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Qual é o caranguejo que constrói domos ou iglus de areia em praias?

18:06:00
Figura 1. Caranguejo-soldado (Dotilla sp.) construindo um iglu.

           Caranguejos do gênero Dotilla - popularmente conhecidos como caranguejos-soldados - são pequenos crustáceos semi-terrestres da família Dotillidae que habitam áreas costeiras tropicais, subtropicais e temperadas em regiões Indo-Pacíficas, cobrindo partes da Ásia, Austrália, Leste da África e Havaí. Nas praias, esses caranguejos se alimentam filtrando e produzindo pequenas pelotas de areia bem características (Fig.3). Mas o comportamento mais notável desses animais é a construção de domos ("iglus") de areia.  

Figura 2. Caranguejo-soldado da espécie Dotilla myctiroides. Carapaça dos adultos do gênero Dotilla varia de 2 a 10 milímetros (mm) e com a maioria das espécies exibindo menos de 1 cm.

 

Figura 3. Caranguejos-soldados raspam uma camada fina de areia e a colocam na cavidade bucal frontal e continuam raspando até produzir uma bola de areia. O material orgânico é filtrado no processo com o uso de cerdas especiais na boca do caranguejo e os grãos molhados de areia são continuamente "cuspidos" levando ao crescimento da bola ou pelota, que fixa anexada à boca, presa por um par especializado de antenas. Essas pelotas, quando atingem um certo tamanho, são eventualmente descartadas e empurradas com uma série de "coices". As inúmeras pelotas de areia formam verdadeiros "obras de arte" nas praias (A). Em (B), um caranguejo-soldado produzindo pelotas de areia. Os caranguejos supostamente produzem essas pelotas para evitar processar a mesma areia duas vezes na busca de alimento. Caranguejos do gênero Scopimera (Dotillidae) também exibem a mesma forma de alimentação.

           Antes da maré subir, esses caranguejos cavam buracos verticais na areia ou constroem iglus visando abrigo temporário ou recorrente. Na maré alta, eles ficam refugiados dentro dessas estruturas. Quando a maré abaixa, os caranguejos emergem na superfície para filtrar detritos orgânicos e plâncton misturados na areia ou para acasalar.


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          A escolha entre as arquiteturas dos refúgios escavados pelo caranguejo-soldado depende do conteúdo de água da areia. Quando a areia está firme, bem drenada e coesiva, o caranguejo cava um buraco vertical com formas diversas, jogando para fora areia na forma de pelotas ao redor da entrada (Fig.4). Por outro lado, se a areia está úmida, semi-fluida e instável, o caranguejo rotaciona na areia abaixo da superfície, formando uma parede circular de pelotas de areia ao redor de si, e então fecha o "telhado" da cavidade com pelotas. Isso dá origem ao iglu (Fig.5). 

 

Figura 4. Diferentes tipos de buracos verticais cavados por caranguejos da espécie Dotilla blanfordi, na praia de Dandi, Índia. Juvenis (<3,45 mm de carapaça) constroem apenas três tipos desses buracos, enquanto adultos (>3,45 mm) constroem todos os tipos. Comprimento e profundidade dos buracos variam entre 4 e 4,5 cm, na média. Quando a areia está instável e muito molhada, os caranguejos evitam construir esse tipo de buraco, devido ao risco de colapso. Ref.5
 
Figura 5. Construção de um iglu ou domo por um caranguejo-soldado. Para a formação do iglu, a areia precisa estar semi-fluída. Diferente dos buracos verticais, o iglu é usado apenas temporariamente pelo caranguejo.

           

          Os buracos cavados por caranguejos terrestres e semi-terrestres protegem esses crustáceos de predadores, temperaturas altas e dessecação. O iglu, em específico, parece ajudar a esconder o caranguejo de predadores com segurança mesmo com "material de construção" instável e evita o distúrbio do substrato arenoso causado pela ação de ondas. Essa vantagem pode permitir que o caranguejo-soldado habite e explore áreas na praia não acessíveis para outros caranguejos, mais próximas do mar.

