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A Pílula do Câncer: fato ou ficção?


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       Para a alegria de muitos, a tão polêmica fosfoetanolamina foi aprovada pelo governo há algumas semanas, onde a Presidente Dilma bateu o martelo final. Claro, ela estava sob forte pressão política e popular, e não ia deixar de aprovar algo que gerou tanta comoção pública. Mesmo sob protestos mais do que justos da ANVISA, a suposta ´pílula do câncer´ passou a ser oficial. E, até agora, não existem evidências científicas de que ela funciona, sendo que o segundo teste oficial da sua eficácia, publicado ontem e envolvendo dois trabalhos de análises clínicas (1), não gerou resultado nenhum na melhora de tumores induzidos em ratos. Os testes de controle em humanos começarão em agosto.

         A fosfoetanolamina é uma substância orgânica que estava sendo pesquisada na USP pelo professor aposentado Gilberto Orivaldo Chierice e sendo distribuída gratuitamente no campus da Universidade sem antes ter passado por testes de eficiência em humanos e outros procedimentos básicos de segurança. A única evidência de eficácia vinha de supostos estudos feitos com ratos, relacionando melhoras no câncer de pele desses roedores. Não é preciso dizer que, apesar do parentesco evolucionário relativamente próximo, não somos ratos e que a substância, provavelmente, não funcionará para todos os tipos de câncer.

        Além disso, como dito no começo, novos testes com ratos não estão mostrando resultado positivo nenhum. Mesmo se ela apresentar algum resultado nos testes de agosto, o qual será realizado com 'tumores humanos', ela será apenas mais um componente de quimioterapia que poderá funcionar em alguns casos... ou não. Por enquanto, existe apenas a teoria de que a 'fosfo' imita sinalizadores dentro do corpo que orientam as células de defesa a combaterem as células cancerígenas. E o mais revoltante é que o nome de uma das melhores universidades do mundo (USP) estava sendo usado para promover esse esquema criminoso, sem a mesma nem mesmo saber o que estava sendo feito (2).



           É algo para reflexão: se o governo começar a proibir as frutas e verduras de serem consumidas pela população, talvez essa será uma das melhores medidas nutricionais já feitas no país. Ora, porque parece que proibir qualquer coisa faz a população criar uma vontade sobre-humana de utilizar tal coisa. Tenho certeza de que se essa substancia fosse legalizada desde o início, as pessoas estariam apedrejando ela por ser algo sintetizado em laboratório, e não 'colhido na natureza'.

         Se a população soubesse o quão variados e complexos são os tipos de tumores, as pessoas parariam de acreditar que um remédio qualquer pode ser uma bala mágica que resolve todo o espectro cancerígeno. Um câncer de mama é completamente diferente de um câncer de próstata. Dentro do próprio câncer de mama, existem diversos tipos que também são bem distintos entre si. E elas também parariam por um momento para ter a óbvia epifania: de que o professor Gilberto estava usando as pessoas pegando gratuitamente a substância em suas mãos como um grande teste de cobaias. Vocês acham que ele estava sendo solidário e benevolente distribuindo a fosfoetanolamina gratuitamente, mas ele estava fazendo o mesmo que os médicos Nazistas faziam com os judeus presos nos campos de concentração: testes biológicos fáceis e ilegais. Isso é um exagero? Não, estou sendo realista. Mesmo se essa não foi a intenção do professor, ele estava agindo com total irresponsabilidade médica, desrespeito científico e desprezo pela ética.

        E isso não é algo raro. Diversas pessoas e empresas vendem medicamentos milagrosos e outras receitas maravilhosas que prometem a cura de doenças graves e que, muitas vezes, não possuem cura. Aproveitam-se da fragilidade dos indivíduos acometidos por tais enfermidades, e da dor dos familiares, para venderem falsas esperanças, na busca incessante de lucro e/ou reconhecimento. E eu não entendo as pessoas que defendem a fosfoetanolamina com tanta garra, sendo que não existem provas da sua atividade anti-tumoral! Muitos dizem que é um golpe da indústria farmacêutica essas acusações contra a ´fosfo´, para que as vendas dos anti-tumorais tradicionais não caiam. Ora, se um fulano, do nada, começar a vender tijolo em pó e disser que cura problemas cardíacos, será um golpe se as autoridades de saúde o recriminarem?

