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Regime Militar no Brasil: Revolução ou Golpe?


- Artigo atualizado no dia 20 de abril de 2019 -

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          No decorrer da década de 1950, o Brasil experimentava um período de crescente euforia e esperança de um Estado mais democrático. A inauguração de Brasília acompanhou um aquecimento da economia, industrialização e substancial desenvolvimento, além de uma explosão cultural e de ideias fomentando a busca por justiça social. Porém, o recente fim da Segunda Guerra Mundial também marcou o início da Guerra Fria entre as duas potências que fortemente ascenderam após as duas Grandes Guerras: EUA e União Soviética, ambos carregando ideais contrários de gestão Estatal e econômica, mas possuindo o objetivo comum de influenciarem o maior número possível de nações ao redor do mundo.

          Até o final da década de 1950, o Brasil tinha escapado de ser atingido em significativa extensão pelo embate entre Comunismo e Capitalismo. Isso mudou drasticamente quando Cuba foi tomada pelo governo revolucionário, o qual havia chegado ao poder em 1959, liderado por Fidel Castro e Che Guevara e inspirado nos ideais Comunistas. Nesse momento, os EUA viram que a América Latina não estava imune contra a influência Soviética. As consequências desse cenário começaram a fomentar e amplificar crescentes inquietações de alguns setores na sociedade Brasileira, culminando anos mais tarde na deposição de João Goulart e a subida dos militares ao poder em 1964.

          De um lado, os militares até hoje defendem a tomada de poder em 1964 e os atos subsequentes como parte de uma Revolução Democrática e de uma rígida luta pela democracia a pedido do povo e contra a iminente Revolução Comunista que supostamente estava se ascendendo no país desde o início da década de 1960 no governo de João Gourlart. Do outro lado, o consenso entre os historiadores e acadêmicos é claro: o processo inicial de ascensão dos militares foi um golpe contra a democracia, culminando em uma repressiva e violenta Ditadura que se estendeu pelas duas décadas seguintes.

          Esse debate recentemente foi reacendido em meio ao contexto do conturbado período eleitoral de 2018 e eventual eleição do presidente Jair Bolsonaro no Brasil. Em 2018, outro incidente também marcou esse reinício caloroso de debate, quando o então recém novo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ministro Dias Toffoli, causou grande controvérsia ao afirmar em uma palesta na Faculdade de Direito da USP que a tomada de poder pelos militares em 1964 não foi um golpe ou uma revolução, e, sim, um 'movimento' (Ref.1-2). Segundo Toffoli, tanto os setores de esquerda quanto os setores de direita tentam jogar toda a culpa nas Forças Armadas, concluindo que todos carregam culpa. Ainda segundo o ministro, o erro dos militares foi terem permanecido no poder. O Centro Acadêmico 11 de Agosto, entidade que representa os alunos da Faculdade de Direito da USP, respondeu com repúdio à declaração do ministro, especialmente considerando que ela ocorreu em discurso sobre os 30 anos da Constituição.

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   O DISCURSO MILITAR

          Em 1964, meses após o fatídico 31 de Março, um artigo foi publicado na famosa revista Seleções do Reader´s Digest - versão brasileira da revista Norte-Americana Reader´s Digest, criada em 1922 - o qual exaltava a subida ao poder dos militares. Reeditado em 1978 sob o título "A Nação que se salvou a si mesma. 31 de Março: 1964-1978" e publicado pela Biblioteca do Exército Editora, esse artigo é considerado o marco fundador nos diversos escritos memorialísticos de militares sobre o período do regime militar no Brasil. Aliás, em sua reedição, o Exército fez questão de promover sua distribuição entre a população.

           O objetivo desse artigo era supostamente responder ao questionamento dos críticos na época ao regime militar se o país realmente sofria uma ameça comunista ou se tudo não passou de um exagero dos 'militares golpistas', alarmados com o "perigo vermelho" a serviço dos interesses Norte-Americanos e de seu militarismo. Um trecho importante desse artigo deixa a resposta do autor bem clara:

"A História inspiradora de como um povo se rebelou e impediu os comunistas de tomarem conta de seu país.
Raramente uma grande nação esteve mais perto do desastre e se recuperou do que o Brasil em seu triunfo sobre a subversão vermelha. Os elementos da campanha comunista para a dominação – propaganda, infiltração, terror – estavam em plena ação.
A rendição total parecia iminente... e então o povo disse: Não!...
Nos calendários dos chefes vermelhos do Brasil – assim como nos de Moscou, Havana e Pequim – as etapas para a conquista do poder estavam marcadas com um círculo vermelho: primeiro, o caos; depois, a guerra civil; por fim, domínio
comunista total.
Havia anos que os vermelhos olhavam com água na boca o grande país ... A captura deste fabuloso potencial mudaria desastrosamente o equilíbrio de forças contra o Ocidente. Comparada com o ... [Brasil], a comunização de Cuba era insignificante." (Ref.3)

          No geral, o artigo responsabiliza os intelectuais e demais extremistas de esquerda de semearem a ideia que uma revolução comunista era necessária e iminente no território brasileiro. Nesse sentido, o povo, especialmente a classe média e os empresários, teria pedido a salvação aos militares, estes os quais teriam apenas respondido aos clamores da sociedade. Somando-se a isso, existiria também atrelado - em segundo plano - uma luta contra a corrupção e a incompetência que alegadamente assolavam o governo de Goulart.

          Antes da reedição deste artigo em 1978, diversos outros artigos tinham sido lançados como propaganda pelo regime militar, como o "Ensaio sobre a Doutrina Política da Revolução", do general Carlos de Meira Mattos; "Em torno de uma Sociologia de Processos Revolucionários de Transformação Social: exemplos brasileiros", do sociólogo Gilberto Freyre; "Para a Normalização do Brasil", de Gustavo Corção; "O Processo Revolucionário Brasileiro", do general Octávio Costa (Ref.3). Todos esses artigos vieram em uma defesa apaixonada dos eventos de 1964 e anos subsequentes, reforçando o perigo iminente do comunismo e o apelo da sociedade pela intervenção da ordem militar. Freyre, aliás, reforça que a Revolução de 64 foi esplêndida pelo fato de não ter envolvido a violência vista nas Revoluções Comunistas, fator que teria sido importante para o alcance do 'reajustamento social' durante o período de governo militar.

          Em 1987, dois anos após o fim oficial do regime militar, o general Tasso Villar Aquino, em um dos seus vários discursos de defesa ao 'Movimento de 64', afirmou: "Não foi um ‘golpe’, como procuram impingir à Nação os serviçais de Moscou, atuantes no Brasil desde 1922. Atuação que jamais cessará porque o Brasil é para o imperialismo totalitário soviético, ‘Estado alvo’ da maior importância, pelas características geopolíticas do seu espaço físico, excepcionalmente favoráveis." (Ref.4) Tasso frequentemente também martelava a necessidade de foco no 'terrorismo' da esquerda, citando que guerrilheiros contra o regime militar foram responsáveis por dezenas de mortes no país.

