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Dinâmicas do gelo nos polos contradizem o aquecimento global?




> Esse artigo faz parte de uma discussão mais ampla sobre Mudanças Climáticas, Paleoclimatologia, efeito estufa atmosférico e evidências da ação humana (antropogênica) no atual processo de Aquecimento Global. Para saber mais, acesse: Aquecimento Global: Uma Problemática Verdade.

- Atualizado no dia 28 de dezembro de 2020 -

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          Uma dúvida frequente - e fonte de argumentação falha para os negacionistas climáticos - é o porquê do comportamento distinto entre o gelo marinho no Ártico e o gelo marinho na Antártica. Enquanto o gelo sobre o mar na região Ártica tem afinado e diminuído drasticamente nas últimas décadas, o gelo sobre o mar na região Antártica têm aumentado, e então declinado. Mas por quê isso?

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   ÁRTICO

          A diferença primária entre o Ático e a Antártica é geográfica. Enquanto a região Antártica é composta por uma base continental situada em uma elevada altitude (~2300 acima do nível do mar) e cercada por gelo marinho e o Oceano Sul, o polo Ártico é basicamente gelo sobre água do mar cercado por regiões de terra firme.

          O Oceano Ártico é muito profundo e muito próximo ligado aos sistemas climáticos ao seu redor, tornando-o mais sensitivo às mudanças climáticas do que a Antártica. Por exemplo, calor de rios desembocando no oceano Ártico - especialmente no Ártico Siberiano - são responsáveis por até 10% do total de perda de gelo que ocorreram na região em 1980-2015 (cerca de 120 mil quilômetros quadrados de gelo com 1 metro de espessura) (Ref.5). Isso gera também dois feedbacks positivos que quase dobram o efeito do calor injetado pelos rios: com menos cobertura de gelo, aumenta a transferência de calor das águas marinhas para atmosfera - aquecendo essa última e levando a mais degelo - e diminui a reflectância da radiação solar, fazendo esta aquecer substancialmente mais a região no verão

          Nesse sentido, as temperaturas nessa região estão aumentando mais rápido do que no resto do globo, com um acréscimo acumulado em torno de 3,5°C durante 1880-2012 contra um aumento de 0,85°C no mesmo período para o resto do planeta. Durante os séculos de exploração humana nessa região, o gelo marinho cobria o Oceano Ártico por todo do ano, até décadas recentes. Mas observações via satélite mostram que o gelo marinho hoje no Ártico atingiu sua menor extensão desde 1850. Junto com o gelo marinho, as plataformas de gelo também vêm recuando cada vez mais.

          Durante o derretimento na temporada de verão, os limites do gelo marinho Ártico recuam no sentido ao Polo Norte, somente para re-expandir durante o inverno. Como resultado do contínuo aquecimento global fomentado pelas atividades antropogênicas, a tendência de perda de gelo marinho (de julho a setembro) continua de forma robusta, e a própria perda de gelo leva a feedbacks - especialmente envolvendo ventos marítimos - que aceleram ainda mais a perda de gelo. E a situação só não está pior porque estudos sugerem que a queima de combustíveis fósseis também atuam resfriando a região devido à grande produção de aerossóis (pequenas partículas suspensas na atmosfera), os quais refletem a luz solar.


           Aliás, em um estudo publicado recentemente no periódico Geophysical Research Letters (1), pesquisadores identificaram uma região Ártica a qual eles chamaram de "a Última Área de Gelo", um trecho de 2 mil quilômetros quadrados de oceano ao noroeste da Groenlândia onde o gelo marinho de verão no Ártico pode ainda sobreviver por mais algumas décadas. Esse é o gelo marinho mais antigo e espesso do Oceano Ártico que vai mais especificamente do Arquipélago Ártico Canadense até a costa norte da Groenlândia. No quadro geral, a cobertura de gelo marinho na região Ártica declinou, na média, em mais de 1/3 de 1984 até 2018, e a última área de resistência está afinando duas vezes mais rápido do que no restante do Oceano Ártico. No vídeo abaixo, pode-se ver a série temporal dessa perda através de dados coletados por satélites.


          

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(1) Para saber mais, acesse: Veja o gelo marinho do Ártico afinando e desaparecendo

          Já em um estudo publicado na Nature Communications (Ref.3), pesquisadores encontraram que o gelo marinho do Ártico possui uma chance de 28% de desaparecer completamente ao longo de setembro de cada verão se a temperatura média global aumentar um mínimo de 2°C. Caso as temperaturas subam em 1,5°C, as chances desse fenômeno ainda são significativas (6%).

          Finalmente, no mais recente estudo de alerta, publicado no periódico Nature Climate Change (Ref.4), pesquisadores analisaram os dados do Ártico no último interglacial (~130-116 mil anos atrás), quando as temperaturas de verão em terra nas altas latitudes do hemisfério Norte atingiram um máximo de 4-5°C maior do que as temperaturas na era pré-industrial e o nível global dos mares era provavelmente 6-9 metros acima do visto hoje. Usando um modelo climático otimizado (HadGEM3), foi possível simular com mais acuracidade as variações climáticas no Ártico durante o último interglacial (95% de concordância com as evidências paleoclimáticas) e prever uma completa perda de gelo marinho nessa região durante o verão até o ano de 2035 com o atual ritmo das mudanças climáticas. E essa previsão pode ser conservadora considerando o efeito subestimado do calor injetado pelos rios Árticos (Ref.5).

