Artigos Recentes

Por que bolachas-do-mar possuem o desenho de uma estrela ou flor no esqueleto?

Figura 1. Esqueleto (testa) de uma bolacha-do-mar encontrado em uma praia de Cape Romain, na Carolina do Sul, EUA.

 
          "Bolacha-do-mar" ou "bolacha-da-praia" é um nome popular e genérico para animais equinodermos (1) da ordem Clypeasteroida. O esqueleto rígido desses invertebrados - chamado de 'testa' e constituído de placas de carbonato de cálcio - é coberto por uma pele "espinhosa" associada a inúmeros e minúsculos tentáculos, produzindo uma aparência "aveludada". Com um corpo achatado, o movimento coordenado dos espinhos queratinosos permite movimentação desses animais, tipicamente escavando terrenos arenosos em regiões marinhas diversas ao redor de todo o mundo - desde zonas intertidais até no mar profundo. Apresentam coloração diversa, e cores corporais mais comuns são cinza, roxo escuro, vermelho e carvão.

-----------

(1) Ou seja, são parentes próximos das estrelas-do-mar. Especificamente pertencem à classe Echinoidea, cujos representantes são genericamente chamados de "ouriços-do-mar".

>  Sugestão de leitura: Estrelas-do-mar são apenas cabeças, aponta estudo

-----------

           Os inúmeros tentáculos - ou tubos pedais - ajudam as bolachas-do-mar em tudo, desde alimentação e locomoção até extração de oxigênio molecular do ambiente ao redor. O lado virado para baixo [região ventral] da bolacha-do-mar contém a boca. Esse equinodermo se alimenta de matéria orgânica e organismos marinhos diversos ao longo do caminho, filtrando plâncton e outros pequenos seres vivos (crustáceos, larvas de peixes, algas, etc.) de sedimentos e da água com a ajuda dos espinhos queratinosos. Estruturas similares a dentes na boca processam partículas de areia na boca na busca por alimento. Após ingestão, pode levar quase dois dias para as bolachas-do-mar digerirem totalmente a refeição. Após digestão, "vomita" os resíduos alimentares pela boca.

          Durante reprodução, machos e fêmeas de bolachas-do-mar se agregam e liberam nuvens de espermatozoides e óvulos na água ao mesmo tempo, os quais, então colidem entre si aleatoriamente formando centenas a milhares de embriões. Essa estratégia aumenta as taxas de sobrevivência ao aumentar a chance de fertilização e reduzir o risco de predação. Uma vez formados, os ovos demoram cerca de 3 semanas para se desenvolver e eclodir em larvas - levando mais alguns meses para completar o desenvolvimento (larva → metamorfose → adulto).

Figura 2. Liberação de gametas sexuais pela espécie Clypeaster subdepressus, também encontrada nas regiões costeiras do Brasil. Em (A), papila genital masculina (seta) liberando espermatozoide. Em (B), papila genital feminina (seta) liberando óvulos. Em (C), macho adulto liberando espermatozoides durante um evento espontâneo de spawning. Barras de escala: 1 mm (A,B); 20 mm (C).A liberação de gametas é contínua por vários minutos (máximo de 30 minutos sob água marinha), com um fluxo entre 7 e 120 ovos por segundo na espécie C. subdepressusRef.4

          As bolachas-do-mar vivem, no máximo, entre 8 e 10 anos. Quando morrem naturalmente, o esqueleto é eventualmente deixado para trás em praias, onde embranquece sob exposição solar. Quando observado por pessoas passeando na praia, é comum confundi-lo com uma concha marinha de moluscos. Aliás, quando o esqueleto é exposto, fica mais nítido o padrão de estrela ou de flor de cinco pétalas no centro (Fig.1, 5). Esse notável padrão na testa são os vestígios de cinco fileiras pareadas de poros usadas pelo animal quando vivo para trocas gasosas e de água. 

          Existem 29 gêneros descritos de bolachas-do-mar, e relações filogenéticas desse clado dentro da classe Echinoidea são ainda intensamente debatidas na literatura acadêmica. Um estudo mais recente publicado na Scientific Reports (Ref.2) propôs uma nova superfamília de bolachas-do-mar (Taiwanasteroidea) associada com um evento de diversificação na região marinha de Taiwan. Além de Taiwan, existem três regiões biogeográficas de radiação propostas para explicar os padrões atuais de diversificação das bolachas-do-mar modernas: Austrália, África Ocidental e Mar do Caribe/Mar Mediterrâneo. É estimado que as bolachas-do-mar surgiram ao redor do Paleoceno, entre 65 e 55 milhões de anos atrás.

          Um exemplo de bolacha-do-mar muito comum no Brasil é a espécie Mellita quinquiesperforata (Fig.3-5), presente em todo o litoral brasileiro e sendo facilmente encontrada em praias de fundo arenoso - onde pode formar grandes agregados de indivíduos. São animais essencialmente noturnos. Durante o dia vivem enterrados no sedimento. A noite deslocam-se na superfície do substrato selecionando matéria rica em compostos orgânicos. A boca fica em contato direto com o sedimento.

Figura 3. Espécime de Mellita  quinquiesperforata.


Figura 4. Região ventral [boca] de um espécime de M. quinquiesperforata.


Figura 5. Padrão de flor no esqueleto de um espécime de M. quinquiesperforata.  

REFERÊNCIAS

  1. https://marinesanctuary.org/blog/sea-wonder-sand-dollar/
  2. Lee et al. (2023). Phylogeny, ancestral ranges and reclassification of sand dollars. Scientific Reports 13, 10199. https://doi.org/10.1038/s41598-023-36848-0
  3. http://www.portal.zoo.bio.br/media346
  4. Vellutini & Migotto (2010). Embryonic, Larval, and Juvenile Development of the Sea Biscuit Clypeaster subdepressus (Echinodermata: Clypeasteroida). PLoS ONE 5(3): e9654. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0009654
  5. https://www.fws.gov/media/sand-dollar-driftwood