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Curcumina possui poder medicinal?



- Atualizado no dia 2 de novembro de 2023 -

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          A curcumina é um composto químico produzido por algumas plantas e é o principal curcuminoide do turmérico, um tempero extraído do rizoma do açafrão-da-terra (Curcuma longa). Como outros curcuminóides, essa substância é um difenol e um pigmento responsável por uma cor amarela bem forte. À curcumina são atribuídas propriedades antitumorais, anti-inflamatórias e germicida, prevenção de doenças neurodegenerativas, fortalecimento da imunidade do corpo, tratamento de problemas renais e circulatórios, entre outros. Mas qual é o suporte científico?  
Rizoma do açafrão-da-terra e o pó turmérico derivado do primeiro. O Curcuma longa cresce em climas quentes e úmidos e, portanto, é amplamente encontrado em regiões tropicais e subtropicais, especialmente na Índia, China e Sudeste Asiático.

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           De fato, em experimentos in vitro e com ratos, várias das alegadas propriedades - incluindo atividades biológicas antibacteriana, anti-inflamatória, antioxidante e anticâncer - têm sido observadas, comprovando o potencial terapêutico da curcumina. Efeitos anti-inflamatórios da curcumina têm sido sugeridos inclusive para o tratamento da COVID-19 (Ref.13). Nos estudos clínicos in vivo, a curcumina têm mostrado ser capaz de regular vários caminhos de sinalização associados com o crescimento de células cancerígenas. Porém, replicar esses potenciais efeitos terapêuticos em humanos são dificultados por quatro principais fatores: biodisponibilidade oral extremamente baixa, baixa solubilidade em água, baixa absorção no intestino delgado e rápida eliminação no fígado. Ou seja, quando você ingere curcumina (ex.: suplemento alimentar) ou algum alimento com a curcumina (ex.: turmérico), você absorve muito pouco dessa substância e, para piorar, o composto fica muito pouco tempo circulando no corpo, sendo degradado e eliminado muito rapidamente.

Estrutura química da curcumina; é possível ver suas várias ligações duplas conjugadas responsáveis pela absorção da luz no visível em comprimentos que fazem com que a luz amarela/laranja seja emitida em forte intensidade. Apesar de ser um potente agente anticancerígeno, essa substância é altamente hidrofóbica, ou seja, muito pouco solúvel em água, dificultando sua aplicação clínica

          Como a curcumina é muito pouco solúvel em água, isso dificulta seu transporte pelo sangue (o qual é um fluído aquoso) na ausência de transportadores específicos e eficientes. E o pico de concentração no plasma da curcumina é de apenas 11.1 nmol/L 1–2 h após o consumo de 3.6 g dessa substância (Ref.14). Até o momento, são poucos estudos clínicos em humanos com algum resultado, e, no geral, são muito limitados e de baixa qualidade. Por enquanto, existe apenas fraca evidência de suporte para o uso medicinal do extrato de tumérico e de suplementos de curcumina, apesar do grande potencial terapêutico.

           Por outro lado, tanto a curcumina quanto sua fonte principal, o turmérico, são seguros para o consumo, caso ingeridos de forma moderada (!). Se você gosta de ambos como tempero e/ou corante natural, mal não fazem - apesar de efeitos adversos leves a moderados reportados por algumas pessoas, como náusea e diarreia. Só não espere milagres, apenas sabor. Em outras palavras, quem vende o turmérico como um milagre medicinal está apenas fazendo propaganda enganosa.

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(!) Consumo excessivo de curcumina pode ter efeitos adversos nos rins, coração, fígado, sangue e sistema imune (Ref.14). Importante realçar isso porque algumas pessoas podem ingerir essa substância de forma excessiva para tentar compensar sua baixa biodisponibilidade. A curcumina pode também exibir interação indesejável com certos medicamentos quimioterápicos, como o tamoxifeno.

> O tumérico possui uma longa história na medicina. No início do século XII, Marco Polo mencionou o valor medicinal do tumérico no seu diário de viagem Sino-Indiana e, no século XIII, essa raiz foi introduzida na Europa a partir da Índia por mercadores Árabes. Durante o governo Britânico na Índia no século XV, misturas de ervas, caril e curcumina foram muito usadas para propósitos medicinais. Na Medicina Tradicional Chinesa, tumérico é ainda muito usado, especialmente para o tratamento de problemas circulatórios.

> Ingestão de curcumina pura pode não ter o mesmo potencial terapêutico do extrato de tumérico, este o qual traz vários outros compostos, em especial derivados da curcumina como a demetoxicurcumina e a bisdemethoxicurcumina (ambos também exibindo propriedades antitumorais in vitro).
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   MELHORANDO A CURCUMINA

            Nos últimos anos, pesquisadores têm tentado desenvolver medicamentos baseados na estrutura química da curcumina para deixá-la mais biodisponível para o organismo humano (1) ou novos sistemas de entrega ou complexação do composto para o mesmo fim. Por exemplo, a piperina, um composto extraído da espécie Piper nigrum (pimenta-preta), pode aumentar a absorção de curcumina e melhorar sua biodisponibilidade em mais de 20 vezes. Íons metálicos, como Zn2+, Cu2+, Mg2+ e Se2+, assim como albumina, podem formar complexos com a curcumina no sentido de melhorar sua solubilidade em água e biodisponibilidade.