             É válido apontar também que a liberação de metano associado a hidratos de gás metaestável e a camadas de gelo é responsável por parte do aquecimento acelerado do Ártico. Em específico, fases de abrupto aquecimento observadas desde 1920 parecem estar ligadas a fortes distúrbios mecânicos na região marginal litosférica do Ártico, causados provavelmente por terremotos na zona de subducção Aleutiana, com o estresse tectônico extra fomentando uma maior liberação de metano e consequentemente maior efeito estufa local (Ref.).




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   GELO MARINHO ANTÁRTICO

          O Gelo Marinho Antártico se expande durante o inverno, para então derreter em grande parte no sentido das bordas continentais no verão. Atualmente, a extensão desse gelo está abaixo da média a longo prazo de todas as décadas prévias desde 1979. Previamente, o gelo marinho Antártico tem estado acima dessa média de longo prazo devido a padrões de circulação de vento de grande escala e de longo prazo que leva gelo para longe da Antártica, deixando espaço para mais gelo marinho se formar próximo ao continente.

          Nesse sentido, o gelo marinho Antártico, relativo à média de 1981 a 2010, tem aumentado em cerca de 1% por década, mas as tendências não são consistentes para todas as áreas ou todas as estações. Modelos climáticos de fato preveem uma perda mais lenta do gelo marinho Antártico, mas a complexa dinâmica glacial no Hemisfério Sul sob o processo de aquecimento global é complexa e ainda não foi totalmente elucidada. Aliás, os padrões de vento têm revertido vários anos atrás, resultando em um significativo declínio do gelo marinho cercando a Antártica continental, como pode ser visto nos dois gráficos abaixo.




   GELO MARINHO, GELEIRAS E CLIMA

          É importante não confundir o gelo marinho com as geleiras sobre terra firme nas regiões polares. Além do gelo sobre terra firme contribuir diretamente e robustamente para o aumento no nível do mar - enquanto o gelo marinho contribui de forma tímida quando derretido (2) -, as geleiras na Groenlândia e na Antártica estão declinando drasticamente. A perda de massa glacial teve uma aceleração de 226 gigatoneladas/ano entre 1971 e 2009 para 275 gigatoneladas/ano entre 1993 e 2009. A perda de gelo nas geleiras da Groenlândia aumentaram 6 vezes, de 34 gigatoneladas/ano entre 1992-2001 para 215 gigatoneladas/ano entre 2002 e 2011. A quantidade de gelo perdida anualmente da Antártica aumentou no mínimo seis vezes, de 40 Gt por ano em 1979-1990 para 252 Gt por ano em 2009-2017.
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(2) Para mais informações, acesse: Derretimento do gelo nas regiões polares não aumenta o nível dos mares?

          E não é porque o gelo marinho nas regiões polares não contribui substancialmente com o aumento dos níveis dos mares que ele pode ser ignorado, longe disso. O gelo marinho serve de importante habitat para inúmeras espécies, interfere com a circulação oceânica ao redor do mundo e sua perda ainda traz um preocupante feedback positivo no contexto de aquecimento global. A superfície das camadas de gelo refletem cerca de 50-70% da energia solar incidente, contribuindo para o resfriamento do planeta. À medida que o gelo marinho derrete, a superfície escura do oceano é cada vez mais exposta, essa a qual absorve cerca de 90% da radiação solar incidente. Isso leva a um maior aquecimento do oceano, agravando o aquecimento global.

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IMPORTANTE: Frequentemente o pessoal cita que na Antártica está ocorrendo um resfriamento mesmo com o aumento na quantidade de gases estufas na atmosfera do planeta. Isso é parcialmente verdade, mas não contraria a Teoria do Aquecimento Global Antropogênico. Esse resfriamento anômalo na Antártica têm sido observado desde a década de 1960 e é limitado à região central do continente. A causa para o fenômeno é devido à extremamente baixa umidade relativa do ar na área, o que drasticamente reduz o feedback do vapor de água e faz com que um excesso de radiação do infravermelho longo passe livre pela atmosfera local. A solução desse paradoxo foi reportada em 2018 na Nature. Para mais detalhes, acesse: Cientistas descobrem porque a região central da Antártica resfria mesmo com o aumento de gases estufas
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> Leitura complementar: Estamos em um cenário de emergência climática, alerta a WMO


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1.  https://climate.nasa.gov/blog/2893/nope-earth-isnt-cooling/
  2. https://www.climate.gov/news-features/features/antarctica-colder-arctic-it%E2%80%99s-still-losing-ice
  3. https://www.nature.com/articles/s41467-019-10561-x
  4. https://www.nature.com/articles/s41558-020-0865-2
  5. https://advances.sciencemag.org/content/6/45/eabc4699
  6. https://www.mdpi.com/2076-3263/10/11/428