Por que crianças enfiam o dedo no nariz e comem meleca?

Cutucar as narinas com o dedo (ou outro objeto) - comportamento chamado tecnicamente de rinotilexia (!) - é comum entre humanos, especialmente em crianças e adolescentes, sendo caracterizado como um hábito benigno que visa tipicamente o esvaziamento parcial das passagens nasais de secreções obstrutivas, detritos inalados e organismos potencialmente patogênicos. É comum também observar crianças ingerindo o muco nasal após removê-lo com os dedos, um comportamento chamado de mucofagia. Esses dois comportamentos ("enfiar o dedo no nariz" e mucofagia) são também regulares e ativos em vários outros primatas, indicando uma origem evolucionária comum.

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(!) Não confundir com o termo rinotilexomania, este o qual foi cunhado em 1995 e usado para caracterizar o hábito patológico de cutucar o nariz com o dedo (Ref.1).

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Curiosamente, apesar de estudos apontarem que a maioria dos humanos (Homo sapiens) cutucam o nariz de forma frequente, muitos têm vergonha de admitirem esse comportamento. De fato, esse hábito é considerado repugnante, não-higiênico e nojento nas culturas Ocidentais. Historicamente e culturalmente, secreções diversas do corpo (saliva, muco nasal, vômito, urina, fezes, cascas secas de sangue, etc.) são repudiadas. Charles Darwin inclusive chegou a explorar essa questão, sugerindo que tal repugnância evoluiu para dificultar a disseminação de doenças através do contato entre pessoas de fluídos corporais contaminados.

Em relação à mucofagia, já foi sugerido que tal hábito pode ser estimulado pela textura, sensação de mastigação e gosto salgado do muco ressecado (a composição do muco nasal é 95% de água, 2% de glicoproteína, 1% de outras proteínas, 1% de imunoglobulinas, traços de lactoferrina, lisozima e lipídios), características gustativas favorecidas pelos humanos. Nesse sentido, é também sugerido que a ingestão de muco nasal pode ter um papel importante para o sistema imune ao agir como uma "auto-vacinação", ao expor, de forma mais segura, o organismo a agentes infecciosos diversos.

Um estudo publicado esta semana no periódico Journal of Zoology (Ref.2), explorou a origem e evolução da rinotilexia e do comportamento de mucofagia. Os autores conduziram uma revisão da literatura acadêmica e vídeos na internet (filmagens em zoológicos e da vida selvagem) e confirmaram que outras espécies de primatas além do H. sapiens usam tanto os dedos quanto outros objetos para enfiar no nariz e ingerir o muco removido. O comportamento foi observado em primatas superiores (chimpanzés, gorilas, etc.), macacos do Velho Mundo e macacos do Novo Mundo (no caso, especificamente na subfamília Cebinae, primatas popularmente conhecidos como macacos-pregos). Mas a mais interessante observação desse comportamento - e um dos focos principais do estudo - ocorreu no 'medonho' aie-aie (Daubentonia madagascarienses), como pode ser observado no vídeo abaixo.

Ameaçado de extinção, o aie-aie habita a ilha de Madagascar e é o único representante vivo do gênero Daubentonia. Diferente de outros primatas da subordem Strepsirrhini, o ato de enfiar o dedo no nariz e ingerir o muco removido é frequente no aie-aie, e com uma notável característica: os pesquisadores mostraram que esse estranho primata enfia seu anormalmente longo dedo do meio dentro das narinas, atravessando a cavidade nasal e provavelmente alcançando a faringe! A função desse anômalo comportamento envolvendo a inserção de praticamente todo o terceiro dedo (quase 8 cm de comprimento) até a faringe é desconhecida.

No geral, os pesquisadores encontraram que a rinotilexia e a mucofagia ocorriam principalmente em espécies de primatas com alta habilidade manual, e mais comumente observada entre primatas superiores e macacos do Velho Mundo (grupos com o mais alto grau de variação e de acuracidade em comportamentos manipulativos), onde uso de objetos para cutucar o nariz foi também observado na maior parte das espécies. A exceção mais notável é representada justamente pelo aie-aie, o qual, apesar de possuir refinadas técnicas de alimentação com o uso individualizado dos dedos, não possui alta habilidade manual.

Nesse último ponto, é incerto também se outros mamíferos com dedos finos o suficiente para entrar nas narinas (ex.: Dactylopsila trivirgata, um marsupial da família Petauridae) exibem o comportamento de rinotilexia (seguido ou não de mucofagia).

Como a rinotilexia e a mucofagia tipicamente coocorrem em várias espécies de primatas, incluindo humanos, o comportamento pode ter um significado além de simples limpeza das cavidades nasais e "curiosidade gustativa". Mais estudos são necessários para elucidar a questão.

REFERÊNCIAS

Mesa-Marrero et al. (2021). Rhinotillexomania: A Manifestation of Psychiatric Illness. Acta Otorrinolaringologica (English Edition), Volume 72, Issue 6, Pages 394-398. https://doi.org/10.1016/j.otoeng.2020.07.002
Fabre et al. (2022). A review of nose picking in primates with new evidence of its occurrence in Daubentonia madagascariensis. Journal of Zoology. https://doi.org/10.1111/jzo.13034