          Já em 1989, os ministros das Forças Armadas do governo Sarney assinaram Nota Oficial celebrando os 25 anos do 'Movimento Revolucionário de 1964', glorificando os avanços na liberdade e democracia alegadamente resultantes: "Vivíamos momentos de intranquilidade, desmoronavam as instituições mais caras e, com elas, a paz social e o desenvolvimento do país. Mobilizavam-se aparatos de propaganda buscando a agitação: o grevismo alastrava-se trazendo implacáveis prejuízos ao crescimento econômico e ao bem-estar da população; era atingida a base institucional das Forças Armadas: a hierarquia e a disciplina." (Ref.5)

          Em 1994, o general Carlos Meira Mattos, apesar de concordar que 1964 foi o ponto de partida de uma transformação profunda e positiva na estrutura econômica, política e social brasileira, admite que erros foram cometidos, mas que estes são compreensíveis e inerentes a todo processo revolucionário: “no seu dinamismo próprio, forçam caminhos e impõem soluções que nem sempre são as da normalidade e das expectativas anteriores... eis o itinerário pelo qual os povos se salvam de suas crises, e lançam as linhas vitoriosas de sua história.” (Ref.3)

          Em 31 de março de 1999, o atualmente famoso e polêmico Olavo de Carvalho, iniciou um movimento de duras críticas àqueles que procuravam criminalizar a 'Revolução de Março' com supostas falsificações históricas e associações descabidas com uma espécie de "nazifascismo tupiniquim". Sua principal manifestação nessa época foi um discurso nomeado de 'Ordem do Dia e Ordem Pública' (Ref.27). Segundo Olavo, essas eram calúnias comuns de grupos de esquerda e do governo FHC de centro-esquerda em um país sem direita. Essas críticas também englobavam a mídia e setores religiosos ditos por Olavo como fantoches do comunismo.

          Em ressonância com Olavo, o general Thermistocles de Castro, na mesma época, também teceu duras críticas ao governo FHC (1995-2003), denunciando que o país estava quebrado, falido e sem crédito, e que a população em sua maioria sentia falta do período militar. Em geral, a partir da virada do século XXI, os membros do Exército, especialmente aqueles que viveram no período de 1964-1985, passam a exaltar o saudosismo e o ressentimento pela memória histórica distorcida que se impôs à sociedade através da mídia, dos acadêmicos e dos materiais escolares 'de esquerda'. Nos últimos anos, essa situação criticada pelos militares começou a se inverter, com a defesa ao período militar influenciando uma parcela cada vez maior da sociedade, principalmente através das crescentes ramificações da internet. Essa tendência também fomentou grupos fortemente contrários ao discurso militar a insistirem no pedido de abertura dos arquivos da ditadura militar a partir de 2009.

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   REVOLUÇÃO OU GOLPE?

          Apesar dos militares apreciarem o termo 'Revolução' para se referirem aos eventos de 1964, o objetivo anunciado desse grupo não foi exatamente plantar e investir em uma nova ideia para a construção de algo novo no país, mas, sim, combater Goulart, combater a corrupção, combater a subversão e, em especial, combater o comunismo.  Foi um movimento mais característico, à primeira vista, de uma contra-revolução.

          A segunda análise importante a ser feita recai no principal argumento de justificativa ao 31 de março. Em outras palavras, o quão real era o perigo imposto pela alegada Revolução Comunista que estaria ganhando forma no governo de Goulart? Bem, de fato, durante o período de 1961 até 1964, houve um fortalecimento das reivindicações operárias e crescente conflito entre as classes, onde os setores dominantes da sociedade e suas elites ideológicas criticavam cada vez mais a assim alegada baderna, anarquia, subversão e comunização do país. Porém, nada indicava uma ilegitimidade nas iniciativas de confronto dos operários, camponeses, estudantes, soldados, entre outros setores de menor poder aquisitivo, por melhores condições de trabalho, justa remuneração e maiores direitos. Essa situação refletia mais uma ampliação da democracia do que um ataque sistemático de lideranças comunistas.

          Mas esse último ponto não entrou na pintura do quadro entregue pelos militares.



   JANGO E O 'COMUNISMO'

          O governo de João Goulart - apelidado desde a infância de 'Jango' - teve início sob conturbadas circunstâncias políticas e já sob forte contragosto dos militares. Em meio a uma crise política, Goulart assume a Presidência da República, após Jânio Quadros ter renunciado em 25 de agosto de 1961.

          Durante seu breve período de governo, Jânio promoveu diversas medidas que desagradaram o Congresso e os grupos conservadores. Primeiro, ele alcançou acordos comerciais e diplomáticos com a China e a URSS, algo mais do que polêmico em um contexto de Guerra Fria, criticando também o imperialismo representado pelos EUA aqui na América Latina. Também implementou medidas que diminuíram drasticamente os benefícios aos grupos mais ricos e poderosos, inclusive grandes jornais. Instalou também sistemas anti-corrupção e de enxugamento da máquina governamental, além de tentar aprovar o projeto de uma reforma agrária (algo que, sozinho, o levou a receber o rótulo de 'comunista').

          Já pressionado pelos Ministros Militares, Jânio acabou renunciando, mas esperava que o povo se revoltasse e exigisse sua volta, algo que não ocorreu em nenhuma extensão devido, em parte, a articulações políticas já prevendo tal cenário de golpe. Nesse sentido, seu vice, Goulart, acabou herdando a Presidência, processo não esperado de ser permitido pelo Congresso. Goulart, apesar de ter sido um adversário político de Jânio (nessa época, o vice era eleito separadamente) já vinha também com uma fama de 'esquerdista' e 'comunista' pelos grupos conservadores da época por ter atuado no Ministério do Trabalho durante o governo democrático de Getúlio Vargas (1951-1954) de forma a praticamente dobrar o salário mínimo do trabalhador e levar adiante o projeto da reforma agrária. Isso piorou quando Jânio o enviou para uma longa viagem diplomática na China. Mas a politicagem do seu cunhado, Leonel Brizola, o ajudou a jogar bem as peças de modo a driblar as figuras de direita do cenário político (Ref.6).




          No entanto, na tentativa de evitar que o poder fosse para as mãos de Goulart, os militares decretaram a instalação do Parlamentarismo, o qual só veio a ser derrubado em janeiro de 1963, quando o presidente reprimido realizou um plebiscito 'Parlamentarismo X Presidencialismo'. Essa vitória ocorreu por causa de estratégias populares bem arquitetadas por Goulart e aliados que tinham como objetivo agradar as centrais sindicais e grupos moderados para o fomento de uma votação positiva - uma das principais ações foi a de aumentar o salário mínimo em 75% dias antes da eleição. Só então Goulart recupera seus poderes presidenciais e, de fato, tem seu governo iniciado.

          As agitações populares crescentes por todo o período inicial da década de 1960 aumentaram sua voz a partir desse ponto de virada, reivindicando com mais ardor as reformas nas políticas públicas. Para atender os desejos de toda a conjuntura da sociedade brasileira - ou pelo menos tentar - Goulart anunciou o ambicioso 'Plano Trienal de desenvolvimento econômico-social: 1963-1965', elaborado em parceria com o Ministério do Planejamento e do Ministério da Fazenda. O objetivo desse plano era combater o surto inflacionário com uma política de desenvolvimento que permitisse ao Brasil retomar as taxas de crescimento testemunhadas na década de 1950. Previa também que essa ação não comprometeria o desenvolvimento, mas, que, para isso, os trabalhadores teriam que aguentar a curto prazo uma perda de poder econômico, colhendo os frutos a médio e a longo prazo.

          As reduções nos gastos públicos e retirada de subsídios ao trigo e ao petróleo impostas pelo Plano Trienal tiveram significativo efeito negativo nos salários da classe operária, levando à insatisfação e ao levante dos sindicatos contra o governo. Isso piorou quando Jango resolveu adquirir, por 188 milhões de dólares, 12 usinas do setor de energia elétrica Norte-Americanas de baixa qualidade claramente empurradas pelos EUA em algum tipo de acordo para a promoção do Plano Trienal, mas acabou desistindo devido às reações negativas (lembrando que Castelo Branco, mais tarde, concretizou a compra). Isso levou ao colapso do plano e manutenção da crise econômica e política.

