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O que são as armas termobáricas?


          Desenvolvidas, aperfeiçoadas e amplamente usadas pela Rússia, as armas termobáricas são otimizadas para a geração de calor e efeitos de pressão, enquanto que o desenvolvimento de típicas armas ocidentais focam no melhoramento dos efeitos de fragmentação/penetração. Usadas para uma variedade de propósitos, as armas termobáricas podem vir em uma variedade de tamanhos e formas - incluindo armas para uso de soldados individuais como granadas e lançadores de foguete manuais - e também são frequentemente propagandeadas em eventos militares, disponíveis prontamente, em tese, para qualquer país ou organização terrorista. Nos últimos dias, em meio à invasão da Ucrânia pelas forças militares Russas, a embaixadora Ucraniana dos EUA, Oksana Markarova, acusou a Rússia de usar bombas termobáricas no conflito, suportando reportes anedóticos de lançadores de foguete termobáricos circulando no país invadido.

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   ARMAS TERMOBÁRICAS

           Armas termobáricas - também chamadas de bombas de vácuo ou bombas de aerossol - são classificadas como um subcomponente de uma mais ampla família de sistemas de armas comumente conhecidas como armas volumétricas. As armas volumétricas incluem explosivos termobáricos e aqueles baseados em misturas de combustível e ar. O termo termobárico é uma palavra composta derivada das palavras Gregas "therme" e "baros" que significam "calor" e "pressão", respectivamente, implicando efeitos térmicos e de pressão no alvo. As características dessa categoria de armas são principalmente a criação de uma grande bola de fogo, alta temperatura e uma grande onda de explosão, gerando danos de queimadura de curto alcance e danos de pressão de longo alcance.

          Em geral, um explosivo termobárico (TBX) consiste de uma carga central (chamada de núcleo), a qual é geralmente um explosivo de alta potência, e uma carga externa secundária (formulação rica em combustível). Portanto, a detonação de TBX consiste de uma ação dupla: (i) Primeiro, uma ação anaeróbica (sem oxigênio atmosférico); (ii) então, uma ação atrasada de queima aeróbica da mistura de combustível da carga externa ocorre, a qual dependerá principalmente do consumo de oxigênio do ar ao redor. A detonação inicial serve para pulverizar e dispersar o combustível, aumentando ao máximo a superfície de contato do material combustível e a interação com o oxigênio atmosférico. A nuvem resultante de combustível aerossolizado é então detonada e gera uma forte onda de choque, caracterizada com duração estendida que produz elevada pressão se expandindo em todas as direções.

          Esses mecanismos de ação permitem às armas termobáricas superar importantes limitações de explosões baseadas em fragmentação (ex.: granada) ou munição sólida (ex.: artilharia) para alvos específicos. Por exemplo, lançadores manuais de foguete são efetivos contra veículos blindados, mas possuem apenas limitado sucesso contra prédios, fortificações de campo, postos de metralhadora, sistemas de túneis, entre outras estruturas nessa mesma linha. Os destroços de alta velocidade gerados por explosivos convencionais possuem um estreito raio de dano e viajam em uma linha reta. Por outro lado, as ondas de choque geradas pelas armas termobáricas podem "fazer curvas" e seus efeitos não são baseados em penetração. Contramedidas convencionais, como barreiras (ex.: sacos de areia) e coletes não são efetivos contra os explosivos termobáricos, estes os quais são extremamente efetivos e letais em ambientes fechados (ex.: túneis, prédios, cavernas).

          Apesar da onda de pressão inicial (pico máximo) gerada pela deflagração de um explosivo termobárico ser consideravelmente mais fraca em comparação com explosivos convencionais, como o RDX (uma nitroamina altamente explosiva), a nuvem de combustível gerada pode rapidamente se difundir dentro de túneis, cavernas ou abrigos, produzindo considerável e letal efeito de alto aquecimento e de pressão para habitantes ou munição ali presentes. Isso se soma à grande e prolongada pressão negativa gerada no processo.

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> IMPORTANTE: Uma explosão termobárica consome o oxigênio do ar ambiente (a composição explosiva geralmente não possui seu próprio agente oxidante). Porém, ao contrário do que é bastante disseminado por pessoas leigas, o efeito letal da explosão não é simplesmente devido à falta de oxigênio causada, mas, sim, ao barotrauma dos pulmões emergindo de uma onda negativa de pressão seguindo a fase de pressão positiva da explosão (!). O oxigênio consumido se limita ao ar associado ao combustível aerossolizado.