> Caranguejos-soldados são membros ecologicamente muito importantes nas comunidades intertidais tropicais arenosas e vivem em altas densidades populacionais, com números que alcançam mais de 500 indivíduos por metro quadrado. Apesar de preferirem áreas arenosas, algumas espécies habitam regiões lamacentas de mangues e estuários, ou ambientes mistos (Fig.6).

 

Figura 6. Em (a), macho da espécie Dotilla blanfordi construindo um buraco em uma área intertidal lamacenta, na Praia de Kuda, Índia. Em (b), visão dorsal do espécime. Ref.9

> Poluição de áreas costeiras com partículas de plástico tem emergido como uma importante ameaça aos caranguejos-soldados. Junto com particulados orgânicos de plantas, microalgas, bactérias e pequenos organismos intersticiais diversos, micropartículas plásticas podem ser assimiladas e bioacumuladas no corpo desses crustáceos. Ref.10

> Caranguejos do gênero Scopimera também são reportados de construir iglus. Ref.1


REFERÊNCIAS 

  1. Takeda et al. (1996). “Igloo” construction by the ocypodid crab, Dotilla myctiroides (Milne-Edwards) (Crustacea; Brachyura): the role of an air chamber when burrowing in a saturated sandy substratum. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, Volume 198, Issue 2, Pages 237-247. https://doi.org/10.1016/0022-0981(96)00007-X
  2. Gherardi & Russo (2001). Burrowing activity in the sand-bubbler crab, Dotilla fenestrata (Crustacea, Ocypodidae), inhabiting a mangrove swamp in Kenya. Journal of the Zoological Society of London 253, 211-223. https://doi.org/10.1017/S0952836901000188 
  3. Ramesh et al. (2019). Occurrence of unusual swarm of soldier crab, Dotilla myctiroides (H. Milne Edwards, 1852) in Gulf of Mannar, Southeast Coast of India. Emergent Life Sciences Research, Vol. 5, Issue 1. https://doi.org/10.31783/elsr.2019.516366
  4. Phukaokaew et al. (2021). Determination  of  selected  parameters  regarding  reproductive  biology  of  sand  bubbler  crab  (Dotilla  intermedia  De  Man,  1888)  in  Laem  Son  National Park, Prapas Beach, Thailand. Agriculture and Natural Resources 55, 131-138.
  5. Patel et al. (2022). Burrow Morphology of Brachyuran Crab Dotilla blanfordi Alcock, 1900 from Gulf of Khambhat, Gujarat, India. nternational Journal of Zoological Investigations 8(2):251-261. http://dx.doi.org/10.33745/ijzi.2022.v08i02.032
  6. Murniati et al. (2023). Morphology of the gastric mill teeth in dotillid crabs (Crustacea: Brachyura: Dotillidae) from Indonesia. Journal of Morphology, Volume 284, Issue 7, e21605. https://doi.org/10.1002/jmor.21605
  7. De, Chandreyee. (2024). Ethological interpretation of making the pellet designs by the bubbler crab Dotilla on the modern intertidal beaches: A study from the Bay of Bengal coast, Eastern India. Palaeontologia Electronica, 27(1):a11. https://doi.org/10.26879/1234
  8. Thongroy et al. (2023). Burrow Morphological Characteristics of Soldier Crab  (Dotilla myctiroides) on the Libong Island, Koh Libong Subdistrict, Kantang District, Trang Province, Thailand. Environment and Natureal Resources Journal, Volume 22, Issue 4. https://doi.org/10.32526/ennrj/22/20230316
  9. Patel et al. (2024). On population structure and breeding biology of burrowing crab Dotilla blanfordi Alcock, 1900. PeerJ, 12:e17065. https://doi.org/10.7717/peerj.17065
  10. Zala et al. (2024). Microplastic from beach sediment to tissue: a case study on burrowing crab Dotilla blanfordi. PeerJ, 12:e17738. https://doi.org/10.7717/peerj.17738 
  11. https://pubs.rsc.org/en/content/articlehtml/2021/sm/d1sm00142f
  12. https://ui.adsabs.harvard.edu/abs/2024APS..DFDJ17005M/abstract