          Esse cenário faz Goulart liberar os programas de subsídios de importações e realizar renegociações salariais para determinadas categorias, por pressão da base trabalhista ligada ao governo. Contrariando o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Presidente também outorga um aumento de 56,25% para o salário mínimo, além de aprovar o acréscimo salarial do funcionalismo público (em torno de 60%). Isso leva ao aumento substancial do déficit das contas públicas e queda acentuada no PIB, deflagrando a uma recessão econômica. Finalmente, uma reforma ministerial foi efetuada para tentar agradar os setores conservadores e empresarial já muito descontentes com o rumo da economia. Só que essa estratégia acaba levando a uma série de eventos que desembocam na regulamentação da Lei de Remessa de Lucro, a qual limitava drasticamente a remessa de capital das empresas para o estrangeiro. Essa interferência do Estado na economia, mais uma vez, é mal vista como uma tentativa de implementação mais radical do socialismo.

          Vendo que não conseguiria agradar a todos os setores políticos e sociais - entre conservadores, reformistas, nacionalistas, anti-reformistas, simpatizantes socialistas e sindicatos - Goulart resolveu apostar suas últimas fichas nas reformas de base (agrária, bancária, fiscal, eleitoral, etc.) para atender os clamores das classes populares e trabalhadoras. De fato, como o próprio Plano Trienal reconhecia, essas reformas eram essenciais para que o capitalismo industrial Brasileiro alcançasse um novo patamar de desenvolvimento econômico-social. Mas essa decisão só agradou aos setores de esquerda nacionalistas, estes os quais também defendiam que as reformas eram indispensáveis para a ampliação e desenvolvimento da democracia política no país.

          Nesse novo desvio para a esquerda, Goulart também acolheu o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), o qual foi responsável pelas primeiras greves de caráter explicitamente político. As lideranças do CGT eram recebidas no Palácio pelo Presidente e reconhecidas como interlocutores de importantes dirigentes partidários. Muitos na mídia conservadora começaram a descrever o CGT como um 'quarto poder', o qual estaria moldando o governo na direção de uma 'República Sindicalista', um passo para a tão temida Revolução Comunista. No entanto, o CGT, além da sua atuação nas greves, não possuía real poder de influência direta na esfera política. Aliás, na ascensão dos militares em 1964, o CGT não conseguiu oferecer resistência alguma ao processo.

          Já ao reforçar a pressão em cima da aprovação da Reforma Agrária, Goulart fortaleceu a luta das Ligas Camponesas, as quais englobavam pequenos agricultores e não-proprietários que resistiam à expulsão sistemática das terras onde trabalhavam. De 1959 a 1962, essas Ligas tiveram uma acelerada expansão no Nordeste. A mídia descrevia a ação dessas Ligas como subversivas e revolucionárias, e que estavam a um passo de provocarem uma radical e violenta "guerra camponesa" no país. Desde o período Parlamentarista, entidades ruralistas, setores da Igreja católica, partidos liberais conservadores (UDN e setores majoritários do PSD) e a grande imprensa, por exemplo, estavam ocupados fazendo campanha nacional contra a chamada reforma agrária "radical" do governo. Tudo isso, mais uma vez, reforçava o medo em torno do Comunismo, mesmo os representantes das Ligas sendo as reais vítimas, ao serem perseguidos e assassinados a mando de latifundiários. Somando-se a isso, não existia indício ou lógica alguma de que Goulart estava planejando algum tipo de 'abolição' da propriedade privada, como queriam acreditar os grupos reacionários da época. O objetivo era simplesmente a resolução das desigualdades sociais no campo - garantindo o acesso à propriedade a milhões de trabalhadores rurais - e consequente aumento de popularidade do governo.

          Com o apoio principalmente das esquerdas, Goulart inicia uma ofensiva política para a efetivação das reformas de base, prevendo uma série de comícios para mobilizar a população nessa causa ("Comício das Reformas"). O primeiro desses comícios foi realizado no dia 13 de março de 1964, na estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, recebendo a presença de 150 mil pessoas. Ali, ele torna público a necessidade de alterações na Constituição para a efetivação das reformas planejadas, especialmente a agrária.

          Esse foi o ato final que desencadeou uma forte oposição da direita ao governo Jango, gerando desavenças até em grupos de apoio a Goulart, como o PSD (Partido Social Democrático).


   MILITARES TOMAM O PODER

          As ações militares foram engatilhadas pela iniciativa do General Olimpio Mourão Filho, comandante da IV Região Militar, sediada em Juiz de Fora, e em seguida apoiadas pelos opositores do Goulart. O alto comando da Polícia Militar foi muito atuante, e o Exército, sob o comando do General Olimpio Mourão Filho, desencadeou o primeiro deslocamento de tropas destinado a respaldar a deposição do presidente João Goulart e a enfrentar uma possível reação do seu "dispositivo militar" (articulação do presidente visando angariar apoio da Aeronáutica e do Exército quando necessário).

          O plano de Mourão era derrubar Goulart através de um golpe fulminante (Operação Popeye). Para isso, uma tropa pequena e bem treinada saindo de Juiz de Fora tomaria o prédio do Ministério da Guerra. Já de início, um telegrama foi enviado para Washington, EUA, denunciando a suposta ameaça comunista e relembrando o apoio prometido via forças navais Norte-Americanas. Pouco tempo depois, o movimento de levante militar que tinha apenas o apoio de sargentos de Minas Gerais passa a conseguir mais adeptos. Vendo-se desfavorecido politicamente, Goulart parte primeiro para Brasília - algo que praticamente anulou seu dispositivo militar - e depois para o Rio Grande do Sul.

          Temendo os ataques dos militares revoltosos, Goulart juntamente com Assis Brasil parte para São Borja. Então, no dia 4 de abril, devido a precariedade da segurança, o agora ex-presidente parte para o Uruguai

          Goulart foi, finalmente, deposto e Ranieri Mazzili, o presidente da Câmara dos Deputados, assumiu a presidência. Sem esperar muito, Arthur da Costa e Silva, nomeia-se comandante do "exercito nacional" e paralelamente, assume o "comando supremo da revolução", este o qual incluiu também o vice-almirante Augusto Hamann Rodemaker e o Brigadeiro Francisco de Assis Correia de Mello. Esse comando tinha como objetivo a escolha do novo presidente da República. O escolhido foi Castello Branco, e Costa e Silva se torna o Ministro da Guerra. Mas antes da posse do novo presidente, o primeiro Ato Institucional é editado (AI-1), no dia 9 de abril.




          O grupo militar que tomou o poder vinha de uma tradição militar que remonta à participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Na luta contra o avanço Nazista, oficiais do nosso exército - como Humberto de Castelo Branco e Colbery Couto e Silva - criaram um forte vínculo com os oficiais Norte-Americanos. Terminado o conflito na Europa, toda uma geração de militares brasileiros passou a frequentar cursos militares Norte-Americanos, onde ideais de defesa nacional eram incorporados e disseminados. Essa interação educacional deu origem inclusive à Escola Superior de Guerra (ESG), vinculada ao Estado Maior das Forças Armadas e inspirada na National War College (versão dessa escola nos EUA).

          Foi dentro da ESG que se formularam os princípios da Doutrina de Segurança Nacional e alguns dos seus subprodutos, como o Serviço Nacional de Informações (SNI). Essa doutrina também inflamou dentro das Forças Armadas um nível de confiança relativamente elevado de que elas contavam com membros possuidores de uma solução relevante para os problemas brasileiros e que estavam tecnicamente preparados para administrar diretamente o governo. Em meio ao regime militar, essa doutrina transformou-se em lei no ano de 1968, com a publicação do decreto-lei N° 314/68, que tinha como objetivos principais identificar e eliminar os 'inimigos internos', ou seja, os comunistas e todos aqueles que questionavam e criticavam a nova ordem estabelecida.

