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RASTRO DO DESCASO AMBIENTAL

         Desde o início do seu mandato, o novo Ministro do Meio Ambiente, o advogado Ricardo Salles, depois de mostrar sinais de descaso com a questão das mudanças climáticas e mostrar não possuir domínio acadêmico mínimo na área ambiental, começou a insistir na questão do Fundo Amazônia - cujos recursos aplicados para a preservação da floresta Amazônica já somam R$3,4 bilhões e são oriundos em quase sua totalidade (99%) da Noruega e da Alemanha -, acusando alta prevalência de irregularidades no repasse de verbas para as ONGs financiadas pelo fundo, sem nem ao menos apresentar provas ou antes discutir a questão com os financiadores estrangeiros (Ref.1). Salles, após essa acusação, propôs formalmente mudanças na administração de gastos do fundo, incluindo a destinação de parte dos recursos para indenizações de proprietários rurais situados em unidades de conservação e maior participação do governo na gestão do fundo. Posteriormente, representantes da Alemanha e da Noruega rejeitaram a proposta de mudanças, reafirmando que a atual gestão do fundo está adequada (Ref.2). Os dois países defenderam a permanência do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDES) no Fundo, afirmaram que nunca foram encontrados indícios de irregularidades nas auditorias feitas nos contratos, e disseram que "governos sozinhos não conseguem reduzir o desmatamento", reforçando a importância da ação conjunta do governo, setores privados, comunidades locais e ONGs para a preservação da Amazônia.

          Além dessa explícita tentativa de enfraquecer a proteção ambiental do bioma Amazônico, Salles, para piorar, é alvo de ação de improbidade administrativa, acusado de manipular mapas de manejo ambiental do rio Tietê, quando ocupou a pasta do Meio Ambiente de São Paulo durante o governo de Geraldo Alckmin. Em outras palavras, um investigado por fraude ambiental e um anti-ambientalista está à frente do Ministério do Meio Ambiente, e provavelmente é apenas mais uma marionete do setor ruralista.

          Salles mostrou também não saber nem quem era Chico Mendes quando questionado sobre o importante seringueiro e ativista ambiental Brasileiro no programa Roda Viva, em fevereiro deste ano, e afirmou ainda que isso era irrelevante (Ref.3). Para piorar, mencionou na entrevista que os ruralistas acusavam Mendes de usar os seringueiros para se beneficiar, mesmo o ativista tendo morrido pobre em sua causa. Aliás, Mendes foi assassinado por fazendeiros devido à sua luta pela defesa da Amazônia.

           Não apenas isso preocupa. O Ministro Ricardo Salles não teceu nenhuma crítica ao texto amplamente propagado do Flávio Bolsonaro, e raramente faz menção a medidas de desenvolvimento sustentável nas áreas florestais brasileiras e a estratégias de reflorestamento. Pelo contrário, frequentemente ataca cientistas que lançam alertas sobre as ameaças que pairam sobre a Amazônia e as crescentes taxas de desmatamento. Tentou refutar também recentemente um documento assinado por sete ex-Ministros do Meio Ambiente sobre a má-gestão ambiental que vem se desenhando no país.

           Os ex-ministros do Meio Ambiente Rubens Ricupero, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc, Izabella Teixeira, José Sarney Filho e Edson Duarte se reuniram este mês na Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, para uma avaliação de emergência da política ambiental brasileira (Ref.4). Em comunicado conjunto, eles alertaram que "a governança socioambiental do Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição".

            Segundo o documento de três páginas assinado pelos ex-ministros, "estamos assistindo a uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente, entre elas, a perda da Agência Nacional de Águas, a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura, a extinção da secretaria de mudanças climáticas e, agora, a ameaça de descriação de áreas protegidas, apequenamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente e de extinção do Instituto Chico Mendes".

           "Estamos diante de um risco real de aumento descontrolado de desmatamento na Amazônia. Os frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no Brasil. A ciência e a própria história política recente do país demonstram cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos nós", continua o documento.

          Essa preocupação com a questão ambiental no novo governo está longe de ser falaciosa, como sugere Ricardo Salles, este o qual também é parte do problema. Podemos citar alguns exemplos que reforçam essa preocupação:

- Durante campanha, Bolsonaro chegou a defender a absurda ideia de fundir o Ministério da Agricultura com o Meio Ambiente. Ainda durante a campanha, chegou a afirmar, sem evidências científicas corroborativas, que Rondônia possuía um excesso de unidades de conservação e terras indígenas. E, recentemente, anunciou que iria fazer uma "limpa" no Ibama e no ICMBio em um evento para empresários do agronegócio (Ref.5).

