência de síndrome metabólica (20% maior risco) comparado com o consumo de ≤1/2 ovos/dia e ≤1/7 ovos fritos/dia.

          Por outro lado, um estudo publicado no periódico The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism (Ref.42), analisando retrospectivamente 728 participantes do estudo clínico EVIDENT II (população Espanhola), encontrou que um maior consumo de ovos não estava associado com prejuízos no perfil lipídico de indivíduos com desordens metabólicas crônicas (obesidade, diabetes tipo 2, dislipidemia, hipertensão, etc.), e estava associado com um melhor perfil lipídico em indivíduos com sem tais condições. Os autores do estudo concluíram que o consumo de ovos pode fazer parte de uma dieta saudável.

          Nesse mesmo caminho favorável ao consumo de ovos, um estudo publicado no periódico eLife (Ref.43), analisando o perfil de metabólitos sanguíneos de 4778 participantes na China (30-79 anos de idade), encontrou evidência de que o consumo moderado de ovos possuía papel protetor contra doenças cardiovasculares. A partir de análise por regressão linear investigando a associação entre o consumo auto-reportado de ovos, 225 marcadores metabólicos e risco para doença cardiovascular, os pesquisadores encontraram que o consumo de ovos estava associado com 24 marcadores, 14 deles associados com doença cardiovascular (todos indicando efeitos de prevenção, incluindo associação inversa para colesterol total).

           Existe uma significativa associação entre nível de colesterol sanguíneo e risco de tromboembolismo venoso. Porém, um estudo prospectivo publicado em 2022 (Ref.56), envolvendo 1852 homens com idades de 42 a 61 anos, não encontrou associação entre consumo de ovos, colesterol alimentar e risco futuro de tromboembolismo venoso, mesmo levando em conta presença ou ausência do alelo e4 do gene apoE (fenótipo apoE4), associado com desregulação de lipídios circulantes e maior risco de aterosclerose e doenças cardiovasculares. Por outro lado, existe evidência mais recente de que suscetibilidade genética modifica a associação entre consumo de ovos e doença coronária arterial (Ref.58).

          Um estudo observacional conduzido no Irã (PERSIAN) e publicado em 2023 (Ref.59), incluindo >4 mil participantes, encontrou uma significativa associação entre consumo de ovos e derrame após ajuste de cofatores diversos, porém nenhuma associação para outras doenças cardiovasculares analisadas (hipertensão, isquemia cardíaca e infarto do miocárdio).

           Um estudo observacional conduzido na China e publicado em 2024 (Ref.60), incluindo quase 4 mil participantes com idade de 40 anos mais, encontrou que o consumo de colesterol total na dieta estava significativamente associado com um maior risco de doenças cardiovasculares, porém o consumo de colesterol a partir de carne de aves, frutos marinhos e ovos estava associado com um menor risco de doenças cardiovasculares.

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   POR QUE TANTA INCONSISTÊNCIA? 

           Por causa dos resultados conflitantes e inconclusivos publicados na literatura acadêmica, o guia saudável de alimentação liberado pelo governo Norte-Americano em 2014 (Ref.15) - planejado para cobrir os anos de 2015 até 2020 - dissociou o consumo de colesterol com o aumento de risco para doenças cardiovasculares, não mais estabelecendo o limite de 300 mg/d. Essa decisão chamou a atenção das agências de saúde ao redor do mundo inteiro, especialmente porque dentro do próprio guia existe a recomendação para que as pessoas consumam a menor quantidade possível de colesterol - uma aparente contradição que provavelmente espelhou a confusa situação do debate científico sobre o colesterol na alimentação humana. Da mesma forma, em 2016, as autoridades de saúde na China removeram restrições sobre o consumo de colesterol alimentar (Ref.41).