          Mas essa nova ordem, infelizmente, passou longe de ser um regime democrático, assumindo a forma de uma verdadeira ditadura e onde seus líderes, a exemplos dos ditadores Comunistas que eles tanto repudiavam, não respeitavam as leis ou a ética, pelo contrário, promoviam leis que obedeciam apenas à conveniência. Como já mencionado, em 1964, tivemos a publicação do Ato Institucional N° 1, o qual subverteu a ordem jurídica até então estabelecida:

"O ato institucional que é hoje editado se destina a assegurar ao novo governo a ser instituído os meios indispensáveis à ordem de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar de modo direto e imediato os graves e urgentes problemas de que dependem a restauração da ordem interna e o prestígio internacional de nossa pátria." (Ref.9)

          Com esse ato, os militares ficaram livres para ditar novas regras e remodelar o sistema de segurança do Estado. O AI-1 deu base para a institucionalização da eleição indireta para Presidente da República, e dar poderes ao presidente eleito de ditar uma nova Constituição, fechar o Congresso, decretar estado de sítio, impor investigação sumária aos funcionários públicos contratados ou eleitos, abrir inquéritos e processos para apurar responsabilidades pela prática de crime contra o Estado ou contra a ordem política e social, suspender direitos políticos de cidadãos pelo prazo de dez anos e cassar mandatos legislativos de deputados federais, estaduais ou vereadores.

          Durante a ditadura militar, foram editados 17 atos institucionais, os quais essencialmente representavam leis que os militares não conseguiam - ou não queriam - passar pelo Congresso. Esses atos passavam direto para o Executivo para serem efetivados, entre os quais o AI-5 foi o mais polêmico e violento, sendo publicado em 13 de dezembro de 1968. Basicamente, o AI-5 foi uma revisão do AI-1, onde suspendeu-se o princípio do habeas corpus e tornou aceitável a tortura e a violência física contra os opositores do regime. Qualquer um agora podia ser vítima do governo ditatorial, culpado ou não, opositor ou não, e diversos órgãos de repressão foram criados O aparelho democrático do Estado desabou de vez. Se antes o Judiciário e Legislativo foram mantidos para criar uma fachada mais consistente de 'democracia', agora essas instituições foram completamente suplantadas pelos AIs. E já antes disso, o AI-2 tinha acabado com o pluripartidarismo no Brasil e estabelecido um bipartidarismo: o ARENA (a favor do regime militar) e o MDB (o qual era um fantoche de oposição).


          Porém, o discurso militar durante o período de posse do primeiro general-presidente (Castello Branco) até o último (João Baptista de Oliveira Figueiredo) foi de que o Brasil estava vivendo sob um regime democrático, cujos atos visavam somente proteger a população 'de bem' dos inimigos perversos ligados ao Comunismo ou ignorantes demais para entenderem as ações do Executivo. Mas como pode existir democracia em um regime onde qualquer um pode ser considerado inimigo e culpado sem nem ao mesmo ser julgado? Como pode existir democracia com a institucionalização da censura aleatória? Como a tortura pode ser uma ferramenta válida de justificativa dos meios em uma suposta luta pela democracia?

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   APENAS MILITARES?

          Enquanto que o golpe propriamente dito foi protagonizado exclusivamente pelos militares, a preparação e apoio ao golpe foi, de fato, 'civil-militar'. Apenas a iniciativa militar teria tornado a instalação do regime militar impossível.

          O Governo Jango não conseguiu angariar qualquer apoio das classes dominantes e sofreu crescente pressão dos movimentos populares que exigiam pressa nas reformas de base, especialmente por parte da ala mais reformista do PTB. Essa agitação excessiva tanto da ala de esquerda quanto da ala mais conservadora piorou de forma crescente a crise política. Isso enfraqueceu o poder do governo frente ao avanço dos militares envolvidos no golpe. Mas os militares não forçaram sua entrada em um ambiente de progresso e satisfação democrática, e, sim, foram amplamente auxiliados pela fragmentação política e social. Goulart também tem culpa nessa fragilização política, ao ignorar diversos setores de elite para forçar a aprovação das reformas de base, ou seja, a democracia não estava sendo algo prioritário tanto na agenda da direita quanto na agenda da esquerda nos meses que antecederam o 31 de março.

          Como já explorado, o medo do Comunismo no contexto da época simpatizou com o discurso dos militares, minimizando as reações negativas associadas à derrubada de Goulart e mobilizando não só o empresariado como a classe média em apoio à articulação militar. Para ilustrar isso, podemos recorrer às pesquisas do IBOBE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) no ano de 1964 (Ref.12). Poucos dias antes do golpe, no Estado de São Paulo, cerca de 42% da população considerava o governo Jango como ótimo/bom, 30% como regular e apenas 19% como mau/péssimo. Já em relação às reformas, muitas pesquisas ao longo do Brasil revelavam uma aprovação em torno de 70% quanto à necessidade delas, especialmente porque interessavam muito às classes majoritárias menos favorecidas. Porém, quando a população de São Paulo foi questionada pelo IBOPE com a pergunta "Você considera que o Comunismo está aumentando ou diminuindo?", o resultado mostrou que 54% responderam "aumentando" e 16%, "diminuindo", enquanto 28% não tinham opinião. Entre os 54% que responderam 'aumentando', foi feita a pergunta subsequente "Você considera que o Comunismo representa um perigo?". A resposta positiva ocorreu em 81% dos entrevistados. Após o golpe, o IBOPE perguntou "A qual destas razões o Sr (a) atribui a queda do presidente João Goulart?" e a resposta majoritária (34%) entre as opções foi "Estava levando o Brasil para um regime Comunista". Finalmente, no final de maio de 1964 (governo Castello Branco), para a pergunta "Acha que os critérios que determinaram as cassações tiveram base no fato dos atingidos serem comunistas, subversivos, corruptos ou influíram motivos de perseguição política?", a resposta foi "Comunistas" para 40% dos entrevistados.

          Um movimento notável nesse sentido foi o da 'Marcha da Família com Deus, pela Liberdade', a qual foi organizada e realizada em diversas capitais do país semanas antes e depois do golpe que aconteceu em 31 de março de 1964. Inúmeras famílias de classe média e média alta caminharam pelas ruas, juntamente com a cúpula da Igreja Católica, denunciando a "comunização da sociedade brasileira e exigindo um governo forte" (Ref.13).

          Portanto, enquanto Goulart era, no geral, bem visto pelo povo Brasileiro, o medo do Comunismo pesava bastante no outro lado da balança, ficando fácil para os militares viralizarem e cimentarem a associação entre o desvio para a esquerda do governo Jango com a sinalização de uma iminente Revolução Comunista.

          Seja por descontentamento com as políticas de Goulart seja por medo do Comunismo, os conspiradores contaram com o apoio de organizações como: Agência Central de Inteligência norte-americana (CIA), Instituto de Políticas Econômicas e Sociais (IPES), Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), Ação Democrática Parlamentar (ADP), Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), Liga da Mulher Democrata (LIMDE), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), parte expressiva do empresariado nacional, latifundiários e demais proprietários rurais, segmentos conservadores da Igreja Católica, capital internacional que tinha interesses no Brasil, entre os partidos políticos - principalmente a União Democrática Nacional (UDN) - além de jornais da grande imprensa que tinham uma posição anti-getulista e anti-janguista (entre eles se destacavam O Estado de São Paulo e O Globo).

          Aliás, a interferência Norte-Americana nos assuntos internos da política nacional brasileira via atuação da CIA visou estrategicamente desestabilizar o Governo Jango e dar apoio aos políticos de oposição. Além disso, foi responsável pela organização da Operação Brother Sam, a qual previa o desembarque de Marines Norte-Americanos no Brasil, caso houvesse uma reação do Governo Goulart e dos movimentos populares à sua deposição.

