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PlayStation pode causar dermatite?


           Um menino aparentemente saudável de 9 anos foi apresentado ao hospital com lesões dolorosas e que coçavam muito em ambos os dedões das mãos, com o quadro evoluindo nos últimos 5 meses. Ele tinha recebido tratamento com corticoesteroides tópicos de alta potência com melhora parcial. Exame físico mostrou eritema, liquenificação e fissuras sobre as pontas de ambos os dedos (Fig.1). Teste de contato foi realizado, com resultados negativos. Após exaustivo questionamento dos médicos responsáveis, os pais relataram que a criança estava passando várias horas por dia jogando videogames. O menino então admitiu estar "viciado aos jogos de PlayStation".

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           Nesse contexto, um diagnóstico de dermatite por fricção foi feito. A condição é popularmente também conhecida como "Dedão de PlayStation", caracterizada pela presença de hiperqueratose, bolhas e petéquias nas pontas (palma) dos polegares das mãos causadas pela fricção excessiva da pele com os cursores do controle de videogame. No caso do paciente descrito, as lesões tiveram completa resolução seguindo 2 semanas de abstinência forçada do videogame. 

           O relato de caso foi publicado em 2020 no periódico Dermatology Practical & Conceptual (Ref.1).


   DERMATITE POR FRICÇÃO

          Dermatite (ou eczema) engloba diferentes doenças que causam inflamação da pele, sendo caracterizadas principalmente por prurido (coceira) e vermelhidão da pele. Pode ser agudo, subagudo ou crônico. A versão aguda tem lesões que começam com marcas avermelhadas com bolhinhas de água na superfície que, ao se romperem, eliminam um líquido claro, o que caracteriza a fase subaguda do eczema. Já na fase crônica, a secreção começa a secar, levando à formação de crostas. Nessa etapa, se observa também o aumento da espessura da pele. O paciente pode ter eczema agudo, agudo/subagudo, subagudo/crônico ou só crônico.

          Vários são os tipos de dermatite, incluindo atópica, de contato, farmacodermia eczematosa, numular, de estase e disidrose. Um tipo pouco mencionado e explorado na literatura acadêmica é a dermatite por fricção.

           Dermatite por fricção pode ser definida como um processo eczematoso no qual trauma por fricção física sobre a pele primariamente causa ou secundariamente contribui para a manifestação da dermatite. Trauma repetitivo friccional à pele pode produzir dermatite caracterizada por eritema, escamação, vesículas e hiperqueratose (espessamento da parte mais externa da epiderme), e que particularmente envolve as palmas e as pontas dos dedos. Os dedos da mão dominante são os mais frequentemente afetados.

          Em específico, a dermatite friccional hiperqueratótica da mão (FHHD) é uma forma pouco frequente de eczema crônica localizada (Ref.4). Parece ser caudada por uma reação cutânea a atividades mecânicas envolvendo fricção, trauma, vibração e pressão, e geralmente é ocupacional. A desordem pode ser associada com significativo desconforto, incluindo dolorosas fissuras cutâneas, e pode requerer alterações nas atividades de trabalho. 

          Outra forma mais rara de dermatite por fricção é a dermatite friccional liquenoide (FLD), a qual afeta mais comumente as crianças e é tipicamente caracterizada por vermelhidões ou pápulas eritematosas achatadas sobre a superfície extensora dos ombros e dos joelhos, acompanhados por intensa coceira (apesar dos sintomas serem geralmente auto-limitantes) (Ref.5).

           Em meio à pandemia da COVID-19, dermatite por atrito vem sendo cada vez mais reportada associada ao uso de máscaras faciais, especialmente aquelas mais ajustadas ao rosto (N95, PFF2). Um recente estudo publicado no periódico Contact Dermatitis (Ref.6) reportou inclusive um raríssimo caso de extenso vitiligo reversível no rosto de uma mulher de 40 anos de idade como reação secundária (koebnerização) à dermatite por fricção causada por uso de máscara cirúrgica. Porém, é preciso reforçar que dermatite por fricção causado por uso de máscara de proteção continua não sendo algo comum mesmo no contexto pandêmico de uso universal desse acessório.

           Além disso, pequenos traumas friccionais podem aumentar a penetração percutânea de alérgenos e elicitar micro-vesículas, com o desenvolvimento de mudanças eczematosas secundárias. Um exemplo que pode ser citado nesse sentido é a dermatite que afeta bebês por causa da fricção da fralda com a pele, hidratação excessiva, pH variante e constante contato com urina e fezes, resultando em um ambiente altamente irritante (Ref.7).

           O diagnóstico de dermatite, e sua causa, são obtidos pela história que o paciente conta ao médico e pelos exames clínicos e específicos para se determinar a etiologia do quadro. O tratamento é realizado de acordo com o tipo de dermatite, e pode incluir uso de hidratantes e de corticoesteroides tópicos, fototerapia (UVA, UVB, raios de Grenz), prednisona, agentes retinoicos orais, toxina botulínica, agentes imunossupressores sistêmicos, entre outros. No caso da dermatite por fricção, remover o 'agente de fricção' pode ser suficiente para resolver o problema a curto prazo sem outras intervenções terapêuticas.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Piquero-Casals et al. (2020). Playstation Thumb: Frictional Dermatitis Caused by Excessive Video Game Playing. Dermatology practical & conceptual, 10(4), e2020092. https://doi.org/10.5826/dpc.1004a92
  2. https://www.sbd.org.br/dermatologia/pele/doencas-e-problemas/eczema/70/
  3. McMullen & Gawkrodger (2005). Physical friction is under-recognized as an irritant that can cause or contribute to contact dermatitis. British Journal of Dermatology, Volume 154, Issue 1, Pages 154-156. https://doi.org/10.1111/j.1365-2133.2005.06957.x
  4. Walling et al. (2007). Frictional hyperkeratotic hand dermatitis responding to Grenz ray therapy. Contact Dermatitis, 58(1), 49–51. https://doi.org/10.1111/j.1600-0536.2007.01152.x
  5. Tetla et al. (2021). Frictional Lichenoid Dermatitis. Consultant, 61(3):e24-e25. https://doi.org/10.25270/con.2020.10.00010 
  6. Sinha et al. (2021). "Mask vitiligo" secondary to frictional dermatitis from surgical masks. Contact dermatitis, 85(1), 121–123. https://doi.org/10.1111/cod.13813
  7. Pogačar et al. (2017). Diagnosis and management of diaper dermatitis in infants with emphasis on skin microbiota in the diaper area. International Journal of Dermatology, Volume 57, Issue 3, Pages 265-275. https://doi.org/10.1111/ijd.13748