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O que é o melanoma oral?

- Atualizado no dia 23 de agosto de 2023 -

           Um homem de 45 anos de idade, previamente saudável, apresentou-se ao hospital com um histórico de 4 semanas de descoloração na gengiva maxilar, sem manifestação de dor ou outros sintomas. Ele não tinha histórico de lesões pigmentadas na pele. Exame intraoral mostrou áreas da gengiva que estavam pretas (Fig.1). A lesão era uma mácula pigmentada, com 1,5 cm x 4 cm de dimensão máxima, com bordas e cores assimétricas e irregulares. Exame histopatológico revelou um melanoma lentiginoso infiltrado, com diagnóstico subsequente de melanoma gengival. O paciente foi submetido a uma maxilectomia (remoção cirúrgica total ou parcial do osso maxilar) parcial com margem de 2 cm, mas declinou radioterapia e quimioterapia adjuvantes. Nenhum nodo linfático patológico (metástase) foi encontrado. Ao longo de 6 meses de acompanhamento após a cirurgia, não havia sinais de recorrência do tumor.

          O caso foi reportado e descrito no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.1).

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   MELANOMA ORAL

          Melanoma é um tumor altamente agressivo de células produtoras de melanina (pigmento encontrado primariamente na nossa pele, pelos e íris) chamadas de melanócitos, as quais são derivadas de células da crista neural na camada basal do epitélio. Esse tipo de tumor predominantemente ocorre em superfícies cutâneas e raramente nas superfícies do globo ocular e mucosas. Melanoma oral é um câncer altamente raro que responde por apenas 0,5% de todos os cânceres orais e por cerca de <1-8% de todos os outros melanomas (Ref.2-3), e, mais raramente, pode se manifestar também sem a presença de melanina (melanoma oral amelanótico) (Ref.4). 

          O melanoma oral é geralmente assintomático nos estágios iniciais, resultando frequentemente em atraso do diagnóstico. Dor, sangramento e ulceração ocorrem em estágios avançados da doença. Devido à sua baixa taxa de incidência e prognóstico ruim, a exata modalidade de tratamento não é ainda bem estabelecida. Cirurgia é geralmente considerada a única modalidade efetiva de tratamento para esse tipo de câncer, apesar de terapias imunomodulatórias para mutações em lesões melanocíticas estarem sendo usadas mais recentemente de forma promissora (Ref.6). Essas características tornam o melanoma oral muito letal a médio prazo, e a taxa de sobrevivência ao longo de 5 anos é de 6-39%, mesmo após tratamento radical; a taxa de sobrevivência diminui com aumento de atraso do diagnóstico. 

          O melanoma oral possui uma alta tendência de metastar para outros tecidos associados comparado a outros cânceres na cavidade oral. Em contraste com o melanoma cutâneo, a exata patogênese envolvida na ocorrência do melanoma oral é ainda pouco entendida. Acredita-se que essa doença se origina da transformação maligna de células melanocíticas presentes no epitélio da mucosa oral, sendo documentada migração melanócitos tanto da mucosa ectodérmica quanto da mucosa endodérmica (Ref.7). Em comparação ao melanoma cutâneo, o melanoma oral possui distintas etiologia, histopatologia, alterações genéticas e prognósticos; por exemplo, enquanto radiação solar está fortemente associado ao melanoma na pele, o mesmo fator de risco parece não ser importante para o melanoma na cavidade oral. Mutações ligadas a esse câncer têm sido associadas aos genes BRAF, RAS, KIT, e BAP1.


          Os mais comuns locais na cavidade oral para a manifestação e crescimento do melanoma oral são o palato (~34%) e a gengiva (~9) (Fig.3); outros locais incluem o chão da boca, mucosa bucal, lábios e a língua.