          Recorrendo novamente ao IBOPE, pesquisas de opinião realizadas poucas semanas após o golpe mostraram que boa parte da população aprovava tanto a deposição de Goulart como o estabelecimento do regime militar. Para a pergunta "Na sua opinião, a deposição do presidente Goulart constituiu uma medida benéfica ou prejudicial para o país?", 54% da população de São Paulo respondeu 'benéfica' e apenas 20% respondeu 'maléfica'. Já para a pergunta "Na sua opinião, a situação do Brasil agora tende a melhorar ou a piorar?", 70% dos entrevistados responderam 'melhorar' e apenas 10% responderam 'piorar'.

         Porém, por trás de todo esse apoio inicial, muitos rapidamente se voltaram contra o regime militar quando perceberam seu caráter ditatorial e repressor. Grandes jornais que ajudaram a favorecer a opinião pública em relação ao novo governo passaram a criticar pesadamente os atos institucionais. Grande parte dos apoiadores do golpe acharam que a subida dos militares marcaria um evento breve, priorizando o retorno rápido para o regime democrático e eleições diretas, algo que não ocorreu. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), por exemplo, que primeiro parabenizou o golpe por combater as supostas forças subversivas se desenvolvendo no governo Jango, já nos primeiros meses transcorridos do golpe começou a criticar o autoritarismo e as arbitrariedades cometidas pelos militares, especialmente ao perceber que eles não mais desejavam abandonar o poder e convocar novas eleições (Ref.15). Isso piorou quando advogados começaram a ser perseguidos e terem seus direitos civis suspensos a partir de 1968, com a publicação do AI-5:

"A partir da decretação do AI-5, a OAB, que já vinha se manifestando contra o endurecimento
do regime ditatorial, erigiu-se como porta-voz do restabelecimento da ordem jurídica.
Embora nem sempre atendida, diversas foram as vezes em que a entidade interveio, exigindo
apuração de responsabilidade e denunciando os atentados à dignidade da pessoa humana, tanto
em relação a prisões políticas, de advogados ou não, quanto a atos arbitrários promovidos pela
censura ou outros mecanismos de coerção instituídos."

         - Ordem dos Advogados do Brasil, 1969, em resposta à manutenção do AI-5 com a subida ao poder da Segunda Junta Militar (Ref.15).
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         Aliás, uma pesquisa de opinião realizada pelo IBOPE em São Paulo com a pergunta "Em sua opinião, qual a melhor forma para eleger-se o Presidente da República?" mostrou que cerca de 80% das pessoas escolheram a "Eleição direta" em detrimento da opção "Eleição Indireta" (~11%), mostrando que a sociedade brasileira, em geral, esperava a abertura do regime democrático a curto prazo após o golpe. Já em outra pesquisa de opinião, ainda no estado Paulista, realizada no começo de 1965, 46% dos entrevistados se mostravam insatisfeitos com o governo do 'Presidente' Castelo Branco. E essas pesquisas do IBOPE sendo mencionadas são bem confiáveis, já que eram promovidas pelos próprios militares com o objetivo de monitorarem a opinião pública e planejarem melhor as ações do governo. Aliás, os resultados dessas pesquisas eram mantidos em segredo sendo revelados apenas mais tarde, pós-1985.

          A partir do dia 30 de outubro de 1969, o general Emilio Garratzu Médici assumiu a Presidência da República, dando início ao período que ficou conhecido como "Anos de Chumbo", caracterizado pelo ápice do autoritarismo do governo militar e da intensificação da violência. Nessa época, os protestos contra o regime ditatorial começaram a ficar bem explícitos, levantados energeticamente por grupos como o movimento estudantil, os movimentos sindicais, e as ligas camponesas. Algo que ajudou os militares a esconderem o forte estado de repressão foi o fenômeno conhecido como 'milagre econômico', entre os anos de 1968 e 1973, caracterizado pelos grandiosos projetos públicos e pelo acelerado crescimento econômico. Isso se somou à ação de um marketing eficiente e uma censura forte, gerando um clima de ufanismo em toda a nação e contribuindo substancialmente para o fortalecimento da imagem do presidente, incluindo entre as camadas mais populares. Porém, no caso da bonança econômica, esta acabaria na primeira Crise do Petróleo.




          É válido também mencionar que foram poucos os militares (e os civis) diretamente envolvidos em torturas e assassinatos políticos, concentrados mais nas turmas de captura e interrogatório do sistema Codi-Doi - ou suas equivalentes estaduais (Dops) - e centros de informações dos ministérios militares. Existia uma instabilidade dentro do governo militar devido ao choque entre militares mais de linha dura e militares mais moderados ("Castelistas"). Essa instabilidade também foi um dos fatores para o acentuado enfraquecimento do regime durante o lento processo de abertura política.

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   GUERRILHAS 'TERRORISTAS'

          Hoje é comum aos defensores da ditadura, especialmente representantes do exército, apontarem a ação armada de grupos guerrilheiros que vez ou outra estavam assombrando o Brasil durante o regime militar. Além de questionarem por que os crimes desses grupos não são perseguidos com tanto vigor quanto aqueles dos militares no poder, esses defensores usam esses guerrilheiros como justificativa das ações violentas do governo militar, reforçando a importância do regime na proteção do país contra o levante dos comunistas 'selvagens'.

            O primeiro movimento desse tipo que foi articulado contra a ditadura militar foi liderado pelo ex-coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório. Em março de 1965, uma coluna com 30 homens partiu do Uruguai e invadiu o Estado do Rio Grande do Sul, ganhando o apoio de Leonel Brizola e de outros políticos da região. O objetivo desse movimento armado era desencadear uma revolução e derrubar os militares em poder autoritário. Apesar dessa pequena guerrilha ter participado de algumas poucas ações no Rio Grande do Sul e na Santa Catarina, eles rapidamente foram detidos e presos pelos militares, mais precisamente quanto entravam no Paraná.

          Outras pequenas guerrilhas - para não chamar de minúsculas - foram formuladas ao longo do período ditatorial, como a do Caparaó, articulada pelo Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), o qual pretendia tomar cidades, vias de transporte, linhas de comunicação e atacar pelotões do exército, com o objetivo de chamar a atenção e ganhar o apoio da população contra os abusos do regime militar. Mas todos esses movimentos armados foram irrisórios em dimensão, sendo facilmente extintos pelos militares.

          Antes dos militares aprovarem uma reforma agrária maquiada para tentar acalmar os movimentos de resistência no campo, em 1966 ocorreu o 'maior' movimento armado contra o regime, a guerrilha do Araguaia, organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), no Tocantins. Em 1967, muitos jovens universitários saíram das cidades e da classe média sem nenhuma experiência militar, para abraçar a grave situação econômica-social que devastava as áreas rurais, em especial a expansão violenta do latifúndio, a qual deixava um rastro de sangue por todo o campo. Ali, esses jovens começaram a fazer treinamento militar, cursos de sobrevivência na selva e de primeiros socorros, e a se misturarem com a sociedade rural para melhor entenderem os problemas e cotidiano daquela gente. Mas apesar dos esforços, esses aspirantes a guerrilheiros não conseguiram somar mais de 70-80 pessoas. Tão logo o exército descobriu o movimento, em 1973, um efetivo de 6 mil homens, aviões, helicópteros, paraquedistas e homens bem treinados em combate na selva tomou conta da região, dizimando todos com extrema violência e levando tortura para vários cidadãos da região até 1974, quando o PCdoB desistiu da resistência.