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          No geral, a principal vantagem desse tipo  de armamento é a sua pronunciada letalidade mesmo quando utilizado sobre áreas fortificadas, trincheiras, cavernas e esconderijos. No ambiente confinado, a pressão  gerada dentro do raio de detonação  é cerca de 29 vezes maior que a pressão atmosférica, a temperatura pode alcançar até  3000°C e a onda de choque se propaga a 3,2 km/s. Por outro lado, a bomba ar-combustível possui a desvantagem em relação aos explosivos convencionais por não poder ser aplicada em locais subaquáticos ou com ar rarefeito, visto que a dispersão do combustível e sua mistura no ar atmosférico fica prejudicada.


           As armas termobáricas contém monopropelente ou explosivo secundário (incluindo geralmente uma nitroamina) em adição a elementos como B, Al, Si, Ti, Zr e C. Apenas metais com alta entalpia de combustão são empregados, com o pó de alumínio (Al) sendo o mais usado, devido à sua alta tendência de detonação no ar e custo muito baixo. Durante a queima do alumínio na nuvem aerossolizada, muito calor e óxido de alumínio (Al2O3) são produzidos. Várias combinações de materiais têm sido desenvolvidas para aumentar o poder destrutivo do combustível, especialmente visando as reações metálicas aeróbicas e incluindo o emprego de nanomateriais. 

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> Enquanto armas termobáricas são relativamente pouco efetivas em campo aberto, possuindo um limitado raio letal de impacto, elas podem ser vantajosas nesse cenário em situações onde civis ou forças aliadas estão nas proximidades das posições inimigas.

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   (!) MECANISMOS DE DANOS AO CORPO 

          O mecanismo primário de danos corporais causados por armas termobáricas são ondas de choque (ou pressão) e calor. Os mecanismos secundários são lançamento de fragmentos devido à interação com as ondas de pressão com estruturas (ex.: pedaços de tijolos, vidros e detritos metálicos) e sufocamento através da geração de gases tóxicos e fumaça. Pessoas localizadas a  poucos  metros  do  ponto  de  explosão  são  desintegradas  e  aquelas a dezenas de metros podem sofrer impactos severos no organismo.

          O nível de dano estrutural e lesões causados pelas ondas de pressão é dependente do pico de pressão, impulso (uma função do tempo e da pressão), a forma geral da curva pressão-tempo, e a força elástica-plástica e periódico natural de oscilação da estrutura ou corpo. No corpo humano, a onda de pressão interage com vários tipos de tecidos (ex.: pele, tecido adiposo, tecido muscular e tecido ósseo) que diferem em densidade, elasticidade e força. Cada tipo de tecido, quando interage com ondas de pressão, é comprimido, esticado, rasgado ou desintegrado de acordo com as suas propriedades materiais. Órgãos internos quem contêm ar (sinos, ouvidos, pulmões e trato gastrointestinal) são particularmente vulneráveis às ondas de pressão. O corpo inteiro podem ser também lançado com as ondas de choque, resultando em fraturas.


          O limite mínimo para lesão da membrana timpânica é muito menor do que aquele dos pulmões e do trato gastrointestinal. Exposição às ondas de pressão podem causar contusão séria a crítica do tecido pulmonar, descrita como lesões parenquimatosas ocorrendo a nível de tecido e resultando em edema intersticial e hemorragia capilar.

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   USO PRÁTICO DAS ARMAS TERMOBÁRICAS

          A Rússia foi o primeiro país a desenvolver armas termobáricas, em específico o foguete RPO-A Schmel, testado com sucesso em 1984 e usado no Afeganistão em 1988. O RPO-A Schmel continha uma suspensão de nitrato de isopropila (IPN) e magnésio (Mg) como combustível. Os Russos também usaram extensivamente essas armas na Chechênia durante o sangrento conflito entre 1994 e 2003. Contra os Chechenos, as armas termobáricas foram usadas para derrotar os snipers e metralhadoras enterradas e para clarear cavernas.

          Os EUA realizaram testes da sua principal bomba termobárica de 11 toneladas equivalente de TNT, a GBU-43/B Massive Ordnance Air Blast, MOAB, popularmente conhecida como Mother of All Bombs (Mãe de Todas as Bombas), desde o início dos anos 2000, utilizando-a com efetividade no ano de 2017, no Afeganistão, por se tratar de ambiente montanhoso e com cadeia de túneis utilizados como esconderijo pelas forças inimigas. Ainda no Afeganistão, os Norte-Americanos também usaram essas armas em 2001 na tentativa de destruir as forças da al-Qaeda se escondendo nas cavernas das montanhas Tora Bora.