          As causas para esses conflitos e resultados de estudos clínicos e observacionais altamente divergentes estão primeiro ligadas à natureza observacional desses estudos, onde muitos cofatores importantes podem estar sendo ignorados (2). Por exemplo, um consumo maior de ovos no mundo Ocidental pode estar positivamente associado a um consumo maior de carnes vermelhas, frituras, alimentos industrializados e outros alimentos mais prejudiciais à saúde, e, nesse sentido, não seria necessariamente o ovo, em si, o culpado. De fato, produtos industrializados são frequentemente ricos em gorduras trans, esta a qual é um fator de risco bem estabelecido para problemas cardiovasculares.  Mesmo com ajustes cada vez mais compreensivos e finos, cofatores de risco podem  ainda estar sendo ignorados. Além disso, esses estudos são tipicamente dependentes de dados oriundos de auto-reporte dos participantes, limitando a acuracidade das análises.


           Em segundo lugar, temos o fato de que as taxas de colesterol sanguíneo não dependem necessariamente do consumo alimentar de colesterol. O colesterol oriundo da alimentação, presente nas fontes animais, está sob diversas formas, podendo ser absorvido pelo nosso intestino em uma eficiência que varia entre 15-29% e 75-80%, dependendo da sua roupagem química. O colesterol esterificado é muito pobremente absorvido, enquanto aquele na forma livre terá uma boa absorção, onde geralmente temos uma absorção de 50-60% desse lipídio pelo intestino por refeição. Independente disso, o corpo possui um sistema de autorregulação para manter níveis normais de colesterol circulante (associado a lipoproteínas). Nesse sentido, o organismo tipicamente diminui a produção de colesterol para compensar a absorção desse lipídio a partir da dieta, podendo também aumentar ou diminuir a produção de bile (suco digestivo produzido pela vesícula biliar, anexada ao fígado, e composto por 0,3% de colesterol, o qual será parcialmente reabsorvido pelo corpo) durante o processo regulatório.



          A absorção de colesterol no sistema digestivo varia para cada indivíduo e compreende colesterol oriundo da alimentação, colesterol biliar (ácidos biliares taurocólico e glicocólico), e, em certa extensão, da descamação epitelial do intestino (Ref.44). O principal receptor responsável pela absorção de colesterol alimentar (NPCL1) está localizado nas células intestinais. O colesterol absorvido no intestino é retornando ao lúmen intestinal através dos transportadores celulares ABCG5 e ABCG8, explicando porque apenas uma porcentagem do colesterol consumido na dieta alcança a circulação sanguínea (Ref.44). Na circulação sistêmica, níveis mais elevados de colesterol (devido ao acréscimo de colesterol exógeno) ativam mecanismos compensatórios responsáveis por manter níveis adequados desse lipídio no sangue. Por exemplo, a enzima da síntese endógena de colesterol (HMG-CoA) possui sua atividade suprimida quando existe colesterol em excesso nas células (Ref.44). 

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> Nos alimentos, colesterol está presente na gordura animal e na forma livre-esterificada. Gordura animal está presente em carnes (incluindo peixes), ovos e laticínios. Cada 100 g de carne geralmente contém de 40 a 120 mg de colesterol. 
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           Isso explica, por exemplo, porque muitos estudos clínicos analisando o impacto do consumo excessivo de colesterol a partir da dieta encontram que a taxa de colesterol circulante em vegetarianos ou veganos não difere significativamente daquela de pessoas em uma dieta onívora e contendo até 8 vezes mais colesterol (3). Também corrobora estudos clínicos cuidadosamente controlados que tendem a reportar variações não significativas nas taxas de colesterol total a partir de um consumo alto de colesterol alimentar, ou, no máximo, uma aumento moderado (Ref.24-25). Assim, a principal hipótese levantada em 1968 de que um maior consumo de colesterol (exógeno) necessariamente aumenta o colesterol total no corpo de maneira diretamente proporcional, com consequente aumento do risco de doenças cardiovasculares, mostra-se essencialmente falha.


        Tecidos extra-hepáticos são capazes de sintetizar colesterol, pegar colesterol do sangue associado ao LDL, mas são amplamente incapazes de metabolizar colesterol. O excesso de colesterol nesses tecidos precisa ser removido via transporte pelas partículas de HDL. O fígado é o intermediário na homeostase do colesterol. Forte redução na absorção intestinal de colesterol irá reduzir a reserva de colesterol hepático, estimular a síntese de colesterol hepático e aumentar a atividade do receptor LDL. Excesso na absorção de colesterol pode resultar no aumento da reserva de colesterol hepático, reduzida síntese de colesterol, aumento na síntese de ácidos biliares e aumento na secreção biliar de colesterol, mas também tende a aumentar a secreção de VLDL (lipoproteína de densidade muito baixa) e aumentar a formação de LDL e de HDL. Nesse sentido, em uma situação ideal, a concentração de colesterol total circulante não aumenta (ou não aumenta fora de uma faixa tolerável).

