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Por que cometas emitem um breve e intenso brilho verde na cabeça?

- Atualizado no dia 4 de fevereiro de 2023 -

          Frequentemente, o Cinturão de Kuiper e a Nuvem de Oort lançam grandes pedaços de pedra feitos de gelo, poeira e rochas na nossa direção: vestígios de 4,6 bilhões de anos da formação do nosso Sistema Solar. Essas "pedras de gelo", conhecidas como cometas, passam por uma colorida metamorfose à medida que atravessam o nosso céu noturno, com a cabeça de vários desses corpos emitindo uma radiante cor verde que fica ainda mais brilhante com a aproximação do Sol (Fig.1). Porém, do nada, essa cor verde desaparece antes de alcançar a cauda do cometa. Esse curioso fenômeno tem intrigado cientistas há quase um século. Um estudo recentemente publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) (Ref.1) finalmente resolveu esse mistério, provando uma hipótese formulada na década de 1930.

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   DICARBONO

           Junto com os gases nitrogênio e o oxigênio (O2 e N2), o dicarbono (C2) é uma molécula diatômica homonuclear. Porém, diferente de outras moléculas simples, a estrutura eletrônica do C2 (distribuição e interação dos elétrons associados à ligação covalente dos dois átomos de carbono, C) desafia modelos orbitais tradicionais. Considerando a teoria da ligação de valência, o C2 exibe uma tripla ligação similar àquela observada no N2, mas com os elétrons mais externos da sua nuvem eletrônica formando uma quarta ligação do tipo Heitler-London. Essa proposta teórica de ligação quádrupla é ainda controversa, mas suportada por cálculos de função de onda para vários elétrons (teoria quântica).

          Ao contrário dos abundantes gases atmosféricos O2 e N2, o C2 existe apenas em ambientes muito rarefeitos ou energéticos devido à sua alta reatividade. É encontrado em estrelas de carbono e no meio interestelar, e é de grande importância nos processos de combustão (presente em chamas). No seu nível tripleto mais baixo, o C2 anuncia sua presença no fogo e em cometas como uma fluorescência azul-esverdeada: as bandas de Swan. Essas bandas foram primeiro reportadas como a origem do brilho verde da cabeça dos cometas em 1868. Mas por que a cauda dos cometas não produz também a coloração esverdeada? E por que o brilho verde desaparece após um relativo breve período de tempo?

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> Cometas são "pedras de gelo" cósmicas constituídas de gases, rochas e gelo que orbitam o Sol. Quando congelados, são do tamanho de pequenas cidades. Quando o cometa se aproxima do Sol, sua estrutura é aquecida, liberando poeira e gases que formam uma grande "cabeça" brilhante maior do que a maioria dos planetas do Sistema Solar. Essa nuvem de gases e poeira forma um rastro (cauda do cometa) que se estende no sentido contrário ao Sol por milhões de quilômetros. Existem provavelmente bilhões de cometas orbitando o Sol no Cinturão de Kuiper e na mais distante Nuvem de Oort. Atualmente são conhecidos 3743 cometas (Ref.2).

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          Na década de 1930, o físico Alemão-Canadense Gerhard Herzberg propôs que o fenômeno de "sumiço do verde" nos cometas era devido a um processo de fotodissociação promovido pela luz solar (radiação ultravioleta, UV, no caso) destruindo o C2 presente no cometa. Aliás, a formação do C2 no cometa é também promovida pela radiação solar interagindo com matéria orgânica cometária: à medida que o Sol começa a aquecer o cometa, a matéria orgânica no núcleo gelado evapora e se move para a cabeça, com a luz solar, então, quebrando as grandes moléculas orgânicas (baseadas em carbono) e formando dicarbono. Empiricamente, os astrônomos colocam uma longevidade de 105 segundos (próximo de 28 horas) para o C2 cometário a uma distância de 1 AU (unidade astronômica), ou seja, toda molécula diatômica produzida na superfície dos cometas dura pouco mais de 1 dia quando o cometa está próximo da Terra (cerca de 150 milhões de quilômetros distante do Sol). Porém, como o C2 é muito instável, têm sido difícil testar a hipótese de fotodissociação em laboratório.

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          No novo estudo, pesquisadores da Universidade de New South Wales, Austrália, conseguiram observar diretamente e provar em laboratório (a partir de experimentos com lasers) o mecanismo de fotodissociação do C2 na superfície cometária. Eles calcularam uma energia de dissociação de ligação (energia mínima necessária para quebrar a molécula de C2 em dois átomos de C) equivalente a 602,804(29) kj/mol, valor variando apenas 0,03 kj/mol relativo àquele predito pela teoria quântica de alta energia. A fotodissociação ocorre no estado de pré-dissociação (Fig.2, v > 12) em altos níveis vibracionais, como predito por Herzberg.

          Os experimentos também mostraram que para quebrar a ligação quádrupla do C2 usando luz solar, a molécula precisa absorver dois fótons (partículas de luz/radiação eletromagnética) e passar por duas transições "proibidas", quebrando duas regras espectroscópicas: conservação de spin e a aproximação Born-Oppenheimer.

          A partir dos dados experimentos, cálculos de química quântica estimaram uma longevidade de 1,6x105 s (~2 dias a uma distância de 1 AU) para o C2 presente na cabeça cometária, valor consistente com as observações astronômicas.

          Somados, os resultados explicam porque a nuvem de gás e poeira ao redor da cabeça cometária emite um notável brilho verde que encolhe à medida que o cometa se aproxima do Sol, e porque a cauda do cometa não emite esse brilho verde. Durante o tempo que leva para o C2 ser criado e excitado pela radiação solar, o cometa atinge um ponto de trajetória muito próximo do Sol que acaba destruindo as moléculas de C2 (excesso de UV) antes dessas migrarem da cabeça até a cauda.


   COMETA C/2022 E3 (ZTF)

           Em março de 2022, astrônomos descobriram o cometa C/2022 E3 (ZTF), no Observatório Palomar, Califórnia. O objeto possui origem da Nuvem de Oort e visita a Terra a cada ~50 mil anos. Na quarta-feira do dia 1 de fevereiro de 2023, o cometa fez novamente sua mais próxima passagem em relação ao nosso planeta, a cerca de 42 milhões de quilômetros de distância (~0,28 unidades astronômicas) (Ref.5). Com um diâmetro de 1 km, a cabeça do C/2022 E3 (ZTF) emite um notável brilho verde associado às bandas de Swan.


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> CURIOSIDADE:  Gerhard Heinrich Friedrich Otto Julius Herzberg (1904-1999) ganhou um Prêmio Nobel de Química na década de 1970 pelas suas contribuições ao conhecimento sobre estrutura eletrônica e geometria de moléculas, particularmente radicais livres (Ref.3). Herzberg focou seus trabalhos na área de espectroscopia atômica e molecular.

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REFERÊNCIAS

  1. Borsovszky et al. (2021). Photodissociation of dicarbon: How nature breaks an unusual multiple bond. PNAS, 118 (52) e2113315118. https://doi.org/10.1073/pnas.2113315118
  2. https://solarsystem.nasa.gov/asteroids-comets-and-meteors/comets/overview/
  3. nserc-crsng.gc.ca/Prizes-Prix/Herzberg-Herzberg/Scientist-Scientifique_eng.asp
  4. https://apod.nasa.gov/apod/ap061004.html (Fig.1)
  5. https://www.gov.br/observatorio/pt-br/assuntos/noticias/cometa-c-2022-e3-ztf-torna-se-visivel-do-brasil-saiba-como-observa-lo