Mesmo com a enorme quantidade de atividades ilegais na Amazônia promovendo massivos desmatamentos, o presidente Jair Bolsonaro insiste em atacar os agentes de fiscalização do Ibma, acusando-os de serem "xiitas" e citando que boa parte das multas aplicadas pelo órgão são abusivas. Bolsonaro acusa os órgãos ambientais de promoverem uma "indústria da multa" contra produtores rurais e empresários. E em 11 de abril, assinou o decreto 9.760 que burocratiza ainda mais as multas ambientais, instituindo o Núcleo de Conciliação Ambiental, uma espécie de tribunal que terá a palavra final sobre sanções aplicadas por fiscais, desautorizando a atuação independente desses funcionários (Ref.6). Salles também ataca as multas aplicadas pelos órgãos ambientais, dizendo que muitas delas são aplicadas "por caráter ideológico" (?) (Ref.7).

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> Aliás, o Bolsonaro vem com implicância contra o Ibama desde que foi multado por pesca irregular em 2012, em uma estação ecológica de Angra dos Reis, e tentou inclusive passar um projeto de lei como Deputado Federal em 2013 que pretendia desarmar os fiscais ambientais (Ibama e ICMBio), contrariando até mesmo seu discurso pró-armamentista (Ref.8). O caso acabou sendo arquivado pelo STF. Os agentes ambientais precisam andar armados em áreas distantes dos centros urbanos, isoladas e perigosas do interior do país para o combate aos crimes ambientais. O projeto de lei de Bolsonaro, além de inconstitucional, claramente apenas visava retaliar, o que sugere também que o político possui pouco interesse em defender o meio ambiente.
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- No final de abril, o Ministério do Meio Ambiente confirmou que está avaliando a revisão da lista de espécies aquáticas ameaçadas após um pedido do Ministério da Agricultura pelo fim da lista (Ref.9). A Lista Nacional das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção – Peixes e Invertebrados Aquáticos é organizada pelo Ministério do Meio Ambiente com coordenação do ICMBio. Dentre mais de 5 mil espécies analisadas, 475 (9%) foram classificadas como ameaçadas de extinção, sendo 98 peixes marinhos, 311 peixes continentais e 66 invertebrados aquáticos. Essas espécies, portanto, tiveram a pesca proibida. Basicamente, o Ministério da Agricultura justificou o pedido afirmando que a lista não é do interesse da indústria da pesca.

Sob pressão, o Ibama arquivou diversos processos contra plantação irregular de soja em áreas protegidas por lei federal, nos chamados campos de altitude na Mata Atlântica, na região de Lages, Santa Catarina. Um dos autos de infração cancelado equivalia a uma multa de R$1,2 milhão. E os autos foram cancelados sem instrução processual e sem análise técnica (Ref.10), beneficiando diversos produtores de soja na região.

- Em abril, Bolsonaro admitiu, em vídeo divulgado na internet, ter determinado a proibição de queima de veículos usados na exploração ilegal de madeira, procedimento previsto na legislação ambiental (Ref.11). Nesse caso, ele atendeu ao pedido do senador Marcos Rogério (DEM-RO) para desautorizar o trabalho dos fiscais do Ibama em cumprimento dos seus deveres. E o pior: o Ministro Ricardo Salles concordou com a ação e ainda abriu um processo administrativo para investigar os fiscais. O artigo 111 permite a destruição de equipamentos e veículos quando o transporte desses seja inviável (localizações remotas ou de tráfego impossibilitado) ou exponha riscos ao meio ambiente.

- Recentemente, o Ministério da Agricultura liberou, de uma só vez, 31 agrotóxicos. São agora 169 registros autorizados apenas este ano, ou seja, mais de 1 por dia, e todos igualmente tóxicos aos já usados no país (Ref.12). E, entre eles, está o glifosato, um dos defensivos agrícolas que o Brasil mais compra e que a Organização Mundial da Saúde (OMS) acusa como um potencial agente cancerígeno. Aliás, 26% desses agrotóxicos (princípios ativos) já foram banidos pela União Europeia, e 43% são altamente ou extremamente tóxicos segundo especialistas. Produtores de mel na região Amazônica já alegam que os agrotóxicos carregados pelo vento e associados com as avassaladoras plantações  de soja estão exterminando todas as abelhas, ficando quase impossível continuar com o negócio (Ref.13).

- No dia 29 de maio, o Ministro do Meio Ambiente lançou um decreto que provocou alterações profundas no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), aumentando o poder do governo federal e retirando entidades como o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) (Ref.14).

- Agora em junho (11/06), o presidente da Funai, o general do Exército da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas saiu da do cargo devido à extrema pressão dos ruralistas, os quais tentam reduzir ao máximo possível os direitos de terras dos povos indígenas (Ref.15). Franklimberg apontou em especial a influência negativa do ruralista e secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, citando que este "saliva ódio aos indígenas" e que Garcia também queria acabar com o DPT (Departamento de Proteção Territorial da Funai), um setor responsável pela proteção, identificação e demarcação de terras indígenas, entre outras atividades. Franklimberg também criticou o descaso do governo com a Funai - onde a falta de recursos e pessoal dificultava drasticamente a ajuda aos indígenas - e os constantes ataques ao órgão por setores anti-ambientalistas.