          Em um estudo de 2018, publicado no periódico PNAS (Ref.10), pesquisadores das Universidades de Illinois e de Utah conseguiram criar um complexo organometálico com a curcumina, baseado em platina, que é solúvel em água e mostra uma eficácia cerca de 100 vezes maior em eliminar células cancerígenas quando comparado com a ação anticancerígena isolada da platina ou da curcumina. O complexo mata as células cancerígenas através de fragmentação do DNA. O complexo potencialmente facilita o transporte da curcumina pela circulação sanguínea, atingindo preferencialmente células tumorais. Aliás, a mesma estratégia de complexação pode ser útil também para aumentar a eficácia de outras drogas anticancerígenas pouco solúveis.

           Um estudo de 2019, publicado no periódico ACS Applied Materials and Interfaces (Ref.11), detalhou o desenvolvimento de um novo sistema de entrega de fármaco usando a curcumina, e, com sucesso, levou à inibição de células do câncer de osso e, ao mesmo tempo, à promoção de células saudáveis no tecido ósseo. Para contornarem a baixa absorção e alta taxa de degradação da curcumina no corpo, os pesquisadores usaram a técnica de impressão 3D para construir andaimes de fosfato de cálcio visando substituir implantes ósseos que atualmente são feitos de metal. Então, a curcumina foi incorporada dentro dos andaimes, encapsuladas em vesículas de moléculas lipídicas, de modo a permitir uma liberação mais gradual do composto. Analisando clinicamente o novo sistema, os pesquisadores encontraram uma inibição de 96% do crescimento de células de osteosarcoma após 11 dias quando comparado com amostras não tratadas. O sistema também promoveu o crescimento de células saudáveis.

           Nano-transportadores também têm sido propostos e amplamente investigados em estudos pré-clínicos e clínicos, como lipossomos, niosoomos e nanopartículas de ouro (Ref.17-19).

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   CONCLUSÃO

          A curcumina, o constituinte ativo do turmérico, é conhecida pela suas atividades antioxidantes, anti-inflamatórias, anticâncer, e osteogênicas. Porém, o composto apresenta baixíssima biodisponibilidade nos humanos, e seus potenciais efeitos terapêuticos acabam não sendo aproveitados via simples ingestão. Estudos nos últimos anos vêm buscando métodos que aumentem a biodisponibilidade desse composto, e alguns já obtiveram promissores resultados com novos métodos de transporte e de modificação molecular dessa substância.


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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://lpi.oregonstate.edu/mic/dietary-factors/phytochemicals/curcumin
  2. http://well.blogs.nytimes.com/2016/04/22/ask-well-does-turmeric-have-proven-health-benefits/
  3. http://nutritionreviews.oxfordjournals.org/content/73/3/155
  4. https://clinicaltrials.gov/ct2/results?term=curcumin&pg=1
  5. http://alzheimer.neurology.ucla.edu/Curcumin.html
  6. http://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/cancer/expert-answers/curcumin/faq-20057858
  7. http://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2014/ra/c3ra46396f#!divAbstract
  8. http://europepmc.org/abstract/med/23472475 
  9. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19594223 
  10. http://www.pnas.org/content/115/32/8087
  11. https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acsami.9b01218
  12. Yang et al. (2022). Effects and Mechanisms of Curcumin for the Prevention and Management of Cancers: An Updated Review. Antioxidants, 11(8), 1481. https://doi.org/10.3390/antiox11081481
  13. https://www.mdpi.com/2072-6643/14/2/256
  14. Liu et al. (2022). A Comprehensive Review on the Benefits and Problems of Curcumin with Respect to Human Health. Molecules 27(14), 4400. https://doi.org/10.3390/molecules27144400
  15. Wan et al. (2022). Role of curcumin in the treatment of acute kidney injury: research challenges and opportunities. Phytomedicine, Volume 104, 154306. https://doi.org/10.1016/j.phymed.2022.154306
  16. Sahebkar et al. (2023). Curcumin-piperine co-supplementation and human health: A comprehensive review of preclinical and clinical studies. Phytotheray Research, Volume 37, Issue 4, Pages 1462-1487. https://doi.org/10.1002/ptr.7737
  17. Obeid et al. Recent updates in curcumin delivery. Journal of Liposome Research, Volume 33, 2023 - Issue 1. https://doi.org/10.1080/08982104.2022.2086567 
  18. Thilagavathi et al. (2023). Nano formulation approaches for curcumin delivery- a review. Journal of Drug Delivery Science and Technology, Volume 82, 104326. https://doi.org/10.1016/j.jddst.2023.104326 
  19. Sahebkar et al. (2023). Effect of nano-curcumin on various diseases: A comprehensive review of clinical trials. BioFactors, Volume 49, Issue 3, Pages 512-533. https://doi.org/10.1002/biof.1932