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Qual a quantidade de alimento que uma baleia consome diariamente?

          As baleias-verdadeiras (subordem Mysticeti) constituem um grupo de grandes mamíferos marinhos englobando os maiores animais da Terra, incluindo o mais massivo animal que até o momento conhecemos na história do nosso planeta: a baleia-azul (!). As baleias-verdadeiras (ou baleias) influenciam profundamente o ecossistema marinho através do enorme consumo de presas e subsequente reciclagem de nutrientes. No entanto, até recentemente, o exato consumo alimentar desses animais, em termos quantitativos, era incerto e estimado a partir de modelos metabólicos limitados. Um estudo publicado no final de 2021 na Nature (Ref.1) foi o primeiro a quantificar com maior precisão esse consumo, e encontrou um valor 3 vezes maior do que antes estimado. 

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(!) Leitura recomendadaQual é o mais massivo animal do mundo?

          As baleias tipicamente se alimentam sobre densos conjuntos de pequenos peixes ou crustáceos através de filtração da água marinha com suas famosas fileiras de cerdas bucais. Para a maioria dos vertebrados terrestres ou anfíbios, consumo de presas tem sido calculado a partir de observações diretas; no entanto, nos oceanos, as baleias-verdadeiras frequentemente caçam muito abaixo da superfície e não podem ser criadas em cativeiro, tornando medidas diretas das taxas de alimentação impossibilitadas. Por séculos, cientistas vinham tentando medir quantitativamente esse consumo alimentar diário a partir de métodos indiretos diversos, geralmente baseados em modelos metabólicos combinados ou não com a análise do conteúdo estomacal de carcaças.

          No estudo publicado na Nature, os pesquisadores usaram drones, avançados equipamentos de ecolocalização, e dispositivos de rastreamento por GPS para acompanhar 321 baleias durante a alimentação diária. O estudo teve início em 2010 e finalizou a coleta de dados em 2019, englobando sete espécies de baleias-verdadeiras ao longo dos oceanos Atlântico, Pacífico e Sul. Os dados coletados permitiram estimar a quantidade de presas consumidas (megatoneladas/ano; Mt/ano) e ferro reciclado (toneladas/ano) pelas baleias analisadas. 

            Os pesquisadores encontraram que a baleia-azul (Balaenoptera musculus), com comprimento médio de 22,4 metros, provavelmente consome em torno de 16 toneladas por dia de krill, primariamente da espécie Thysanoessa spinifera. A baleia-franca-do-Atlântico-Norte (Eubalaena glacialis), com comprimento de 13-16 metros, foi estimada de consumir 5 toneladas de pequenos integrantes do zooplâncton (por exemplo, copépodes), e a baleia-da-Groenlândia (Balaena mysticetus), com comprimento de 15-19 metros, de consumir 6 toneladas de pequenos zooplânctons. Ao longo de todas as espécies e regiões, a média diária de ingestão de presas foi calculada ser equivalente a 5-30% da massa corporal da baleia, e dependente do tipo de presa. Esses resultados representam valores três vezes maiores do que previamente estimado, e podem ajudar a explicar o 'paradoxo dos krills'.


          Globalmente, a filtração/alimentação pelas maiores baleias-verdadeiras foi reduzida em mais de 90% no último século. Em particular, a filtração anual pelas baleias-azuis no Oceano Sul foi reduzida em 99,6% desde o início da indústria baleeira (de 167 Mt/ano em 1900 para 0,6 Mt/ano em 2000). Os pesquisadores estimaram que antes da pesca excessiva de baleias no século XX no Oceano Sul - associada a um total de 1,5 milhão de baleias mortas -, a quantidade de krills consumida anualmente por esses animais era de ~430 milhões de toneladas. Seria esperado que com a dizimação das baleias, a população de krills aumentaria absurdamente nessa região. Porém, o contrário aconteceu: a população desses pequenos crustáceos foi reduzida em mais 80%. Predadores competidores das baleias (aves marinhas, peixes predadores e outros mamíferos marinhos) também declinaram ou permaneceram sem crescimentos populacionais.



           A enorme massa de presas consumidas pelas baleias e reciclagem associada ao longo da coluna marinha parecem ter efeito de fertilização nos ecossistemas oceânicos muito maior do que antes assumido, intensificando a produção primária ao catalisar a disponibilidade de nutrientes para a base das cadeias alimentares marinhas, em especial ao defecar nas zonas fóticas. No Oceano Sul, populações de minke-Antárticas, cachalotes, francas e azuis no período de pré-indústria baleeira podem ter reciclado entre 7 e 14 mil toneladas de ferro (Fe) por ano para o fitoplâncton dependente desse nutriente; um quarto do ferro liberado pelas baleias pode ter sido incorporado pelo fitoplâncton. Isso por sua vez, pode ter aumentado a produtividade primária em 215 teragramas (Tg) de carbono por ano (1 Tg = 1012 gramas) ao longo do Oceano Sul, equivalente a ~11% da produtividade primária total dessa região oceânica no final do século XX e a mais de 20% em áreas específicas onde as baleias eram mais numerosas (ex.: Mar da Escócia).

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           Essa enorme reciclagem de nutrientes fornecida pelas baleias pode ter profundo impacto em regiões com escassez de macronutrientes, como nitrogênio ou fósforo. A dizimação das populações de baleias pode ter suprimido drasticamente o fluxo de nutrientes de regiões mais profundas dos oceanos para regiões mais superficiais, causando grande dano na teia alimentar oceânica. De fato, vários estudos prévios e subsequentes vêm também realçando o papel crucial das baleias na reciclagem de nutrientes e na saúde dos ecossistemas oceânicos (Ref.3-5).

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REFERÊNCIA

  1.  Savoca et al. (2021). Baleen whale prey consumption based on high-resolution foraging measurements. Nature 599, 85–90. https://doi.org/10.1038/s41586-021-03991-5
  2. http://sio-legacy.ucsd.edu/zooplanktonguide/species/thysanoessa-spinifera
  3. Lavery et al. (2010). Iron defecation by sperm whales stimulates carbon export in the Southern Ocean. Proceedings of the Royal Society B, Volume 277, Issue 1699. https://doi.org/10.1098/rspb.2010.0863 
  4. McMinn et al. (2013). Preliminary investigation into the stimulation of phytoplankton photophysiology and growth by whale faeces. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, Volume 446, Pages 1-9. https://doi.org/10.1016/j.jembe.2013.04.010 
  5. Vaughan, Adam (2022). A substitute for whale poo. New Scientist, Volume 253, Issue 3375, 26, Page 14. https://doi.org/10.1016/S0262-4079(22)00313-X