- Poucos dias após a saída do presidente da Funai, o presidente Jair Bolsonaro editou uma nova medida provisória (MP) para transferir para o Ministério da Agricultura a responsabilidade da demarcação de terras indígenas, Em janeiro, uma primeira MP que mudava a estrutura ministerial já transferia para a pasta da Agricultura a responsabilidade da demarcação de terras indígenas. A proposta, no entanto, foi alterada no Congresso, que levou esta função de volta para a Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça (Ref.16).

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) detectou um aumento mínimo sugerido pelo DETER de 88% no desmatamento da Amazônia comparando junho de 2019 com junho de 2018 (Ref.17). Enquanto isso, o Ministro Ricardo Salles tenta minimizar os dados apresentados pelo INPE, argumentando sem base científica alguma que o "desmatamento relativo da Amazônia" é zero porque a área desmatada é "pequena" em relação à região Amazônica. O presidente Bolsonaro também continua insistindo que não existe problema ambiental no Brasil, e que aumentar as áreas de proteção ambiental é contra o progresso do país, ignorando críticas pesadas da comunidade científica e de líderes europeus que já disseram que não irão fechar o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia se o Acordo de Paris não for respeitado pelos Brasil.

Após o INPE divulgar dados de que houve um aumento no desmatamento da Amazônia na primeira quinzena de julho de 68% em relação ao mesmo período de 2018, o presidente Jair Bolsonaro acusou a instituição científica de mentirosa com base no achismo, sugerindo que seu diretor devesse ser trocado por "estar manchando a imagem do país" (Ref.18).

- Bolsonaro assinou e encaminhou ao Congresso, pela segunda vez, Medida Provisória para transferir a demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura. Após ser barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente se esquivou com a desculpa que foi "falha dele". Nas suas palavras: "Teve uma falha nossa, eu já adverti a minha assessoria, teve uma falha nossa. A gente não poderia no mesmo ano fazer uma MP de um assunto. Houve falha nossa, é falha é minha né, é minha porque eu assinei". Enfrentou uma dura crítica dos Ministros do STF por causa da insistência inconstitucional. (Ref.19)



REFERÊNCIAS
  1.  https://g1.globo.com/natureza/blog/andre-trigueiro/post/2019/06/11/noruega-e-alemanha-recusam-proposta-de-mudanca-do-governo-para-o-fundo-amazonia.ghtml
  2. https://g1.globo.com/natureza/blog/andre-trigueiro/post/2019/05/17/critica-de-ministro-contraria-parceiros-que-financiam-o-fundo-amazonia.ghtml
  3. https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2019/02/13/roda-viva-chico-mendes-ricardo-salles-irrelevante.htm
  4. https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/05/08/ex-ministros-do-meio-ambiente-se-reunem-para-discutir-politica-ambiental.ghtml
  5. https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2019/04/29/bolsonaro-diz-que-negociou-com-ministro-do-meio-ambiente-uma-limpa-no-ibama-e-no-icmbio.ghtml
  6. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9760.htm
  7. https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2018/12/discussao-sobre-aquecimento-global-e-secundaria-diz-futuro-ministro-do-meio-ambiente.shtml
  8. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/bolsonaro-retaliou-fiscais-do-ibama-apos-ser-multado-por-pesca-irregular.shtml
  9. https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/04/22/ministerio-do-meio-ambiente-avalia-revisao-da-lista-de-especies-aquaticas-ameacadas-apos-pedido-do-ministerio-da-agricultura.ghtml
  10. https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/04/ibama-arquiva-processos-contra-plantacoes-de-soja-em-area-protegida.shtml
  11. https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/04/bolsonaro-desautoriza-operacao-em-andamento-do-ibama-contra-madeira-ilegal-em-ro.shtml
  12. https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/05/22/ministerio-da-agricultura-libera-mais-31-agrotoxicos1.ghtml
  13. https://g1.globo.com/natureza/desafio-natureza/noticia/2019/05/21/areas-da-amazonia-que-deveriam-ter-desmatamento-zero-perdem-6-cidades-de-sp-em-tres-decadas.ghtml
  14. https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/05/29/camara-aprova-texto-base-de-mp-que-altera-o-codigo-florestal.ghtml
  15. https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/06/11/ministerio-anuncia-exoneracao-do-general-franklinberg-de-freitas-da-presidencia-da-funai.ghtml
  16. https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/06/19/bolsonaro-edita-nova-mp-para-manter-demarcacao-de-terras-indigenas-com-ministerio-da-agricultura.ghtml
  17. https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/07/04/inpe-registra-em-junho-aumento-de-88percent-de-desmatamento-na-amazonia.ghtml
  18. https://oglobo.globo.com/sociedade/bolsonaro-questiona-dados-do-proprio-governo-sobre-desmatamento-na-amazonia-23818978     
  19. https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/08/02/falha-minha-diz-bolsonaro-sobre-reeditar-mp-para-mudar-demarcacao-de-terras-indigenas.ghtml