          Aliás, um estudo clínico de 2018 publicado no periódico Molecular Nutrition & Food Research (Ref.26), analisou 73 adultos saudáveis (20-40 anos de idade) divididos em grupos sob uma dieta onívora, vegetariana ou vegana durante 1 semana. Os resultados mostraram que os vegetarianos consumindo leite mas não ovos absorviam 44% menos colesterol alimentar, sintetizavam 22% mais colesterol, e não expressaram diferenças no colesterol total e LDL em relação a indivíduos sob uma dieta onívora (consumindo ovos, carnes, leites e vegetais) ou sob uma dieta vegetariana com presença de leite e ovos. Já os indivíduos sob uma dieta vegana absorviam 90% menos colesterol alimentar e sintetizavam 35% mais colesterol, e possuíam concentração total de colesterol circulante similar àquela dos vegetarianos e onívoros. A única diferença significativa observada foi que os veganos possuíam 13% menos colesterol-LDL, provavelmente porque estavam ingerindo bem menos gordura saturada do que os outros dois grupos. Isso reforça o rígido controle do corpo para manter um equilíbrio entre absorção, biossíntese e eliminação de colesterol.

          Um estudo clínico randomizado publicado em 2022 no periódico Food Science & Nutrition (Ref.47), acompanhou 70 participantes universitários Chineses saudáveis e jovens (18-24 anos) ao longo de um período de 11 dias de intervenção alimentar. Os participantes foram divididos em três grupos: A, onde não houve consumo de ovos; grupo B, com o consumo de 1 ovo/dia; e grupo C, com o consumo de 2 ovos/dia. Participantes foram proibidos de consumir ovos ou alimentos produzidos com ovos além da quantidade estabelecida pelos pesquisadores. Ao final do período de acompanhamento, análises laboratoriais encontraram um aumento no colesterol total, nos níveis de HDL-C e de LDL-C, e nos níveis de colina com o consumo de ovos. No entanto, não houve diferença nos níveis de triglicerídeos no plasma sanguíneo, razão LDL-C/HDL-C, glicose, enzimas hepáticas, proteína C-reativa, e microalbumina urinária entre os grupos de intervenção.

          De fato, estudos clínicos observacionais e clínicos têm consistentemente mostrado que o colesterol alimentar, apesar de não necessariamente alterar o colesterol total circulante, promove mudanças nos níveis de HDL e de LDL no sangue, mas geralmente no sentido de manter ou reduzir a razão LDL/HDL, ou seja, representando impacto positivo para a saúde cardiovascular nesse parâmetro em específico (Ref.44).

         A homeostase do colesterol é um processo complexo e altamente regulado, e falhas em um ou mais caminhos bioquímicos associados podem tornar o colesterol alimentar particularmente perigoso para algumas pessoas. De fato, existem alguns indivíduos que são hiper-absorvedores de colesterol ou que não são capazes de manter a homeostase do colesterol ao suprimir a síntese endógena desse lipídio. Para esses indivíduos, o consumo de ovos e outras fontes alimentares de colesterol é contraindicada (Ref.48). Por exemplo, indivíduos com polimorfismos genéticos nos genes ABCG5 e ABCG8 possuem elevada capacidade de absorção de colesterol no trato intestinal, levando a aumentos de >2,2 mg/dL na concentração sanguínea de colesterol para cada 100 mg/dia de colesterol alimentar. Variações no microbioma intestinal podem também interferir nas taxas de absorção e de excreção do colesterol ao elevar ou reduzir o metabolismo bacteriano desse lipídio. No geral, na maioria das pessoas, os mecanismos compensatórios atuam de forma eficiente para manter a concentração total de colesterol circulante em uma faixa normal, independentemente do colesterol alimentar - e, nesses indivíduos, um maior consumo de ovos pode até melhorar a capacidade de efluxo do HDL-C (Ref.48).