          No meio urbano, o projeto de guerrilha que mais se 'destacou' foi a Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighela, militante e intelectual comunista, e oriunda de uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1967. Marighela acabou separando-se do PCB porque este pregava uma luta pacífica de combate à ditadura militar, e viajou para Havana, Cuba, para participar da assembleia realizada pela Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), a qual promovia um plano de desencadear ações revolucionárias em toda a América Latina. No entanto, Marighela acabou assassinado pouco tempo depois do seu retorno de Cuba pelos militares.



          Como fica claro, todas essas guerrilhas foram pífias e não conseguiam se enraizar no Brasil mesmo quando inexistia a intervenção rápida do Exército. Isso reforça que nunca existiu qualquer organização revolucionária Comunista de significativa importância se desenvolvendo no país ao longo da década de 1950 e no início da década de 1960. Aliás, os militares subiram ao poder sem qualquer resistência ou derramamento de sangue. Os movimentos de esquerda no país eram, no geral, puramente democráticos e pacíficos. Grupos isolados de esquerda mais extremistas não possuíam mínima expressividade ou palpável poder de influência. Por mais que tentem dizer o contrário hoje, em 1964 houve de fato um golpe aplicado pelo alto escalão militar, sem justificativa plausível para tal, independentemente se houve apoio inicial de setores civis. A sociedade brasileira esperava uma volta rápida do Estado democrático, mas ela não ocorreu. E a manutenção do regime militar autoritário, na forma de ditadura, foi a responsável pelo surgimento de minúsculos focos de guerrilha e dissidências mais radicais entre alguns partidos e grupos de esquerda. Essas guerrilhas armadas foram fruto das ações extremamente repressivas dos militares. E, mesmo com esses gatilhos, a sociedade brasileira como um todo permaneceu inerte, agarrada aos meios pacíficos. Isso contradiz, e muito, o discurso claramente manipulador dos militares associados ao período ditatorial.

          E, enquanto o governo militar tinha sólidas justificativas contra os guerrilheiros para um maior uso de violência, o mesmo não acontecia para as ações abusivas contra as grandes mobilizações de massas que queriam o fim do Estado não-democrático. Eles diziam, com razoável razão e descontando alguns notáveis exageros e desinformações, que os guerrilheiros eram 'terroristas', que queriam implantar um regime comunista no país, que eram contra a liberdade, as leis, a família e a propriedade. Mas e quanto às manifestações pacíficas, reais protagonistas da resistência? Os movimentos estudantis marcaram em enorme grau tais movimentos, e eram alvos de profunda repressão e violência por parte dos militares. Esses movimentos, também encabeçados por diversos intelectuais, lutavam contra o fim da tortura, da censura e contra as prisões arbitrárias.

           E vamos nos lembrar - porque os defensores da ditadura querem que a população se esqueça - do Atentado ao Riocentro, onde integrantes mais extremistas do exército brasileiro - a espelho dos mais extremistas dos movimentos de esquerda, vulgo 'guerrilheiros terroristas' - tentaram um ataque terrorista com a explosão de duas bombas no Centro de Convenções do Riocentro na noite de 30 de abril de 1981. O objetivo era boicotar a abertura política - transição para a democracia durante o governo Geisel (1974-1979) -, a qual irritava setores mais conservadores da junta militar. Porém, uma das bombas explodiu no carro de dois militares que a levavam - matando um deles - e a outra detonou no lugar errado. Para tentar encobrir o fracasso do plano (oficialmente chamado de 'Missão N°115'), o Serviço Nacional de Informações (SNI) tentou culpar as organizações de esquerda. Mas essa acusação é mais do que hilária, já que as organizações de esquerda naquela época estavam praticamente extintas pelas ações dos militares.




          Esse atentado ao Riocentro foi um entre, no mínimo, 36 atentados no Rio de Janeiro carregados por militares extremistas no final da década de 1970 e início da década de 1980. Esses ataques visavam instalar o pânico na população brasileira, fazendo-a acreditar que os guerrilheiros comunistas estavam ganhando crescente força no país para tentar fomentar a manutenção do regime militar de forma a conter esse suposto terrorismo das esquerdas.

          Aliás, hoje reconhecida oficialmente como a primeira vítima assassinada por militares mais radicais no início da Ditadura Militar, temos o tenente-coronel da Aeronáutica Alfreu de Alcântara Monteiro (1922-1964), um opositor militar do golpe (1).

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   "MILAGRE" ECONÔMICO

          Essa é outra tábua de sustentação dos defensores do regime militar. É fato que entre 1964 e 1973 - mais especificamente de 1968 a 1973 -, o Brasil experienciou um momento de grande crescimento econômico, comparável ou superior ao que aconteceu com os Tigres Asiáticos. Durante o período de 1968-1973, o PIB (Produto Interno Bruto) Brasileiro cresceu a uma taxa média em torno 11,2% ao ano, enquanto no período de 1964-1967 o crescimento médio foi de 4,2% ao ano. E, além do crescimento econômico elevado, as taxas de inflação tiveram substancial declínio e ocorreram superávits no balanço de pagamentos no período de 1968-1973.

          Três foram os fatores que explicam esse "milagre":

1. A política econômica do período de 1968-1973, em especial as políticas monetária e creditícia expansionistas e os incentivos às exportações;

2. O ambiente externo favorável, devido tanto ao crescimento econômico elevado no cenário internacional quanto à maior facilidade de tomada do crédito externo;

3. As reformas institucionais do PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo) no governo de Castello Branco, especialmente as reformas fiscais/tributárias e financeiras, as quais teriam criado as condições essenciais para a aceleração a médio prazo do crescimento.

          Estudos mais recentes (Ref.16) apontam que o PAEG foi o principal fator responsável pelo "milagre", gerando não tantos frutos entre 1964 e 1968 - por causa do efeito tampão dos entraves econômicos produzidos durante a crise no governo Jango - mas criando as condições ideais para o anormal crescimento em 1968-1973.

          Mas qual o real significado desse crescimento? Bem, para as classes menos favorecidas, nada.

          Esse elevado aumento de recursos de capital continuou concentrado nas mãos da elite e não trouxe melhora significativa em termos de igualdade social. Sem políticas distributivas e pressão de sindicatos - reprimidos pela ditadura - houve o aprofundamento da desigualdade social no Brasil nesse período. Quem tem fortes lembranças positivas do milagre econômico são apenas as classes mais abastadas durante o regime militar. Mas, obviamente, não podemos deixar de saudar os grandes progressos industriais e estruturais desse período.

          Por outro lado, temos um exemplo mais do que notável de um regime não-democrático como o Brasil que cresceu absurdamente nas últimas décadas e está próximo de se tornar a maior economia do mundo: a China Socialista-Comunista. Exatamente no campo político oposto temos um regime autoritário que está acumulando capital ano após ano de maneira absurda, mas sua população enfrenta uma grande desigualdade social e exploração, similar ao que ocorreu na ditadura militar. Aliás, os militares aplicaram o golpe para combater o comunismo fantasma, mas acabaram criando um cenário governamental semelhante ao da China Comunista pós-1970.

          Tentar puxar o milagre econômico para defender uma real prosperidade da sociedade brasileira é bastante complicado nesse sentido. E o engraçado é que os defensores da ditadura nunca mencionam o que ocorreu após o "milagre". No final da década de 1970, a inflação estava incontrolável, os salários cada vez mais arrochados, a dívida externa insuportável e a concentração de renda absurda. Má administração econômica e a crise do petróleo de 1973 - gerada pela Guerra do Yom Kippur no Oriente Médio - levaram ao colapso da nossa economia, enfraquecendo drasticamente o regime militar até o seu fim oficial em 1985. A partir daí, a própria elite voltou-se contra o governo militar, a exemplo do que fez contra o governo Jango. O regime autoritário não mais estava sendo bem visto no contexto internacional e o comunismo não mais representava uma real ameaça em quase lugar nenhum, especialmente com a progressiva degradação da União Soviética.