Figura 3. Paciente do sexo feminino de 61 anos de idade com melanoma gengival. Análise em uma clínica de oncologia não encontrou envolvimento de nódulos linfáticos ou metástase distante. A paciente foi submetida a uma resseção cirúrgica da lesão e não teve recorrência nos quatro meses seguintes de acompanhamento. Ref.: NEJM

          Evidência acumulada aponta que a frequência do melanoma oral é maior entre Indianos, Africanos, Americanos, Japoneses, e Chineses devido ao nível mais elevado de melanina na mucosa oral dessas populações. Fatores etiológicos significativos ainda não são estabelecidos para essa doença, mas estudos aponta um maior risco de ocorrência ligado ao consumo alcoólico, uso de tabaco, fumo de cigarro e irritação por dente postiço. De fato, uso de tabaco e consumo alcoólico são dois dos mais importantes fatores de risco para cânceres na cavidade oral e orofaríngeos (Ref.7), e é bem conhecido que lesões orais pigmentadas são mais prevalentes entre fumantes (Ref.2). Relatos de casos na literatura acadêmica fortemente sugerem que indivíduos do sexo masculino e com idades entre 50 e 70 anos são os mais acometidos pelo melanoma oral.

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         A maioria dos pacientes são diagnosticados já em estágios avançados, reduzindo de forma robusta as chances de sobrevivência a médio e a longo prazo. Nesse sentido, é essencial que as pessoas procurem atenção médica para qualquer lesão pigmentada suspeita na mucosa oral, especialmente na presença de fatores de risco.


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CURIOSIDADE: Enquanto nos humanos o melanoma oral é raro, entre os cães melanoma é a mais comum forma de tumor oral. Nesses animais, o melanoma oral é altamente agressivo e quimiorresistente. Similaridades a nível genético do melanoma oral entre as duas espécies (ex.: envolvimento do gene KIT) têm sugerido que os cães podem ser usados como modelo de estudo para um melhor entendimento dessa doença em humanos (Ref.8-9).

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Wang & Guo, (2013). Gingival Melanoma. Images in Clinical Medicine, 369;15. https://doi.org/10.1056/NEJMicm1305723
  2. Rodrigues et al. (2021). Primary melanoma of the oral cavity: A multi-institutional retrospective analysis in Brazil. Medicina oral, patologia oral y cirugia bucal, 26(3), e379–e386. https://doi.org/10.4317/medoral.24240
  3. Soares et al. (2021) Oral Amelanotic Melanomas: Clinicopathologic Features of 8 Cases and Review of the Literature. Int J Surg Pathol. 2021 May;29(3):263-272. https://doi.org/10.1177/1066896920946435
  4. Bansal et al. (2021). Oral Amelanotic Melanoma: A Systematic Review of Case Reports and Case Series. Head and Neck Pathol. https://doi.org/10.1007/s12105-021-01366-w
  5. Cardoso et al. (2020). In situ melanoma of oral cavity: Diagnosis and treatment of a rare entity. Oral Oncology, Volume 115, 105116. https://doi.org/10.1016/j.oraloncology.2020.105116
  6. Kim et al. (2020). Primary amelanotic melanoma of the mandibular gingiva. Archives of craniofacial surgery, 21(2), 132–136. https://doi.org/10.7181/acfs.2019.00633
  7. Singh et al. (2019). Prevalence of malignant melanoma in anatomical sites of the oral cavity: A meta-analysis. Journal of oral and maxillofacial pathology : JOMFP, 23(1), 129–135. https://doi.org/10.4103/jomfp.JOMFP_236_18
  8. Tani et al. (2021). A canine case of malignant melanoma carrying a KIT c.1725_1733del mutation treated with toceranib: a case report and in vitro analysis. BMC Veterinary Research, 17, 147. https://doi.org/10.1186/s12917-021-02864-3
  9. Di Palma et al. (2021). Review on Canine Oral Melanoma: An Undervalued Authentic Genetic Model of Human Oral Melanoma? Veterinay Pahology. https://doi.org/10.1177%2F0300985821996658