          Dependendo dos fatores genéticos individuais, mesmo absurdas quantidades de colesterol alimentar podem ser eficientemente compensadas. Um famoso caso pode ser citado nesse sentido, relatado em 1991 no periódico The New England Journal of Medicine  (Ref.11): um homem de 88 anos que comia 25 ovos por dia (em torno de 4500 mg/dia de colesterol) sem exibir níveis de colesterol no plasma sanguíneo elevados, além de manter outros marcadores sanguíneos normais e não possuir problemas cardiovasculares ou metabólicos. Análises clínicas mostraram que o homem conseguia isso diminuindo enormemente a produção endógena de colesterol, reduzindo a absorção de colesterol alimentar e aumentando a síntese de bile. Por outro lado, como já mencionado, outras pessoas podem não possuir um controle eficiente para regular o colesterol sendo absorvido e eliminado, fazendo com que um consumo mesmo moderado de ovos e de outros alimentos de origem animal se torne um problema. A nível populacional, essas diferenças genéticas podem explicar parte da variabilidade de riscos associados ao consumo de colesterol alimentar.  

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> Quando o consumo de colesterol alimentar é em torno de 300 mg/dia, biossíntese de colesterol no corpo humano produz aproximadamente 800-1000 mg/dia. Ref.60

> Embora a maioria das pessoas experienciam mudanças moderadas a nenhuma no nível de colesterol sanguíneo seguindo o consumo de colesterol alimentar, cerca de um terço das pessoas parecem desenvolver uma absorção fracionária aumentada e/ou síntese endógena de colesterol em resposta ao consumo de colesterol alimentar. Ref.60

> Essas respostas variantes ao colesterol alimentar já foram também ligadas a variantes [alelos] ou diferentes níveis de expressão no gene apoE, responsável pela apolipoproteína E (apoE). A apoE é uma das principais proteínas presentes no plasma humano, para onde é exportada após sua síntese no fígado. No plasma, a apoE é o principal componente das lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) e de um grupo de lipoproteínas de alta densidade (HDL), envolvida na redistribuição de triglicerídeos e colesterol em diferentes tecidos. Porém, evidência de suporte para essa hipótese é limitada e conflitante. Ref.58, 60
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          Um estudo clínico randomizado mais recente, conduzido ao longo de 16 semanas e incluindo 26 participantes adultos, jovens e saudáveis (18-35 anos de idade), encontrou que o consumo de ovos com gema (1-3 por dia) melhorou o perfil lipídico e status nutricional dos voluntários em comparação com uma dieta livre de ovos (Ref.57).

          Considerando esse confuso cenário de pessoas mais ou menos vulneráveis ao colesterol alimentar e de estudos clínicos e observacionais conflitantes, alguns especialistas têm sugerido experimentos individuais sob supervisão e acompanhamento de um profissional nutricionista para determinar se uma pessoa deve restringir ou não fontes alimentares ricas em colesterol, particularmente ovos (Ref.49). Por exemplo, manter uma dieta sem ovos por três semanas e, depois, manter uma dieta com ovos por três semanas, realizando exames de sangue no final de cada intervenção e controlando covariáveis relevantes, no sentido de determinar se um aumento específico no colesterol alimentar está levando a um preocupante aumento no colesterol circulante ou a outras alterações deletérias no perfil metabólito sanguíneo.            


   TMAO É UMA PREOCUPAÇÃO?

           Existe talvez outra potencial preocupação com o consumo de ovos associada ao rico conteúdo de colina desse alimento. Apesar da colina ser um nutriente importante para o corpo, esse nutriente é metabolizado pela microbiota intestinal resultando na formação de trimetilamina e esta, ao interagir com a enzima FMO no fígado, se transforma em N-óxido de trimetilamina (TMAO). O acúmulo de TMAO no corpo pode promover acúmulo lipídico, formação de espuma celular e aterosclerose, aumentando o risco de doenças cardiovasculares e mesmo de morte. De fato, a concentração de TMAO no plasma sanguíneo está associado a um maior risco de mortalidade em pacientes com doenças cardiovasculares e ao desenvolvimento de doenças diversas, incluindo cardiovasculares (Ref.50-51). Porém, estudos clínicos são conflitantes relativos ao aumento dos níveis de TMAO seguindo o consumo de ovos. Muitos não encontram elevação significativa mesmo sob consumo de 2-3 ovos por dia (Ref.48-52), já alguns encontram uma significativa elevação (Ref.53). 