            A partir de 1978, as greves trabalhistas, antes reprimidas em absoluto, estouraram, e o Brasil se tornou um dos países com maior incidência desse tipo de paralisação ao longo da década de 1980. O governo militar tinha perdido o controle dos sindicatos e a população cada vez mais clamava pela redemocratização. O MDB, antes fantoche de oposição, acabou cindindo-se em dois partidos, PT e PMDB, com o primeiro representando os sindicatos e o segundo a liderança do processo de transição política para a democracia.

          Segurando nas rédeas do processo de abertura desde a ascensão de Geisel em 1974, o governo militar freou ao máximo a democratização do país com o objetivo de sair por cima, já prevendo o iminente colapso do regime ditatorial. Um novo presidente escolhido via eleições diretas não poderia vir nunca antes de leis que protegessem aqueles que perpetraram a violência de Estado. A anistia foi então aprovada em 1979 pelo Congresso, sob a administração de Figueiredo, pouco tempo depois da revogação do agressivo AI-5 (1978). Na segunda fase da transição (1982-1985), tivemos em atividade novos partidos políticos e as primeiras eleições diretas para os governadores estaduais, mas ainda com a situação razoavelmente controlada pelos militares em poder. Mas em 1984, o PMDB começa uma forte campanha pelas eleições  diretas para o cargo da presidência, a famosa 'Diretas Já', a qual mobilizou milhões de pessoas no país. Apesar de derrotada no Congresso, a Diretas Já escancarou o fim próximo do Estado não-democrático, oficialmente com a eleição de Tancredo Neves e José Sarney em 15 de janeiro de 1985, e moralmente com a reformulação de uma nova Constituição, em 1988.

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   CONCLUSÃO

          Os militares agiram sob uma perspectiva preventiva, apoiados pelos setores conservadores que temiam uma revolução social baseada em um modelo distributivo que estaria sendo encaminhada pelo projeto de reformas de base de Goulart, incluindo os da reforma agrária e do controle de remessa de lucros. A bandeira Comunista estaria sendo sinalizada pela crescente mobilização política das massas populares, fortalecimento dos movimentos operários e camponeses, e inédita luta de classes decorrentes da promoção dos projetos de reforma do governo.

          Porém, não existiam reais evidências de que algum tipo de movimento Comunista estava em ação para tomar o poder, onde Goulart estava apenas querendo reforçar o agrado às classes operárias, setor este cuja força espelhava a força do governo Jango. E o caráter de esquerda e mais democrático das ações políticas sendo promovidas desde Vargas na década de 1950 tiveram como óbvia consequência o despertar das classes mais exploradas na economia. Esse despertar trouxe, naturalmente, uma estranheza aos grupos conservadores, alimentando um imaginário já engatilhado pela Guerra Fria e reforçado pelas ações mais energéticas de Goulart para promover suas reformas populares. O único movimento sendo articulado desde a queda de Jânio para a tomada de poder era por parte dos militares sobre apoio das classes dominantes. Não houve uma Revolução em 1964, e, sim, uma espécie de contra-revolução maquiada de encontro à transição de uma democracia restrita para uma democracia ampliada.

          Acobertados por uma justificativa inconsistente, os militares derrubaram o regime democrático via golpe de Estado e instalaram uma ditadura que teve fim em 1985, e cuja assinatura repressora ficou escancarada com a implantação dos atos institucionais A1 e A5.

          Em última análise, é válido deixar claro que o sentimento anti-comunista não era algo fantasioso ou fruto de manipulação dos grupos conservadores e militares, afinal, os grupos de esquerda estavam ganhando força no país e aumentando sua influência no governo Jango. Nesse ponto, porém, precisamos apontar que o medo exacerbado da esquerda não pode servir de justificativa para a implantação de um regime autoritário, especialmente quando você está querendo combater o autoritarismo que historicamente emerge com a ascensão de uma Revolução Comunista. O golpe não é a única arma de luta pela ordem, existindo diversos mecanismos democráticos para alcançá-la. Na Alemanha e na Itália, por exemplo, na década de 1970, o Estado enfrentou o movimento armado da extrema-esquerda - nesse caso, sim, uma real e perigosa ameaça Comunista - sem a implantação de uma ditadura e sem a instituição da tortura e de prisões arbitrárias. Na Inglaterra, a esquerda teve grande poder durante a Guerra Fria, mas nunca defendeu ou buscou a implantação de um regime baseado no socialismo Marxista visando o Comunismo. De 1948 até 1977, Israel foi governada por um forte governo esquerdista e não se transformou em uma ditadura Comunista.

         Para finalizar, é importante lembrar que as ações autoritárias do regime militar não diminuem os grandes feitos das nossas Forças Armadas ao longo da história, incluindo a participação Brasileira na Segunda Guerra Mundial e os inúmeros outros feitos visando a segurança nacional e o bem-estar do povo. Momentos de escuridão atingem a todos devido à volubilidade dos contextos históricos. Mas para o progresso da humanidade precisamos, sim, admitir os erros.

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EXECUÇÕES: Em maio deste ano, um memorando secreto liberado pela CIA afirmou que o general Ernesto Geisel, presidente do Brasil entre 1974 e 1979, sabia e autorizou execução de opositores durante a ditadura militar (Ref.25).

O documento, de 11 de abril de 1974, produzido pelo então diretor da CIA, William Egan Colby, e endereçado ao secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger, foi recentemente tornado público e revelado pelo pesquisador Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Nele é relatado um encontro que ocorreu em 30 de março de 1974 entre Geisel, João Batista Figueiredo - chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) na época -, e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino - esses dois últimos do Centro de Inteligência do Exército (CIE) nesse mesmo período.

Segundo o conteúdo do documento, o general Milton afirmou que o Brasil não poderia ignorar a "ameaça terrorista e subversiva", e que os métodos "extra-legais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos". No ano anterior (1973) o general disse que 104 pessoas supostamente "perigosas e subversivas" foram sumariamente executados pelo Centro de Inteligência do Exército" - alvos durante a administração anterior do Presidente Emilio Garrastazu Médici. Além disso, Milton reforçava que métodos não legais deveriam continuar sendo utilizados contra as 'ameaças', e que Figueiredo suportou essa política e queria que ela continuasse.

Ainda segundo o relato, todas as execuções deveriam ser aprovadas pelo general João Baptista Figueiredo, sucessor de Geisel e ocupante da Presidência de 1979 a 1985.

Partes do memorando ainda continuam sob sigilo nos EUA.

A Comissão Nacional da Verdade apontou, em relatório final divulgado em 2014, ter havido 434 mortes e desaparecimentos durante a ditadura militar; 377 agentes foram responsáveis pela repressão. A identificação foi feita com base em documentos, depoimentos de vítimas e testemunhas.
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(1) ATUALIZAÇÃO (28/03/19): Morto a tiros quatro dias depois do golpe militar iniciado em 31 de março de 1964, o tenente-coronel da Aeronáutica Alfeu de Alcântara Monteiro é considerado a primeira pessoa a ser assassinada pela ditadura militar e só agora a Justiça Federal reconheceu o crime, a partir de ação movida pelo Ministério Público Federal e ativistas de direitos humanos (Ref.28). A versão oficial dada pelo regime militar na época era de que Monteiro foi morto em legítima defesa.

Segundo o Ministério Público, Monteiro foi assassinado dentro do quartel. Em sua decisão, o juiz federal Fábio Hassen Ismael escreveu que Monteiro morreu em "um ato de exceção" em "contexto de violação a direitos humanos, por motivações político-ideológicas decorrentes do regime militar instaurado".

