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Uso recreativo de Trombeta de Anjo é seguro?

           Conhecida popularmente como "Trombeta de Anjo", "Zabumba", "Saia-branca", "Cartucheira", entre outros, a planta da espécie Brugmansia suaveolens é relativamente bem conhecida no Brasil, bastante tóxica e também associada a usos recreativos como droga psicoativa, em especial por adolescentes. Componente da flora Brasileira e de outras regiões Sul-Americanas, sua utilização, principalmente por meio do chá de suas flores e de suas folhas, tem alto potencial de causar delírios e alterações importantes nos níveis de consciência. 

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           A trombeta de anjo é uma planta da família Solanaceae, e tem sua origem em regiões tropicais da América do Sul, inclusive no Brasil, em florestas de planície, margens de rios e zonas urbanas. Hoje encontra-se amplamente distribuída pelo mundo, em regiões tropicais, subtropicais e temperadas. É uma árvore com 1 a 6 metros de altura, e folhas elípticas com comprimento de 15 a 30 cm e largura de 5 a 12 cm de largura, atingindo um tamanho maior quando cresce na sombra. Suas flores são consideradas muito bonitas, com cheiro adocicado, de aproximadamente 30 cm de comprimento e em formato de trompete; a sua cor pode ser amarela, laranja, creme ou rosa, mas geralmente são brancas.

 

 

           A B. suaveolens já foi utilizada na sedação das vítimas de sacrifícios em certas cerimônias espirituais, além de ser um agente anestésico para uso tópico (atividade antinociceptiva - consistindo na anulação ou redução da percepção e transmissão de estímulos dolorosos - provavelmente devido a ação em receptores benzodiazepínicos). Também expressa significativa atividade nematicida (capacidade de um agente de eliminar nematoides parasitas). Na atualidade é cultivada nos jardins, como também pode ser inalada,  ingerida  como  comida  ou  na  forma  de  chá,  ou  administrada  via  enema.  Em  alguns  lugares,  como  na  Tanzânia,  esta planta  é  adicionada  na  cerveja;  em  outros,  certos  curandeiros  tratam  algumas  doenças  após  desidratarem  as  suas  folhas  e adicionarem  ao  tabaco. Além  disso ,  devido  aos  seus  efeitos  alucinógenos,  seu  baixo  custo  e  fácil demanda, ela também tem sido muito usada para fins recreacionais - assim como outras plantas solanáceas (!).

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            Nesse último ponto, a trombeta de anjo tem sido historicamente consumida para fins anestésicos, eufóricos e alucinógenos. O início dos sintomas é dose-dependente e se manifestam em torno de 15 minutos após o consumo de um copo de infusão de 4 flores em 1 litro de água (Ref.1), sendo caracterizados por alucinações, euforia, confusão, taquicardia, hipertermia, retenção urinária, febre, hipertensão arterial, arritmia, midríase, xerostomia, tontura e delírio. As sementes são a parte mais tóxica dessa espécie, e a toxicidade das flores aumenta com a idade da planta (Ref.2).

            A psicopatologia da ingestão dessa planta é devido particularmente à presença de alcaloides tropânicos, principalmente a hioscina, a escopolamina e a atropina. Tais alcaloides induzem inibição da atividade de receptores muscarínicos no sistema nervoso central e periférico, resultando em toxicidade anticolinérgica e, como consequência, sintomas que podem incluir, além dos já mencionados, visão embaçada, febre, colapso cardiorrespiratório, coma e até mesmo morte. Sim, o consumo irresponsável ou inadequado da trombeta de anjo pode ser letal dependendo da quantidade ingerida de alcaloides - a qual dependerá de vários fatores, como parte da planta consumida, maturação, estação do ano, estado de hidratação, entre outros. É reportado que alucinações visuais frequentemente envolvem "ver insetos" (Ref.4). Em geral, os efeitos psicopatológicos são temporários e dependentes do efeito das toxinas no organismo - mas delírio pode durar por 18 horas e midríase (dilatação não-fisiológica da pupila) por até 29 horas (Ref.5). Plantas muito ricas em alcaloides como escapolamina e atropina podem também induzir estados de psicose aguda, necessitando de assistência médica imediata.


            A intoxicação pela B. suaveolens gera, em específico, a Síndrome Anticolinérgica Aguda, condição que pode necessitar da administração hospitalar de carvão ativado (para minimizar a absorção das toxinas, caso a ingestão tenha sido há menos de 60 minutos) e, em alguns casos mais severos, de antídoto para a síndrome (fisostigmina). Devido ao potencial da planta de causar agitação e perturbação psíquica, o uso de benzodiazepínicos é de relevante aplicação no controle desses sintomas. Aparentemente muito raro, é possível também manifestação da síndrome de Guillain-Barré após consumo das flores (Ref.3). Crianças são mais vulneráveis à toxicidade dessa planta, e vício pode ocorrer em certos indivíduos (Ref.6).

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> Devido ao uso como droga recreativa ou mesmo como medicinal, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) proibiu o uso da B. suaveolens - assim como o gênero Datura (englobando espécies similares à trombeta de anjo) - em produtos industrializados que se enquadram nas categoriais de medicamentos fitoterápicos e produtos tradicionais fitoterápicos ou cosméticos (Ref.7).
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Silva et al. (2021). Consumo de Brugmansia suaveolens (Trombeta de Anjo) e perturbação psíquica. Research, Society and Development, v.10, n.1, e1610111366. http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i1.11366
  2. Petricevich et al. (2020). Chemical Compounds, Pharmacological and Toxicological Activity of Brugmansia suaveolens: A Review.  Plants, 9(9), 1161. https://doi.org/10.3390/plants9091161 
  3.  Pundir et al. (2022). A comprehensive review on angel's trumpet (Brugmansia suaveolens). South African Journal of Botany. https://doi.org/10.1016/j.sajb.2022.02.023 
  4. Doan et al. (2018). Datura and Brugmansia plants related antimuscarinic toxicity: an analysis of poisoning cases reported to the Taiwan poison control center, Clinical Toxicology. https://doi.org/10.1080/15563650.2018.1513527
  5. Jayawickreme et al. (2019). Unknowing ingestion of Brugmansia suaveolens leaves presenting with signs of anticholinergic toxicity: a case report. J Med Case Reports 13, 322. https://doi.org/10.1186/s13256-019-2250-1
  6. Gonçalves et al. (2021). Anticholinergic Plant Misuse and Schizophrenia: Regarding a Case Report. Revista Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, 7(3): 117-119. https://doi.org/10.51338/rppsm.2021.v7.i2.210
  7. Souza et al. (2019). O uso da espécie Brugmansia suaveolens (Solanaceae) como ornamental e na medicina popular. Scientia Naturalis, Scientia Naturalis, v.1, n.1, p.171-180.