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> Trimetilamina é formada a partir do metabolismo de colina/fosfatidilcolina, carnitina, betaína, dimetilglicina e ergotioneína pela microbiota no cólon. TMAO pode ser também absorvido diretamente a partir de certas fontes alimentares, particularmente peixe. Peixes de água marinha contêm tipicamente ~3 g/kg dessa substância. A síntese endógena de TMAO pode variar dramaticamente de pessoa para pessoa, devido a fatores genético, dieta e diferenças na microbiota intestinal, incluindo bactérias pertencendo aos filos Firmicutes e Proteobacteria.
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          A maior parte da colina presente nos ovos está na forma de fosfatidilcolina, a qual é prontamente absorvida  no trato gastrointestinal superior, o que pode deixar menos colina disponível para as bactérias intestinais. No momento, as evidências acumuladas apontam que o consumo de ovos não está associado com níveis plasmáticos de TMAO, mas a possibilidade de associação  positiva não pode ser excluída, provavelmente dependendo da quantidade de ovos consumidos (Ref.53).

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   CONCLUSÃO?
       
          Ainda é inconclusivo se o consumo acima do limite tradicionalmente recomendado de colesterol a partir da alimentação é um fator de risco para problemas cardiovasculares e mortalidade  a nível populacional. Os dados clínicos fortemente indicam que, para a maioria das pessoas, o corpo possui mecanismos específicos para lidar com o excesso de colesterol alimentar, geralmente mantendo concentração adequada e constante de colesterol total circulante. No entanto, o colesterol alimentar pode interferir de forma significativa com as concentrações de HDL e LDL do sangue, mas tipicamente mantendo uma razão LDL/HDL favorável. O que temos hoje com sólido suporte científico é que um maior consumo de gorduras trans e excesso de gordura saturada, fumo, consumo alcoólico, sedentarismo e fatores genéticos específicos são importantes fatores de risco que impactam de forma adversa as taxas de colesterol total, LDL e HDL, entre outros metabólitos sanguíneos.

          De qualquer forma, continua sendo recomendado por várias agências de saúde internacionais que o consumo de colesterol não ultrapasse 300 mg/dia - apesar da falta de um sólido suporte científico para essa recomendação. Nesse sentido, o consumo moderado de ovos inteiros (~7 por semana) - ou mesmo um consumo maior (~12 por semana) caso você possua uma alimentação mais vegetariana - continua fazendo parte de uma dieta saudável, especialmente considerando o alto valor nutricional da gema e da clara. Análise individual junto a um nutricionista pode ajudar a determinar o limite semanal adequado para o consumo de ovos inteiros. Quanto ao consumo apenas da clara - altamente proteica e muito nutritiva -, este pode ser feito sem preocupação, excetuando obviamente indivíduos com alergias específicas.

          Outro importante ponto a ser reforçado é que não é só o ovo uma importante fonte alimentar de colesterol. Carnes em geral e laticínios também o são, e ainda tendem a estar associados com grande quantidade de gorduras saturadas, as quais podem ser os reais vilões por trás dos efeitos adversos atribuídos historicamente ao colesterol alimentar. Prefira carne de peixe ou branca (e sem pele), e leite desnatado.


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Observação: 
Existe também uma associação entre consumo excessivo de colesterol alimentar com esteatohepatite não-alcoólica, esta a qual, por sua vez, está associada com um maior risco de carcinoma hepatocelular, a segunda principal causa de morte por câncer em homens e a sexta em mulheres ao redor do mundo (Ref.32).

Importante: Use este artigo apenas para um esclarecimento geral. Converse com um profissional nutricionista sobre as informações e referências acadêmicas aqui disponibilizadas.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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