Nascido em 1922, em Itaqui (RS), Monteiro entrou na Escola da Aeronáutica em 1942. Atuou em Fortaleza, São Paulo, Rio, Natal e Canoas (RS). Tornou-se tenente-aviador em 1946 e fez o curso do Estado-Maior da Aeronáutica em 1958. Monteiro não era bem visto pelos militares envolvidos no golpe militar porque, segundo testemunhas, havia se recusado a participar do bombardeio do Palácio Piratini, em Porto Alegre (RS), onde o então governador Leonel Brizola organizava uma resistência para garantir a posse de Goulart, então vice-presidente, após a renúncia de Jânio Quadros. Passada a crise, a posse de Goulart garantiu vitória para o lado defendido por Monteiro.

Porém, na noite de 4 de abril de 1964, Monteiro foi chamado ao gabinete do novo comandante do Quartel-General da 5° Zona Aérea em Canoas, o brigadeiro Nélson Freire Lavanere-Wanderley, que havia chegado naquele dia como interventor do grupo militar que viria a tomar o poder e dado voz de prisão a vários militares.

O brigadeiro estava acompanhado do coronel Roberto Hipólito da Costa, sobrinho do novo presidente do regime militar, Humberto de Alencar Castello Branco. Minutos depois de se apresentar, Monteiro foi assassinado na sala do comandante. Em um inquérito da Aeronáutica, Wanderley e Costa afirmaram que Monteiro resistiu à prisão, sacou um revólver calibre 32 e acabou atirando contra Wnaderley, pegando este último de raspão; nesse momento, Costa teria sacado sua pistola e dado vários tiros em Monteiro.

Essa foi a versão da história que prevaleceu nas décadas subsequentes, até que novas análises de testemunhos e documentos ativassem a reavaliação do caso. Em especial, militares que estavam na base no dia do crime disseram que Monteiro foi abatido antes de disparar contra Wanderly. Exames de corpo de delito e uma perícia da Polícia Federal levantaram a hipótese de que os dois tiros contra Wanderley partiram de baixo para cima, o que indica que monteiro atirou depois de ser atingido por Costa. Além disso, Castello parece ter agido de forma suspeita na época para abafar o caso, mandando seu sobrinho para os EUA e empossando Wanderly como Ministro da Aeronáutica.Ou seja, somando-se ao contexto na época e ao histórico ideológico de Monteiro, existem evidências suficientes para concluir que o coronel Alfeu não tomou a iniciativa de efetuar disparos contra o seu comandante.
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OPERAÇÃO CONDOR

A Operação Condor foi uma aliança político-militar entre os regimes militares presentes na América do Sul — Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai — com a CIA dos Estados Unidos. Ativa durante as décadas de 1970 e de 1980, e com sede operacional em Buenos Aires, seu principal objetivo era combater os opositores às ditaduras militares, especialmente setores da esquerda. Além disso, foi uma reação à Organização Latino-Americana de Solidariedade), criada por Fidel Castro.

Esta semana (20/04/19), a terceira e última entrega de documentos oficiais Norte-Americanos sobre a mais recente ditadura Argentina (1976-1983) revelou detalhes do funcionamento dessa operação, incluindo como foram assassinados pela repressão local dezenas dos até hoje considerados "desaparecidos". A entrega de documentos é fruto de uma acordo realizado entre o presidente Mauricio Macri e o ex-presidente dos EUA, Barack Obama, em 2016. Donald Trump manteve o compromisso firmado, entregando a última leva de arquivos, a qual engloba 47 mil páginas (Ref.29).

Basicamente, os arquivos são um conjunto de correspondências entre a embaixada Norte-Americana na Argentina e seus e as autoridades dos EUA, além de informes realizados pela CIA e o FBI com base nessas informações.

Trazendo informações principalmente sobre a relação dos líderes militares Argentinos com os Uruguaios e os Chilenos, os documentos reforçaram que os EUA não apenas acompanharam as ações da Operação Condor como também auxiliaram em termos de inteligência e de cooperação, inclusive levando agentes Sul-Americanos para treinamento em território dos EUA.

Somando-se a isso, os documentos detalham as reuniões em que se tomavam as decisões sobre quem seriam as vítimas de cada operação. As escolhas eram feitas de forma 'democrática', onde os líderes militares dos países votavam quais perseguidos políticos tinham que ser executados primeiro, onde e de que forma. Em alguns casos eram contratados assassinos de aluguel, os quias recebiam em torno de US$3500 pelos trabalhos. Os países membros compartilhavam os custos das operações.

De acordo com os documentos, os EUA atuavam enfaticamente na Operação Condor do ano de 1973 até 1977, enquanto o secretário de Estado Norte-Americano, Henry Kissinger, permaneceu no cargo. Kissinger era obcecado com as perseguições e execuções de opositores esquerdistas. No entando, a posição dos EUA mudou racicalmente quando o Democrata Jimmy Carter assumiu o poder, em 1977. O governo dos EUA, então, passou a pressionar contra as ditaduras Sul-Americanas, colaborando com denúncias dos abusos de direitos humanos.

De qualquer forma, uma das informações mais importantes dos documentos foi a revelação e detalhamento de dezenas de mortos durante a operação, o que certamente ajudará nas investigações criminais. Para exemplificar, lá é narrado o sequestro dos Cubanos Jesús Cejas Arias e Crescencio Nicomedes Galañena Hernández, os quais teriam sido levados a um centro de detenção clandestina, torturados até a morte, e depois jogados no rio Paraná com os corpos envoltos em cimento. Até hoje não foram encontrados. Outro exemplo notável é a tortura de uma psicóloga Argentina paraplégica (usava cadeira de rodas) que foi torturada porque atendia suspeitos de participar de atividades de subversão.

Na Argentina, já foram realizados 3 mil processos contra repressores, havendo mais de 800 deles condenados e 200 aguardando decisões. No total, são entre 20 mil e 30 mil desaparecidos durante a Ditadura Militar no país, provavelmente mortos. 
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  1. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/toffoli-diz-que-hoje-prefere-chamar-ditadura-militar-de-movimento-de-1964.shtml
  2. https://oglobo.globo.com/brasil/toffoli-diz-que-nao-usa-mais-golpe-nem-revolucao-mas-sim-movimento-de-64-23116536
  3.  NOTICIÁRIO DO EXÉRCITO – Centro de Comunicação Social do Exército Brasília, 31mar. 1989 – ano XXXII, n.7713, Ordem do Dia – 31 de março. “Aniversário da RevoluçãoDemocrática de 1964”. Autores: almirante de esquadra Henrique Sabóia – ministro da Marinha, general de exército Leônidas Pires Gonçalves – ministro do Exército; tenente-brigadeiro Octávio Júlio Moreira Lima – ministro da Aeronáutica.
  4. Revista do Clube Militar. Evento Comemorativo do Movimento Cívico-Militar dia 31 deMarço de 1999. Rio de Janeiro, 35p.
  5.  NOTICIÁRIO DO EXÉRCITO – Centro de Comunicação Social do Exército Brasília, 31 mar. 1989 – ano XXXII, n.7713, Ordem do Dia – 31 de março. “Aniversário da Revolução Democrática de 1964”. Autores: almirante de esquadra Henrique Sabóia – ministro da Marinha, general de exército Leônidas Pires Gonçalves – ministro do Exército; tenente- -brigadeiro Octávio Júlio Moreira Lima – ministro da Aeronáutica.
  6. http://www.ufjf.br/historia/files/2013/11/2011-Governo-Jo%C3%A3o-Goulart-e-a-Efetiva%C3%A7%C3%A3o-do-Golpe-de-Estado-no-Brasil-1961-1964.pdf
  7. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142014000100014
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