           Após a apresentação da MOAB, a Rússia desenvolveu uma 4 vezes mais explosiva, denominada Aviation Thermobaric Bomb of Increased Power (ATBIP), a qual foi apelidada de FOAB, Father of All Bombs (Pai de Todas as Bombas) e testada no ano de 2007. A FOAB produz um efeito equivalente a 44 toneladas de TNT, usa nanotecnologia e representa a mais poderosa bomba não-nuclear conhecida.

          Além da Rússia e dos EUA, é reportado que o Reino Unido também tenha utilizado esse tipo de armamento em combate na Guerra Civil da Síria (2011-atual) - e pelo próprio governo Sírio (regime de Bashar al-Assad), utilizando armas termobáricas Russas - e que a China já tenha desenvolvida sua bomba termobárica para lançamento de aeronaves de asa fixa. Durante uma série de bombardeios em Beirute, Líbano, em agosto de 2006, efetuados por Israel, é reportado o extensivo uso de mísseis termobáricos GBU-28 (Ref.8). 

          No Brasil, existe o projeto militar "Trocano", iniciado em 2004 pela Força Aérea Brasileira e o qual visa o desenvolvimento de um artefato ar-solo de grande efeito de sopro com a tecnologia termobárica (Ref.6). Esse seria um sistema de defesa para segurança de grandes áreas e abertura de espaços de pouso para aeronaves de asa rotativa em locais de mata fechada, além de uso contra construções de alvenaria e concreto.

          Ainda é incerto se essas armas estão sendo efetivamente usadas ou se serão usadas na atual Guerra da Ucrânia. Mas como as forças Russas estão tentando tomar controle de grandes cidades (áreas urbanas com muitas construções e abrigos), o uso dessas armas é tentador e seria altamente efetivo, mas certamente resultaria na morte de inúmeros civis no processo.

          Não existem leis internacionais especificamente banindo o uso de armas termobáricas, mas se um país as usam visando a população civil em áreas com construções civis, escolas ou hospitais, isso pode ser considerado um crime de guerra sob as Convenções de Hague de 1899 e 1907 (Ref.9).  

          Em 1999, durante a guerra da Chechênia, o uso de armas termobáricas pelos Russos foi condenado pelo Human Rights Watch, uma organização internacional não governamental que defende e realiza pesquisas sobre os direitos humanos.


REFERÊNCIAS

  1. Weapons Systems Division, Defence Science and Technology Organisation, Edinburgh, SA. Dr Anna E Wildegger-Gaissmaier, DipIng(TU), PhD, Head Terminal Effects. Aspects of thermobaric weaponry, ADF Health 2003; 4: 3-6.
  2. Cudziło et al. (2020). Performance of Magnesium, Mg‐Al Alloy and Silicon in Thermobaric Explosives – A Comparison to Aluminium. Propellants, Explosives, Pyrotechnics, 45(11), 1691–1697. 
  3. Kolev, Stefan K. (2021). Aluminized Enhanced Blast Explosive Based on Polysiloxane Binder. Volume 47, Issue 2, e202100195.
  4. Xing et al. (2013). Discussions on Thermobaric Explosives (TBXs). Propellants, Explosives, Pyrotechnics, 39(1), 14–17. 
  5. Türker, Lemi (2016). Thermobaric and enhanced blast explosives (TBX and EBX). Defence Technology, Volume 12, Issue 6, Pages 423-445. https://doi.org/10.1016/j.dt.2016.09.002
  6. Coelho & Fernandes (2020). ARMAS TERMOBÁRICAS O Estado da Arte das Cargas Explosivas. Passadiço, Pag. 10-13. http://portaldeperiodicos.marinha.mil.br/index.php/passadico/article/view/2313/2297 
  7. Schmitt et al. (2019). Ballistic and Blast Trauma. Trauma Biomechanics, 247–280. https://doi.org/10.1007/978-3-030-11659-0_11 
  8. Safa, Mhamad (2022). Reverberations and Post-War Trauma: the Sustained Aftermath of Aerial Strikes on Lebanon in 2006. https://doi.org/10.1080/20551940.2021.2021367
  9. https://www.bbc.com/news/business-60571395