        As pessoas que defendem a fosfoetanolamina citam diversos relatos de pacientes que supostamente se curaram do câncer com com seu uso. Ora, qualquer um pode inventar relatos utilizando perfis falsos, e esse truque é o que mais existe. Pesquisem para vocês verem relatos de produtos "mágicos" de emagrecimento.Sempre existe um monte de "relatos" nos comentários dos anúncios desses produtos dizendo maravilhas sobre eles, sendo que são todos inventados pelos criadores e associados do esquema. Além disso, se uma pessoa usa a fosfoetanolamina concomitante com o tratamento tradicional e vê melhora em seu quadro depois de algum tempo, como distinguir qual tratamento deu certo?

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         Por causa da pressão popular e medo do governo em não contrariar uma população já desgostosa com a política, uma substância suspeita teve sua distribuição legalizada sem a aprovação dos órgãos reguladores de saúde. Aí, daqui a dois anos efeitos colaterais graves começam a surgir e o povo se volta contra o governo. É, realmente, difícil entender isso. Onde está a bula? Onde está a dose e horários? Para quais tipos de câncer ela é indicada? Não sabemos e talvez nem mesmo a 'fosfo' saiba.

(1) Publicação do estudo e conjunto dos relatórios do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação: http://www.mcti.gov.br/relatorios-fosfoetanolamina

(2) A USP escreveu dois textos esclarecendo a situação:

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Obs.: O problema maior não é a substância ser usada como último recurso de pacientes com câncer terminal. O problema são as pessoas com um câncer menos grave usar a substância para tratar sua doença, ignorando os tratamentos convencionais, ou usando junto com os tratamentos e sem necessidade. E o pior são os indivíduos que podem usar o medicamento como uma medida de prevenção ao câncer ou como um 'suplemento alimentar' bom para a saúde, ao invés de tomar reais medidas preventivas e desconhecendo os efeitos colaterais a longo prazo. Veem agora a gravidade da situação? Tudo isso sem testes clínicos de eficácia ou de segurança da substância.

ATUALIZAÇÃO (20/02/17): Com o dinheiro gritando nos ouvidos dos responsáveis pela fosfoetanolamina, a famosa "pílula do câncer", eles resolveram lançá-la, junto com empresários e parceria com uma empresa norte-americana, como um suplemento alimentar no mercado, já que os testes de eficácia para lançá-la como um medicamento falharam miseravelmente (em outras palavras, ela é inútil).

          Sob a categoria de ´suplemento alimentar´, a substância pode ser produzida legalmente nos EUA sem precisar passar por uma fiscalização rígida (3). Cada pílula parece que custará R$ 3,80 e a produção inicial será de 500 mil delas. Pretende-se iniciar a comercialização no dia 16 de março.

         Os benefícios que virão descritos nas embalagens serão: “Regula seu metabolismo, diminui o estresse oxidativo das células humanas e consequentemente diminui a possibilidade de doenças degenerativas se desenvolverem em organismos devidamente suplementados com fosfoetanolamina.” Nada disso com sólidas bases científicas. A Anvisa já foi acionada, segundo uma reportagem nesse último Domingo no Fantástico (19/02), para investigar a situação.

         Por favor, pessoal, peguem o dinheiro que vocês gastariam nessas pílulas e invistam em uma alimentação mais saudável. Ganharão muito mais. E para aqueles sofrendo com o câncer, procurem tratamentos cientificamente comprovados, porque a ´fosfo´ parece ser apenas uma farinha apelidada de remédio.

Referência: FolhadeS.Paulo

(3) Esse é o motivo também para a população ficar de olho nos suplementos alimentares sendo vendidos no mercado. Muitos deles são jogados no circuito comercial sem nenhuma inspeção de qualidade e segurança. Discuti mais sobre o assunto em: Suplementos aliemntares: basta comprar e consumir?